Quinta Devisme / Quinta da Infanta / Reformatório Feminino de Lisboa

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Quinta Devisme / Quinta da Infanta / Reformatório Feminino de Lisboa

A "Quinta da Infanta" em Lisboa, situa-se na freguesia de S. Domingos de Benfica junto ao largo do mesmo nome e é ladeada pela "Quinta dos Marqueses de Fronteira", a Sul lado, e pelo antigo Convento de S. Domingos, hoje Pupilos do Exército, a Norte. A Nascente a quinta foi cortada pela linha férrea de Sintra e depois pelas largas estradas de acesso a Lisboa.

Em termos geomorfológicos a quinta da Infanta ocupa a encosta basáltica Nordeste de Monsanto, uma zona de declives suaves, que desce em patamares até à antiga Ribeira de Alcântara, hoje encanada. A disponibilidade de água vinda da serra e abundância de solos aluviares de alta qualidade agrícola permitiram a instalação da Quinta e dos seus belíssimos jardins, cujo esplendor foi eternizado nos quadros de Alexandre-Jean Noël (1752-1834), A View of the Quinta of Gerard de Visme at Bemfique, e Jean-Baptiste Pillement (1728-1808), Vue des jardins de Benfica.

A primeira descrição da região, remonta a Frei Luís de Sousa (1555-1632) que viveu e foi sepultado no convento de São Domingues de Benfica no início do séc. XVII. Segundo este autor esta zona rural era rica: “Na ladeira do monte maior está situado o convento e dela se estende com a sua cerca até ir beber no rio. De uma e outra parte correm quintas que cercam os outeiros e dele em roda, algumas de bom edifício, outras mais ao natural: todas ricas de bosques e pomares, e cercadas de suas vinhas com que a mór parto do ano manteem o vale de uma frescura e verdura perpétua" (Proença, 1964, p. 10).

Durante o séc. XVIII, sobretudo depois do terramoto de 1755, esta região começa a desenvolver-se extraordinariamente por ter sido um local mais salvaguardado da catástrofe atraindo a nobreza e a burguesia que virá para aqui residir de forma permanente depois das suas casas na capital terem ficado destruídas. É seguindo esta tendência que em 1767 Gerard Devisme, também proprietário da Quinta de Monserrate, compra a Quinta em S. Domingos de Benfica onde manda construir uma residência apalaçada de traçado neoclássico segundo o projeto do arquiteto Inácio de Oliveira Bernardes, junto ao Palácio dos Marqueses de Fronteira.

Gerard Devisme é oriundo de uma família francesa de huguenotes da Picardia, fugida para Inglaterra, chega a Lisboa em 1746, com a idade de 20 anos, como representante da firma Devisme, Purry & Mellish da qual era associado. Consegue do Marquês de Pombal, seu amigo íntimo, a concessão do monopólio do comércio das madeiras do Brasil, multiplicando rapidamente a sua fortuna pessoal.

O edifício de gosto neoclássico apresentava planta em U com a fachada principal voltada para o jardim. Aqui Devisme instalou um verdadeiro museu etnográfico e arqueológico, com várias antiguidades e curiosidades por ele colecionadas.

Desde cedo o jardim foi admirado pelas suas belezas que se devem ao requintado gosto e engenho de Devísme. Destacavam-se as plantas exóticas, as estátuas de mármore, o bosque, pomar e hortas, os tanques e cascata e a ribeira que atravessava a Quinta e cujo leito foi regularizado com margens artificiais em alvenaria. O conjunto assentava num eixo que lhe dava unidade do qual se destaca a bela alameda de magnólias que fazia o encanto de todos os que frequentaram a sua quinta.

Devisme introduz no traçado do jardim algumas ideias do jardim inglês apesar de ter sido adoptada uma estrutura geométrica, principalmente na parte superior, com parterres de flores e caminhos lineares ligados a um eixo barroco herdado da tradição do jardim francês. Na parte de baixo, são já um pronúncio dos jardins paisagistas a enorme cascata que servia de ponte sobre a ribeira, junto ao “lago” que ali se formava, as ruínas e pavilhões que se construíram no jardim, e o denso bosque que se desenvolvia próximo da ribeira.

Em 1794, Devisme decide regressar a Inglaterra, não se sabe se por um mal-entendido com a Rainha D. Maria I, se por problemas de saúde, e vende a Quinta de Benfica com todo o seu recheio a D. Pedro de Lencastre, terceiro Marquês de Abrantes, por um preço irrisório.

D. Pedro de Lencastre transforma a Quinta na sua residência de Verão, mantendo-a bem tratada, melhorando-a até, e aumentando o museu que Devisme iniciara. Nesta época a Quinta foi visitada por personagens estrangeiros que fizeram os maiores elogios. Pelas descrições de Ruders, o jardim mantinha então o esplendor dos tempos de Devisme: "A cada passo se deparam a meus olhos maravilhas, que ultrapassam tudo quanto eu podia conceber, e que não me deixam outro sentido senão o da mais completa admiração. E, no entanto, esses objectos compõem-se apenas de casas, árvores, plantas, flores, grutas, lagos, arroios, vales, colinas, estátuas […]”, refere Ruders no seu "Viagem em Portugal 1789-1802" (Carita, 1990, pp. 234-236). Laura Junot, por seu lado, descreve em êxtase a beleza e perfume do jardim e em particular a alameda de magnólias e os canteiros de flores perfumadas (Carita, 1990, pp. 234-236).

Em 1834, D. Pedro, quinto Marquês de Abrantes vende a Quinta já em mau estado à Infanta D. Isabel Maria, filha de D. João VI e de D. Carlota Joaquina, duas vezes regente do reino, uma em nome do pai e outra em nome do irmão.

A Infanta D. Isabel Maria acrescenta uma ala ao palácio, modificando-lhe inteiramente o aspeto exterior, e manda construir a capela "muito rica, toda resplandecente nos seus dourados sobre fundo branco nos altares, paredes e teto, é pequena, mas linda" (Proença, 1964, pp. 126-128).  Com a estadia da infanta o jardim volta a ter grande uso, pois para além de ter feito da Quinta a sua residência, D. Isabel apreciava muito  o seu jardim. "A infanta D. Isabel Maria residiu bastantes anos na sua casa de S. Domingos de Benfica: velhinha, adoentada nos últimos tempos, cheia de recordações, por ali passeava morosamente sob as magnólias e os cedros" (Proença, 1924, p.427).

Com a morte da Infanta em 1876, a Quinta é posta em leilão e adquirida por D. Teresa de Saldanha, que em 1884 instala no palácio o Colégio de S. José, das Dominicanas, para meninas de sociedade. D. Teresa não possuía fortuna pois a herança que lhe coubera mal chegou para a compra da Quinta, iniciando-se assim o processo de degradação da Quinta e seus jardins.

Entre 1886 e 1887, a Quinta sofre um grande corte devido á construção da linha férrea Lisboa-Sintra, com o consequente corte de uma grande parte da sua vegetação “uma desgraça que só uma fortuna grande podia evitar” (Proença, 1964, pp. 126-128).

Em 1910, com a revolução republicana, a casa foi invadida e saqueada. As freiras foram expulsas, tendo a Quinta passado para a posse do Estado, por força do arrolamento dos bens das congregações religiosas, ficando sob a alçada do Ministério da Justiça. Em 1912 foi ali instalada a primeira secção preparatória da Escola Central de Reforma de Lisboa que funcionou no local até 1921 (Fernandes, 1958, pp. 48-49). Em 1927 é ali instalado o Reformatório Feminino de Lisboa, onde ainda hoje funciona, agora com o nome de Instituto do São Domingos de Benfica (Cortes, 1968, pp. 19-21).

Hoje em dia o jardim da Quinta desenvolve-se em três patamares de acordo com a inclinação do terreno, sendo provável que inicialmente houvesse mais patamares, seguindo o declive mais suave do outro lado da ribeira. A sua estrutura é ortogonal simétrica, com dois eixos principais e alguns secundários. O eixo principal de orientação noroeste-sudeste, desenvolve-se no segundo patamar e liga a fachada principal ao portão lateral, sendo marcado por vários elementos nos pontos de intersecção com os eixos secundários, nomeadamente três fontes e um relógio de sol.

Do eixo principal nordeste-sudoeste só resta uma parte, que corresponde à antiga alameda de magnólias, e que fazia a ligação entre os dois tanques principais, tendo sido interrompida a sua continuação para o terceiro patamar pelas obras de 1954, quando se  deu a construção de um terceiro piso no edifício principal, prejudicando seriamente o seu traçado arquitetónico,  e se instalou no terceiro patamar um novo edifício com as funções de ginásio-salão, quebrando completamente a continuidade do jardim.

No patamar mais elevado, no topo do eixo nordeste-sudoeste, situa-se o primeiro tanque retangular encostado à parede do terraço superior de onde se usufruía uma magnífica vista sobre toda a Quinta e cujo acesso se fazia por duas escadarias de pedra, simétricas que foram entretanto substituídas (pelo menos parcialmente) por estruturas metálicas.

Este primeiro tanque possui sete arcos barrocos, adossados ao muro do terraço superior, tendo arco central uma estrutura de cascata no cimo da qual saía água que escorria pelas pedras do arco até cair no tanque. Lateralmente ao tanque existe uma zona de estadia, uma "meia laranja". Composta por quatro colunas trabalhadas com embrechados de pedrinhas unidas por dois muros curvos que fecham aquele espaço em relação ao exterior. Os muros deviam ser forrados a azulejos dos quais só resta uma fiada sobre os dois bancos de pedra que acompanham a curva destes.

O terraço tem ainda, já desde o tempo de Devisme, bancos de pedra adossados aos muros longitudinais e um jardim suspenso de buxos, plantado já nos anos 40.

Encaixado entre o terraço e o muro que limita a propriedade do lado da R. de S. Domingos, existia um “grotto” de que ainda restava a estrutura em arco nos anos 70 e que, entretanto, desapareceu por completo.

O restante espaço deste patamar encontra-se dividido por um caminho central (eixo nordeste-sudoeste) que leva ao segundo patamar e que foi em tempos a famosa alameda de magnólias. De um dos lados do caminho existe um laranjal e do outro lado uma zona de horta.

O segundo patamar é o mais plano e o mais estreito dos três. Ali está situado o jardim formal composto um parterre de buxo topiado com estrutura quadrangular, fronteiro à fachada principal do palácio. O restante jardim de buxo, com um desenho menos formal, continua a desenvolver-se perpendicularmente ao palácio segundo o eixo noroeste-sudeste anteriormente referido.

Aqui encontramos o segundo tanque, encostado ao muro do primeiro patamar. O seu desenho é elaborado com curvas e contracurvas, e uma fonte central de onde saía um fio de água que caía em cascata por grandes conchas de pedra esculpidas. Ladeando esta fonte encontram-se dois bustos geminados em pedra e um terceiro no seu topo em substituição da estrutura original. Este tanque encontra-se atualmente vazio.

Neste patamar existem ainda três fontes dispostas nos cruzamentos do eixo principal noroeste-sudeste com os eixos secundários. A primeira fonte, mais a norte, encontra-se no centro do jardim de buxos em frente à fachada principal do palácio e consiste num repuxo de vários metros que sai de uma coluna ao nível do chão, que não é visível quando o pequeno tanque que o rodeia se encontra cheio de água.

A segunda fonte é vertical e está localizada, mais a para sul, segundo o eixo noroeste-sudeste, e não é da origem do jardim. A sua coluna principal é trabalhada escultoricamente com dois delfins cujos corpos se entrelaçam subindo ao longo do eixo vertical. A água saía das suas bocarras caindo sobre duas conchas de onde escorria para o tanque de receção.

A terceira fonte, mais a sul e revestida a mármore de carrara, é também vertical possuindo duas taças redondas de diferentes diâmetros. A sua coluna termina num cone sobreposto a uma esfera de pedra. A água saía por quatro furos metálicos de bronze na esfera caindo para a taça menor de onde escorria até à taça maior, e seguidamente para o tanque de receção através de quatro caras esculpidas em relevo nesta taça.

No final do alinhamento das três fontes para sul, encontra-se a base de um relógio de sol original do tempo de Devisme, cujo quadrante se encontra hoje guardado.

Quanto a estatuária, para além dos bustos já referidos no segundo tanque, existe ainda um conjunto de oito estátuas ligadas à mitologia greco-romana, Apolo, deus grego do sol; Vénus, divindade itálica muito antiga que presidia à vegetação e aos jardins, associada a Afrodite grega, mãe de cupido que aparece representado conjuntamente; Mercurio, mensageiro dos deuses patrono dos mercadores e de Devisme por excelência; Daphne, a ninfa por quem Apolo se apaixonou e que para lhe fugir se transformou em loureiro; Flora, a deusa romana do poder vegetativo, das flores e dos jardins; Ceres, uma divindade primitiva latina da fertilidade, da agricultura e das cearas; Vertumnus, deus romano de origem etrusca que presidia às estações, em especial ao Outono, deus dos Jardins e das colheitas de Outono; e Pomona, sua mulher, uma ninfa romana protetora dos frutos.

O terceiro patamar, que se estendia com uma certa inclinação até à ribeira, encontra-se hoje cortado pelo novo edifício de 1954. Hoje em dia este patamar, onde outrora se localizou o bosque, encontra-se praticamente sem vegetação.

É aqui, em terra de ninguém, entre a linha férrea e o muro inferior do instituto que encontrávamos (até ao fim do seculo XX), aquele que foi provavelmente o mais espetacular elemento de água do jardim: a cascata de rocaille que servia simultaneamente de passagem sobre a ribeira e de fonte. Seguindo a moda de imitação da Natureza do jardim paisagista tratava-se de uma construção em pedra natural a imitar grutas e constituída por uma estrutura de rochas e de onde escorria água até à ribeira. A cascata possuia ainda diversas escadas, talhadas em pedra, que levavam a recantos de estadia e a miradouros, sendo este um elemento típico da influência do jardim inglês. Aqui também existiu um pequeno pavilhão hoje totalmente em ruínas.

A nível de vegetação, é de destacar a existência de três araucárias de grande porte, vários ciprestes e freixos também de grande porte, alguns pés de glicínia e de buganvília, exemplares que se destacam na estrutura vegetal do jardim.

Temos assim, por exemplo, no local onde outrora foi a alameda de magnólias, alguns exemplares desta espécie, como que marcando uma posição; temos também, um pouco espalhados por todo o jardim formal, buxos isolados com porte arbóreo, testemunhando a sua avançada idade, embora denotando a falta de cuidados que o jardim tem sofrido ao longo dos últimos anos.

Incluído na Zona Especial de Proteção do Palácio dos Marqueses de Fronteira.

 

Texto de Inventário: Catarina Assis Pacheco – 1993; Adelaide Trigo de Sousa – 1993.

Adaptação: Guida Carvalho – 2020.

Revisão: Cristina Castel-Branco – 2020.

Quinta Devisme / Quinta da Infanta / Reformatório Feminino de Lisboa

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