Quintas dos Condes de Carnide
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Quintas dos Condes de Carnide
A Quinta dos Condes de Carnide, na parte Noroeste de Lisboa, tem a fachada principal virada para o Largo do Jogo da Bola e é composta, a norte, pelo edifício principal, antigas cavalariças e armazéns agrícolas, e a Sul pelos jardins, horta, bosque ornamental, pomar e prado. Esta quinta sobreviveu ao avanço dos tempos e resistiu como quinta agrícola e de recreio do Séc. XVIII mantendo-se intacta mesmo com avanço da urbanidade que cresceu à volta dos seus muros e que fez desaparecer tantas outras quintas da região. Em 1999 a quinta ainda mantinha alguma exploração agrícola, com uma pequena área de horta de subsistência, uma latada de vinha e pastagem, constituindo um pequeno oásis histórico isolado no interior do tecido urbano de Lisboa. A partir da fotografia aérea de 2020 constata-se que ainda existem marcas de lavoura na antiga área de pomar e prado da propriedade.
Aquando da construção da Quinta, a freguesia de Carnide era uma vasta paróquia rural, com fama de ter bons ares e uma certa importância religiosa, conhecida pelas romarias da Nossa Senhora da Luz. No decurso dos séculos XVII e XVIII a pequena nobreza fez construir em Carnide quintas de veraneio, onde poderiam usufruir dos bons ares do campo às portas da cidade de Lisboa. É o caso da família Cruz que por volta do séc. XVIII adquire alguns terrenos em Carnide, no sítio conhecido por Vale Verde e Malvar, devido às malvas utilizadas em infusões e medicinais nos sanatórios para doentes de peste. Em 1724, uma parte da Quinta de Carnide era quintais da Quinta do Conde Redondo e, mais tarde, Quinta Grande.
A família Cruz, burguesa e poderosa, constituída por três irmãos de grande fortuna e amigos do Marquês de Pombal, é por ele admirada pela aptidão para os negócios e espírito empreendedor. Os irmãos Cruz: António José, José Francisco e Joaquim Inácio, têm ainda outro irmão, Anselmo, do qual há notícia do casamento de uma sua filha no oratório da casa, sendo testemunhas o Marquês de Pombal e o seu filho, o Conde de Oeiras, então presidente do Senado de Lisboa.
António José da Cruz era padre. Em 1773 constrói e reedifica a casa. Em 1779, é cónego da Sé Patriarcal, pelo que a Quinta era então conhecida por Quinta do Cónego. Em 1775 António José ainda lá vivia. Após a sua morte, em data incerta, a quinta acaba por ser herdada pelo seu irmão Joaquim Inácio Cruz.
Dois dos irmãos Cruz, José Francisco e Joaquim Inácio, tinham ido em 1737 para a Baía, onde fizeram fortuna no comércio e exerceram cargos políticos: em Portugal ambos foram, a seu tempo, conselheiros e tesoureiros-mor do Real Erário. José Francisco foi o primeiro a voltar a Portugal e, em 1763 toma de aforamento, aos herdeiros de Diogo Nordes Mala, terras que vieram a ser parte fundamental desta propriedade. Morre em 1768 depois de ter contraído dívidas junto do irmão Joaquim, e a propriedade vai parar às mãos deste credor. Em 1776, Joaquim Inácio é feito Senhor de Sobral (de Monte Agraço) depois de lá ter comprado terras, e constrói em Lisboa a sua luxuosa morada, o Palácio Sobral no Calhariz.
Os dois casamentos aumentaram-lhe muito a fortuna. O primeiro, com uma senhora brasileira, à qual o povo chamava 'Monte de Oiro' proporcionou-lhe a compra dos terrenos do Sobral. Morta a primeira mulher, passa a segundas núpcias com D. Ana Joaquina Inácia da Cunha, também muito rica, que após a morte de Joaquim Inácio, casa com José Street Arriaga Brun da Silveira, entrando assim a propriedade na família dos atuais donos, os condes de Carnide. O casal instituiu vínculo em Carnide em 1784 e, por não ter descendência fazem dele doação, em 1801, ao irmão de José, Guilherme Street, tendo D. Ana Joaquina exigido o uso perpétuo do seu apelido ‘Cunha’ na família Arriaga.
Foi 1° Visconde de Carnide, o Dr. José Street de Arriaga e Cunha, filho dos anteriores proprietários. Tomou posse da propriedade em 1826, conjuntamente com a fortuna herdada do pai. Viajou pelo estrangeiro, tendo residido em Itália, França e Inglaterra, aumentando os seus conhecimentos em especialidades agrícolas. Em 1835 regressa a Portugal onde, conjuntamente com o Conde de Farrobo e outros capitalistas, forma a Companhia Prosperidade, que se propõe fazer obras de utilidade pública. Não tendo sucesso, tenta a sua sorte em Inglaterra, mas a falência de uma segunda firma por terras Inglesas em 1843, obriga-o a voltar a Portugal, retirando-se para a sua quinta de Carnide e reduzindo o seu viver faustoso à mais extrema modéstia. Aqui aplica e desenvolve práticas agrícolas de vanguarda, sendo considerado um dos mais notáveis agrónomos portugueses. Na segunda metade do século XIX a propriedade é conhecida pela sua apicultura, e célebre pelas experiências agrícolas, adubações e drenagens que aqui se praticavam. O responsável por esta agricultura vanguardista seria Guilherme Street e Cunha, 2º Visconde e 1º Conde de Carnide, filho de José Street de Arriaga e Cunha. Hoje em dia observa-se, nas parcelas de terreno situadas a cotas mais baixas e perto da linha de água, linhas paralelas organizadas em esquema de árvore, provavelmente valas de drenagem pensadas e construídas nesta altura.
O palácio é composto por dois pisos e tem a fachada ritmada por seis pilastras encimadas por pináculos e trinta janelas de guilhotina, de molduras retas: catorze no rés-do-chão e dezasseis no andar nobre. Dois frisos percorrem horizontalmente toda a fachada, um separando o rés-do-chão do andar nobre, o outro as janelas do primeiro andar do entablamento do beiral do telhado. A fachada norte, dá para a área do antigo Jogo da Bola, hoje uma pequena praça pública ajardinada, a fachada sul deita para os jardins. À esquerda do Palácio, desenvolvem-se cinco corpos de edifícios contínuos de um só piso que correspondem às antigas cavalariças e armazéns agrícolas.
A porta principal dá acesso a um átrio com silhares de azulejos setecentista, aberta para o jardim através de uma porta de ferro trabalhado. Também se chega ao jardim a partir do andar nobre. A escada é uma monumental escadaria barroca revestida de azulejos azuis e brancos figurando pilastras, do final do século XVII. A dividir o jardim da mata, um murete circular com admiráveis panos de azulejos, dos finais do século XVII, ou princípios do século XVIII, com cenas de caça e pesca.
O jardim encontra-se centralizado com a escadaria e é constituído por um desenho formal de buxo topiado em canteiros, com um lago no centro, e buxo topiado terminando em forma de bolas. O eixo formado pela escadaria e lago é prolongado visualmente no eixo de oliveiras que estabelece a ligação do jardim com o resto da quinta (alinhamento este, hoje "camuflado" pelo bosque de maiores dimensões). A sua situação em plataforma, sobrelevado relativamente aos terrenos circundantes, permitia usufruir das vistas rurais sob toda a propriedade e em direção ao vale de Benfica, as quais, estão hoje cortadas pela mata que se estende em frente ao jardim. Esta grande área arborizada, em tempos cultivada em sistema de sequeiro, é hoje uma importante barreira visual que protege a privacidade da quinta do ambiente urbano exterior. No bosque encontram-se vários exemplares de eucaliptos, plátanos (Platanus x hybrida), pinheiro manso (Pinus pinea), Pinus pinaster, ameixoeira-dos-jardins (Prunus cerasifera var. pissardii), palmeira-de-saia (Washingtonia filifera), zambujeiro (Olea europaea var. sylvestris), olaia (Cercis siliquastrum), Cedrus deodara, entre muitas outras.
Atualmente, a quinta está estruturada numa malha quase ortogonal, bastante larga, a qual não parece obedecer a critérios de ordem formal. Destacam-se dois caminhos retos marginados por alinhamentos de oliveiras, de direção NE-SO, que percorrem o terreno junto aos muros e remata a murada a toda a sua volta. Junto do Palácio e das principais instalações da quinta, o terreno está organizado em patamares povoados por culturas de regadio, uma pequena horta e uma pequena latada/vinha. Segue-se um pomar de laranjas já com várias árvores em falta e uma área de cultivo de sequeiro.
Texto de Inventário: Ana Margarida Corrêa Nunes Peneque – 1999; Vera de Castro Bernardes Carneiro – 1999.
Adaptação: Guida Carvalho – 2020.
Revisão: Cristina Castel-Branco – 2020.
Quintas dos Condes de Carnide
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