Miradouro de São Pedro de Alcântara
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Miradouro de São Pedro de Alcântara
O Passeio de São Pedro de Alcântara, situado no topo de uma das colinas do coração de Lisboa, é um dos seus primeiros jardins públicos. Foi mandado construir no reinado de D. Maria II e D. Fernando Saxe Cobourg-Gotta cuja educação adquirida na Alemanha trouxe para Portugal o interesse pelos jardins e mais tarde a introdução do movimento dos parques urbanos que vigorava na Europa a partir de meados do século XIX. Abertos ao público estes jardins seguiam diferentes estilos; o romântico tinha presente a temática regional, exaltando os heróis nacionais, enquanto que o "landscape garden" seguia a temática clássica ou mitológica, exaltando os heróis clássicos e filósofos. Ambos os estilos se revestiam de um carácter pedagógico, pela exposição da história nacional ou clássica ao visitante do jardim, que agora se torna público. Além do fator cultural, a vegetação exótica e o conhecimento botânico eram muito apreciados nestes jardins, o encontro social era dinamizado, o espaço estava preparado para o passeio.
É neste contexto que surge o Passeio de São Pedro de Alcantara situado na encosta voltada a Este entre o Bairro Alto e a Avenida da Liberdade. Pertence à freguesia da Encarnação e o acesso é feito pela Calçada da Glória (elevador), pela Rua das Taipas ou pela Rua D. Pedro V. Beneficia pela sua localização privilegiada de uma magnífica vista sobre a colina do castelo a Avenida da Liberdade e o Tejo. Constitui parte integrante da Estrutura Verde de Lisboa.
A história do Passeio de S. Pedro de Alcântara remonta muito antes da própria construção do jardim. "Quem vê a formidável e alterosa muralha que sustenta os dois planos em que se divide S. Pedro de Alcântara, conjectura logo que tão agigantada obra fora destinada para alicerce e fundamento de alguma construção colossal. Mas poucos sabem que alli se devia levantar um castello ou depósito de água, e continuar o famoso aqueduto das Águas-Livres, por arcos similares aos do Vale de Alcântara que as levasse do Bairro Alto para o da Graça, servindo ao mesmo tempo de viaducto entre o lado occidental e o oriental da cidade, atravessando o valle do Rocio" (Tullio, 1862).
A muralha de S. Pedro de Alcântara, delineada em 1724, começou a ser construída em 1738, segundo Vilhena de Barbosa, em Lisboa de Lés a Lés, dois anos depois dos arcos do aqueduto das Águas-livres atravessarem por completo o vale de Alcântara. Só em 1748, dezasseis anos após o início das obras do aqueduto, é que a água chega ás Amoreiras. "[...] Depois da água correr no chafariz das Amoreiras, o primeiro que se fez, continuou o aqueduto até S. Pedro de Alcântara, e se fizeram os diversos encanamentos para muitos chafarizes e fontes públicas" (Tullio, 1862). Mais tarde, já no reinado de D. José se termina esta obra colossal que iria modificar drasticamente a imagem da cidade de Lisboa. "D. José I, após a representação de seus povos, deferiu enquanto à fonte, e em 1754 a água começou a correr no lugar, abastecendo o gentio do Bairro Alto. O depósito, o remate do aqueduto, esse é que não se instalara ali. A linfa não lhe chegava; era impossível abastecer a parte oriental de Lisboa por aquele processo e por isto não se edificou o reservatório." (Martins, 1933) O terramoto de 1755 abriu uma fenda enorme no ângulo sul da muralha de S. Pedro de Alcântara e a partir daí, este local tornou-se um vazadouro público.
A 1835, a posse da direção das Águas Livres e dos Passeios Públicos passa para a Câmara Municipal de Lisboa, que manda ajardinar o plano de baixo (depois de o tabuleiro superior estar gradeado), introduzindo-lhe "duas escadas lateraes, com seus cancellos, que se fecham ao sol-posto." (Tullio, 1862). Também construiu nesse ano uma cascata embebida na muralha, com um lago semi-circular (Martins, 1933). No jardim debaixo também existiam "umas frondosas árvores que enchiam aquilo tudo de sombra e namorados". Uns anos mais tarde, (antes de 1881), "uma vereação, arrancou tudo, os namorados as sombras e as árvores e substituiu-as por uns bustos de pedra de grandes homens, entre elles Luiz de Camões" (Revista Occidente, 1881).
O Passeio de São Pedro de Alcântara sempre foi alvo de ideias e eventos atrativos para o visitante e em 1851 iniciou-se o aluguer de "cadeirinhas de ferro com travessinhas de madeira no assento e costas", a favor dos internados do Asilo de Mendicidade (França, 1994). "Neste jardim possivelmente funcionou, para gozo do público, uma meridiana, inventada por Veríssimo Alves Pereira, que ao meio-dia fazia tocar uma campainha” (França, 1994).
A pedido de inúmeros moradores, a Câmara mandou construir um coreto no Jardim S. Pedro de Alcântara. "Desenhado em 1886, pelo arquitecto camarário José Luís Monteiro, tinha uns capiteis muito originais, em forma de lira. Por economia, vem a ser construído em madeira, coberta de zinco e grade de ferro; pouco tempo durou." (França, 1994). Além do coreto, junto do tanque também foi construído um quiosque "para venda de bebidas e refrescos, com esplanada, cheia de mesas e cadeiras, abrigada debaixo de um enorme toldo hexagonal que lhe corria a toda a volta e se apoiava em lanços de ferro" (França, 1994). Este quiosque manteve-se até ao fim do século XX sempre muito concorrido e animado com mesas e cadeiras onde se podia tomar um bebida gozando esplendida vista sobre Lisboa iluminada pela luz do pôr do sol.
"Cedo, foi um dos passeios concorridos das cidade, rivalizando, embora sem sucesso, com o vizinho Passeio do Rossio, sobretudo nas tardes e noites de Verão, procurando-se o fresco daquele pitoresco belvedere (...) Na verdade, escrevera-se na época que São Pedro de Alcântara ‘é o Campo Grande dos pobres (Gervásio Lobato)’" (França, 1994).
Em 1904, é erigido no passeio superior um pequeno monumento da autoria do arquiteto Álvaro Machado e do escultor Costa Mota (tio) que "celebra a memória do jornalista Eduardo Coelho, fundador do jornal «Diário de Notícias». O «ardina», figura em bronze, em movimento, apregoa a folha: "fundar um jornal é mais do que constituir um convento" (Araújo, 1992). O tabuleiro inferior recebeu em 1933, uma pequena escola infantil, delineada pela poetisa Fernanda de Castro Ferro (França, 1994). Mais tarde, em 1952, foi colocado, no plano de cima, (a par de um telescópio) um painel de azulejos, de Fred Kradolfer, “com o panorama legendado que auxilia o visitante mais desprevenido” (França, 1994).
Com a abertura da Avenida da Liberdade em 1879, toda a animação do Passeio Público perde dinamismo e tentam-se novas formas de animação. "... em 1882, transfere-[se] provisoriamente a música para este passeio, tornando-o em local de moda. À semelhança dos outros passeios lisboetas, teve o seu coreto. Após várias tentativas de pôr música no Jardim, (...) a Câmara mandou construir um bonito coreto, procurando satisfazer os inúmeros pedidos dos moradores." (França, 1994).
O francês Henry Beudet deu, em 1884, um espetáculo aeronáutico, a bordo do balão "Cidade de Lisboa", que partia do Castelo de S. Jorge, enchendo deste modo, o passeio de visitantes curiosos. "Na década de 90 do sec. XIX, várias vezes foram estabelecidos, entre a Câmara e empresas particulares (Reis e Sousa, A. Martins, Mimon Anahory) contratos de exploração noturna com programas que compreendiam concertos em coretos armados, representações de atores imitadores e divettes, brilhantes iluminações e estabelecimento de um buffet ou café.
Surge assim, em 1896, o «Éden-concerto», no tabuleiro inferior, que animou com música e atracções o passeio, mas poucos eram os que pagavam bilhete, pois podiam assistir a todo o espetáculo apoiado nas grades de cima. […] Hoje, desta alameda e Jardim de São Pedro de Alcântara, atualmente António Nobre, com a sua posição altaneira, repetidamente continuamos a olhar a cidade [...] o deslumbramento de quem ali se demora gozando o panorama” (França, 1994).
Sendo um miradouro, o jardim assume particular destaque pelas vistas sobre a colina do castelo, a avenida da Liberdade e o rio Tejo. Estas vistas assumem uma dinâmica muito própria ao longo do dia e à noite, devido às diferentes intensidades de luz e ao próprio movimento citadino. A vista é de facto o elemento soberbo deste espaço público, elogiada por muitos autores e por todos os que por lá passam. “A Sul, salientam-se as torres morenas da Sé, as torres brancas de S. Vivente. [...] Ao fundo, ainda a Sul, a nesga do Tejo e, em planos distanciados, os montes da outra banda. O Sol propício envolve tudo isto de uma luz doirada, e a velha Alcáçova, na configuração de uma penha verde, parece a múmia de uma sentinela, engrinaldada pelas idades. [...] ‘Mas é ao entardecer que este panorama; cerceado na sua beleza [...] atinge o deslumbramento. Há ali uma janelinha que; de súbito, arde em luz doirada, como se a iluminassem de repente. Acende-se outra e outra ainda [...] Lisboa inteira refulge em labaredas, a cor transmuda-se e as janelas, na pompa ensanguentada do poente, são já de fogo e púrpura [...]” (Araújo, 1992).
No plano superior a calçada portuguesa assume particular importância pela sua riqueza artística recorrendo a um desenho modular. No tabuleiro inferior, um conjunto de bustos em pedestal dispõem-se pelo jardim fora, de um modo geométrico, fazendo homenagens a diversas personalidades quinhentistas "O busto não é uma obra-prima e o grande épico, Affonso de Albuquerque, Vasco da Gama, e outros heroes que a câmara municipal ali mandou plantar entre os alecrins do norte, vieram dar ao Passeio de S. Pedro de Alcântara umas grandes parecenças com os Lusíadas, a alliança da pátria e da mythologia, das glórias Lusitanas e das divindades olympicas, porque Affonso de Albuquerque sorri a Minerva, Vasco da Gania faz pendant ao busto de Ulysses, e Camões parece piscar o olho a uma Vénus de cantaria." (Bordalo, 1863). Existe também um freixo de grandes dimensões, com certeza muito antigo e, aparentemente em bom estado fitossanitário, a merecer a atribuição do estatuto de Árvore Notável.
O jardim possui três elementos de água, um tanque com repuxo no plano superior, a cascata no plano inferior que veio a substituir um chafariz monumental, desenhado pelo arquitecto Carlos Mardel, a mando de Marquês de Pombal, e um chafariz na calçada da Glória. Carlos Mardel foi igualmente o autor dos aquedutos que ramificam desde o depósito das Amoreiras, entre eles o aqueduto de Loreto (alguns hoje visitáveis ) que abastecem S. Pedro de Alcântara, partindo da Patriarcal, com término no teatro de São Carlos.
O tanque do tabuleiro superior foi ali colocado entre 1830 e 1835 e já fez parte dos jardins do Palácio da Bemposta ou Paço da Rainha, tem uma importante função de refresco do ar mas também reflete o céu dando brilho ao espaço. A cascata embutida no muro de suporte é muito ornamentada e rica de embrechados de conchas, assim como motivos aquáticos ricos de pormenores. Atualmente só tem uma saída de água proveniente de um tubo que desaparece por entre as rochas artificiais da cascata, a água cai por gravidade num tanque semicircular. O gradeamento do plano inferior, foi colocado em 1864 e parte dele é proveniente do extinto Palácio da Inquisição do Rossio, como já referido no Enquadramento Histórico.
Parcialmente incluído na Zona de Proteção do Ascensor da Glória e na Zona de Proteção do Aqueduto das Águas Livres / Incluído na Zona Especial de Proteção Conjunta dos imóveis classificados da Avenida da Liberdade e área envolvente.
Texto de Inventário: Daniel Martins da Silva – 2003; Pedro Domingos Prazeres – 2003.
Adaptação: Cristina Castel-Branco, 2020.
Miradouro de São Pedro de Alcântara
(Consulta em 2003 e Maio de 2020)
ARAÚJO, N – Peregrinações em Lisboa. Livro. Lisboa: Veja Editores, 1992.
FRANÇA, J.A. – A Sétima Colina, Roteiro Histórico-Artístico. Lisboa: Livros Horizonte, 1994.
MARTINS, R., Arquivo Nacional - S. Pedro de Alcântara de Ontem e de Hoje, Edições ABC, Lisboa, 1933.
TULLIO, A.S. – Archivo Pittoresco, Lisboa: Typographia de Castro Irmão, 1862.
BORDALLO, J.J. – Novo Guia do Viajante em Lisboa e seus Arredores. Lisboa: Editor J.J. Bordalo, 1863.
REVISTA OCCIDENTE, N° 74, pg. 11, 12 e 13, Lisboa, (Janeiro de 1881).
http://www.monumentos.gov.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=7003