Quinta do Correio-Mor
Lisboa | Loures
Quinta do Correio-Mor
Num grande vale em Loures, perto da Igreja Matriz, encontramos a grande Quinta do Correio-Mor, com uma área atual de 50ha e um imponente palácio do século XVIII. A propriedade é atravessada pelas ribeiras do Correio-Mor e de Santana, duas linhas de água permanentes. Esta propriedade, denominada anteriormente por Mata das Flores (Saraiva, [s.d.], p.1), começou por pertencer ao Convento de Odivelas, que desde 1295 obtinha desta área florestal a madeira necessária para a sua utilização (Stoop, 1999, p.32).
Nos fins do século XVI, Luís Gomes de Elvas Coronel, adquiriu a renda foreira da propriedade, constituída por um matagal bravio e florido, às freiras do convento de Odivelas (Stoop, 1999, p.32).
Luís Gomes fora um ativo mercador que emprestara dinheiro ao Rei Filipe II e por tal recebeu como recompensa pelos serviços prestados, a ascensão à nobreza, através da possibilidade de compra do título de Correio-Mor por 70 mil cruzados (Saraiva, [s.d.], p.1). Ficou assim determinada por alvará a 19 de julho de 1606 (Tópo, [s.d.] p.6).
Proveniente de Elvas, de uma família raiana, de gente de nação (ex-judeus), o fidalgo foi forçado a alterar o seu apelido para o de um de cristão-novo. Assim "Dom Filipe [...] Rei de Portugal [...] havendo respeito aos serviços que me fez Luís Gomes de Elvas o faço por este fidalgo e nobre como se de todos os seus antepassados o fora [...] e lhe dou por solar a sua quinta da mata que está no termo da cidade de Lisboa junto à igreja de Loures e acho por bem que ele e todos os seus descendentes se chame de apelido da Mata para todo o sempre" (A.N.T.T, fl.189), sendo tema constituinte do brasão heráldico, as flores que deram o nome à mata.
O seu descendente Luís Victório da Mata de Sousa Coutinho ocupou o cargo de correio-mor de 1696 a 1735. A ele se atribui “a construção de uma capela onde foi batizado o seu primogénito (…) e terá feito melhorias internas” (Martins, 2008, p.20).
Os arquivos desta família arderam no terramoto de 1755, pelo que se desconhece o autor e a data de construção do palácio (Stoop, 1999, p.34). Porém, considera-se José António da Mata de Sousa Coutinho, 7º Correio-Mor, o responsável pela reconstrução em meados do século XVIII, sendo atribuído ao arquiteto italiano António Canevari a nova traça do palácio (Martins, 2008, p.20).
Durante o reinado de D. João V que assistiu a um grande investimento nas artes, Loures passa a ser visto pela nobreza e burguesia como um local ideal para construir as suas casas de campo (Tamagnini, 1997, p. 116).
"É em 1767 que sabemos que o edifício adota a planta atual — em grande U de tenazes salientes, abraçando um grande corpo que inesperadamente é rematado por um frontão onde um jogo de fogaréus e a imagem da Senhora da Oliveira que, do alto do seu nicho, abençoa o terreiro amplo como um rocio" (Saraiva, [s.d.], p. 4).
É ainda nesta década, que terá decorrida a construção do jardim de traçado barroco composto por dois patamares e do tanque de rega decorado com painéis das 'Metamorfoses de Ovídio', bem como terá sido feita a canalização das ribeiras que atravessam a propriedade (Tamagnini, 1997, p. 116).
José da Maternidade da Mata de Sousa Coutinho que sucede o seu pai, José António da Mata de Sousa Coutinho, em 1790 torna-se no último Correio-Mor, uma vez que D. Maria I reclama o monopólio dos Correios para o Estado. Chega assim o fim desta família, ao serviço do reino neste ofício. Contudo, em 1761 recebe como recompensa o título de Conde de Penafiel e "a renda anual de 40000 cruzados, pensões vitalícias e certas pessoas e um ou dois postos no exército" (Proença, 1940, p. 105).
Após este tempo de conflito da guerra Civil, o Conde retornou a sua vida de corte. A sua filha e única herdeira, D. Maria da Assunção da Mata de Sousa Coutinho, gastou grande parte da fortuna, pelo que em 1874 o palácio foi vendido bem como todas as suas riquezas (Saraiva, [s.d.], p.4). Os Condes partiram para Paris, libertos das suas dívidas em Portugal, e o palácio passou a ser propriedade da família Canha. Em 1940, era sua proprietária Maria da Assunção Canha (Proença, 1940, p. 105).
Cerca de 20 anos depois, em 1966, foi feita a total restauração do palácio, era seu proprietário Miguel Quina. Após o 25 de abril de 1974, e o palácio sofreu diversos atos de vandalismo por parte da população, e em 1975 a propriedade é nacionalizada.
Este palácio foi moldado ao longo de séculos e por isso está nele impregnado vários estilos artísticos, e toda a sua vivência do passado: “dos Matas filipinos, dos Sousa Coutinho pombalinos, da angústia da guerra civil, do esplendor do marquês liberal" (Saraiva, [s.d.], p. 5).
Aproveitando o desnível do terreno, pode-se observar através da tipologia das janelas, que foi construído um piso intermédio, entre o rés do chão e o andar nobre. Pormenor extremamente interessante, que permite que a partir do andar nobre se tenha acesso direto aos jardins, o que só reforça a sua monumentalidade (Stoop, 1999, p.34).
Originalmente o palácio era murado, contudo durante as últimas remodelações o muro alto que o cercava foi substituído por um gradeamento de ferro forjado, restando apenas o pórtico encimado pelo brasão da família Mata do muro original (Martins, 2008, p. 44).
Ao transpor esse gradeamento, entramos num grande terreiro que nos apresenta uma fachada de “grande sobriedade, caiada de rosa e animada pela cantaria branca das pilastras, dos frontões e dos enquadramentos das janelas e varandas" (Stoop, 1999, p.34), com Nossa Senhora da Oliveira no nicho do frontão, “protegida por urna janela de vidro emoldurada numa grinalda de flores, coroada por três anjinhos” (Martins, 2008, p. 45).
No rés-do-chão, encontramos o vestíbulo espaçoso, a adega de três naves, o lagar de azeite as cavalariças e a cozinha de “chaminés enormes, grandes mesas de mármore, pias de lavagem, depósitos de água e azulejos curiosos e riquíssimos" (Proença, 1940, p. 104).
É de destacar no palácio, pela sua decoração, a sala da Caça, utilizada como sala de jantar, a Sala Central, a Sala de D. Miguel, a sala das Quatro Estações, a Sala dos Trofeus, a Sala da Música e a capela dedicada aos Três Reis Magos e abençoada por D. Tomás de Almeida em 1744 (Martins, 2008, pp. 57- 60).
Destaca-se também a decoração da cozinha, com revestimento azulejar de cerca de 1750 onde se representam cenas de culinária e de caça, com recurso à técnica de ilusão de relevo, tromp d’oeil (Stoop, 1999, p.37).
Quanto ao exterior, é de salientar a mata mediterrânica envolvente do palácio e o jardim formal lateral, junto à torre sineira.
A mata na encosta a norte, caracteriza-se por conter a série vegetativa Zambujal de Viburno tini-Oleo sylvestris sigmetum. Por outro lado, na encosta a sul, a mata encontra-se de alguma forma descaracterizada, (consequência da produção vinícola existente nos anos 70 do séc. XX), sendo constituída maioritariamente por mato (Godinho et.al., 2014, p.9).
A estrutura quadripartida do jardim formal a sul do palácio é original, tendo sofrido poucas alterações ao longo dos séculos nos seus canteiros de buxo topiado. No cruzamento dos eixos que definem o jardim encontra-se uma fonte e alguns exemplares de arbustos centenários da espécie Taxus baccata L. (teixos) e vários elementos de estatuária. "As estátuas espalhadas pelos jardins criam e ajudam a criar eixos e perspectivas, marcam entradas, sublinham os diversos planos, regularizam a passagem, [...] vão ritmando o espaço" (Arruda, 1993, p. 9). Daqui se acede ao patamar inferior, que constitui uma área de produção e onde se encontram várias árvores de fruto.
Deste pequeno jardim, através de uma alameda constituída por Tília cordata Mill (tílias), com um contaste de luz-sombra muito aprazível: chegamos a áreas mais intimistas. Primeiro surge-nos uma fonte do estilo rocaille e num patamar superior, outra fonte decorada com porcelana chinesa partida. A sul da alameda apresenta-se outro patamar com uma pérgola e com um grande tanque revestido por azulejos representativos das Metamorfoses de Ovídeo (monumentos.pt). Trata-se do tanque mais antigo do jardim e era utilizado para regar as áreas de produção através de caleiras.
Á data da reabilitação do palácio, feita por Miguel Quina no último quartel do séc. XX, redesenhou-se um antigo jardim abandonado junto à fachada Oeste, nas traseiras do palácio. Este jardim, de traçado barroco, é atribuído aos Arquitetos Paisagistas Gonçalo Ribeiro Telles e Manuel Azevedo Coutinho. O seu desenho, pensado para se adequar à traça e arquitetura do palácio, desenvolve-se ao longo de um eixo central alinhado com a entrada principal do edifício. É composto por dois patamares: o primeiro constituído pateares de Buxus sempervirens L. (buxo), uma fonte de mármore ao centro e, no topo dos eixos de hierarquia secundáriam, vários elementos de estatuária em simetria perfeita. O segundo patamar é constituído por uma alameda de prado ladeado por antigos canteiros de buxo nos seus limites laterais.
O conjunto Palácio e jardins forma uma unidade imponente e a localização em vale ladeado por duas encostas revestidas por bosque constitui um valor único como afirmação do estilo barroco na arte da paisagem em Portugal.
Texto de Inventário: Adaptado da dissertação de mestrado de Maria José Pereira Cachaço, ‘Contributos para o Inventário e Caracterização das Quintas por Terras Saloias. Caso de Estudo: As Quintas da Freguesia de Loures’, apresentada no Instituto Superior de Agronomia a 3 de novembro de 2015, e orientada pelas Professoras Sónia Talhé Azambuja e Madalena Neves.
Adaptação: Guida Carvalho, 2020.
Revisão: Cristina Castel-Branco, 2020.
Quinta do Correio-Mor
(Consultada em 2015)
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ARAÚJO, Ilídio de – Arte Paisagista e Arte dos Jardins em Portugal. Lisboa : Centro de Estudos de Urbanismo, 1962. p. 104 .
Arruda, Luísa. – Azulejaria Barroca Portuguesa: Figuras de Convite. Lisboa: Edições Inapa, 1993.
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STOOP, Anne – Quintas e Palácios nos Arredores de Lisboa. Porto: Livraria Civilização, 1999.
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https://palaciodocorreiomor.pt/
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http://www.patrimoniocultural.pt/pt/patrimonio/patrimonio-imovel/pesquisa-do-patrimonio/classificado-ou-em-vias-de-classificacao/geral/view/73316