Quinta da Penha Verde

Lisboa | Sintra

Quinta da Penha Verde

O lugar da Penha Verde tem atributos excecionais encaixando-se na encosta noroeste da Serra de Sintra virada para o grande Atlântico, recebendo várias nascentes recolhidas em tanques e fontes e aproveitando os blocos graníticos como miradouros sobre a paisagem. Na Penha Verde celebra-se a Índia e o encontro de um homem de ciência com um novo mundo; D. João de Castro juntou neste jardim as suas recordações da India, os seus votos e promessas, as suas curiosidades botânicas, alicerçando no mundo clássico a experiência do conhecimento direto das culturas Hindu e Moghul que soube analisar e apreciar.

Na Quinta da Penha Verde o jardim iniciado por volta de 1542 pelo Vice-rei D. João de Castro transporta até nós a expressão dos primeiros contactos entre o Oriente e o Ocidente.

O percurso de chegada ao miradouro principal é único por ter sido escolhido por D. João de Castro para no seu final marcar com uma capela-mausoléu a paisagem da Serra de Sintra aberta sobre o mar. Este caminho foi descrito por Caldeira Cabral: “Saindo da casa vai-se por uma ensombrada alameda até uma rocha a prumo sobre o Vale de Colares. Para ela se sobe por alguns degraus, tendo a um e outro lado trofeus que D. João de Castro trouxe da Índia, alcançando-se um pequeno terraço ensombrado por dois sobreiros seculares. Nesse largo está uma pequena capela dedicada a Nossa Senhora do Monte” de planta circular e com uma lápide sobre a ombreira da porta onde se lê: «João de Castro, que consumiu vinte anos em duríssimas batalhas nas duas Mauritâneas, em prol da religião de Cristo, e que depois não só percorreu as praias do golfo arábico e todas as costas da India, mas ainda as consignou nos seus escritos, ao regressar à Pátria, são e salvo pela graça de Cristo, à Virgem Mãe dedicou este templo votivo. 1542».

Do primeiro contacto de D. João de Castro com o Oriente resulta a construção do jardim da Penha Verde, e cumpre a promessa de construir a capela, como um mausoléu hindu envolto nas árvores do jardim. Ao longo dos séculos filhos e netos foram construindo mais capelas e fontes e foram colocando lápides exprimindo votos e cruzes de pedra, miradouros e bancos. Este conjunto de elementos apresenta-se ao longo de caminhos irregulares, encaixado numa paisagem de grande dinamismo e embebido da memória de uma experiência de dimensão universal o que confere à quinta um valor paisagístico que a coloca à cabeça da lista dos jardins históricos de Portugal.

D. João de Castro volta uma segunda vez a Goa então como Vice-rei, onde  morre  em 1548, ficando interrompida a sua obra e seria suficiente sabermos que D. João de Castro ainda na Índia pediu ao Rei como recompensa parte daquela paisagem, para que a visita ao Jardim da Penha Verde fosse um pulsar permanente entre a emoção que sentimos e a que lhe fez escrever no seu testamento "Eu tenho hua quinta a par de Cintra. q se chama quinta da fonte de ElRey, a qual eu fis, e lhe tenho grande afeiçoam pelaa fazer, e por ser em terra, onde meu Pay e avós se criarão".

A casa é simples e sem grande ornamento, o terreiro irregular, um muro alto e um portão, um tanque bebedouro dos cavalos e as árvores que criam o ambiente de Sintra que nos encanta e que D. João de Castro desejava para terminar os seus dias. Se por um lado o miradouro e a ermida são obra de D. João de Castro desenhada pelo grande Mestre Miguel Arruda, as pedras em sânscrito são a prova do encontro, o símbolo da homenagem de um português ao fascínio da descoberta do mundo Oriental. O caminho dá prioridade às pedras recolhidas na Índia e transportadas para o jardim, resultando uma composição inovadora e totalmente original; são duas lápides ao alto, escritas em sânscrito, Segundo J. G. de Casparis, a mensagem na pedra do lado esquerdo resume-se da seguinte forma: "A decoração escultórica da parte superior da estela representa o Sol e a Lua, simbolizando a intenção de eternidade da fundação instituída pelo rei Aparadityadeva - tão eterna como os astros que brilham nos céus" (Casparis, 1967). O baixo-relevo dessa pedra, representa um cavalo ou burro apoiado numa forma humana. As formas arredondadas destas figuras podiam ter saído diretamente das rochas esculpidas no templo da praia de Mahabalipuram, perto de Madrasta, na Índia (Casparis, 1967). A lápide contém uma inscrição votiva, datada de 1287 d.C., com alusão ao famoso templo hindu de Somnate que existiu na Índia e foi arrasado pelos Maometanos.

A raridade em Portugal de peças indianas torna estas ainda mais preciosas. Mas a atitude sábia de observar a cultura Hindu mais de perto como um objeto de estudo a respeitar, tem em D. João de Castro um primeiro adepto, e no jardim da Penha Verde as pedras da Índia perpetuam o primeiro contacto para sempre.

Pelo lado religioso temos a ermida de Nossa Senhora do Monte, assente sobre um maciço granítico em forma de proa de navio e donde se vê a Serra, o vale, o mar e a luminosidade e beleza do conjunto. A conjugação dos elementos naquele lugar é muito forte, e ainda mais quando à Natureza se veio juntar a presença sagrada da ermida, desejado mausoléu de D. João de Castro. De facto, é Diogo do Couto na Decada VI da India que registou “[…] e mandava que o enterrassem em São Francisco, e que seus ossos fossem depois levados á sua Capella de Cintra." A capela de Nª Sº do Monte era a única construída na quinta de Sintra à data da morte de D. João de Castro e era nela e neste jardim que o Vice-Rei desejava ter sido enterrado (Couto, 1614).

Escondida pela copa dos sobreiros e ladeada por duas colunas votivas, aparece a ermida de Nossa Senhora do Monte de planta circular e com uma lápide sobre a ombreira da porta que diz assim: «João de Castro, que consumiu vinte anos em durissimas batalhas nas duas Mauritâneas, em prol da religião de Cristo, e que depois não só percorreu as praias do golfo arábico e todas as costas da India, mas ainda as consignou nos seus escritos, ao regressar à Pátria, são e salvo pela graça de Cristo, à Virgem Mãe dedicou este templo votivo. 1542». De cada lado da porta, um marco encimado por uma esfera, tem as inscrições seguintes: «ireis salvos feitos os votos, Ireis salvos, 1543». Fica claro o significado de todo o conjunto; D. João fez uma promessa a Nossa Senhora por ter chegado são e salvo à pátria depois de ter conhecido Goa. Cumpriu-a e voltou a ir a Goa em serviço para de lá não voltar mais, morrendo nos braços de S. Francisco Xavier.

A ligação da ermida ao rochedo remata com um banco talhado no próprio granito e virado a poente, funcionando como um recanto sossegado do miradouro, onde três arcos terminam a meia altura como janelas com conversadeiras na parte de dentro. Dos torreões de Mafra até Monserrate, a paisagem estende-se a perder de vista. As pedras soltas formam três arcos incompletos, deixando a dúvida se estão por acabar ou se o tempo os arruinou. É uma estranha construção muito bem colocada, bastando-se a si própria, assim incompleta em pedra solta enquadrando a vista.

Da ermida se passa para os caminhos que levam à Fonte dos Passarinhos por coberta de azulejos com telheiro e bancos formando uma casa de fresco. Dali o caminho inflete para o Lago de Neptuno e a estátua de Neptuno recorta-se no céu com o mar ao fundo. A Fonte do Paraíso, recanto decorado com um painel de azulejos polícromos e bancos, forma uma estadia de grande interesse pois os azulejos evocam paisagens do paraíso onde as feras se juntam com os animais de pastoreio em ambiente de paz e o traço do ilustrador repete as imagens de elefantes e paisagens  publicadas nos Roteiros de D. João de Castro. Por um caminho que sobe em degraus largos se passa à Capela de S. Pedro revestida a embrechados feitos com vidros, conchas e pedras pretas onde a estátua do Santo se encontra sob um teto piramidal.

Para cima desta capela, o caminho é francamente sinuoso contornando as enormes fragas de granito cobertas de musgo e ao subir o monte se vai descobrindo primeiro o castelo da Pena e, pouco a pouco, o castelo dos Mouros. O muro que rodeia o terreiro da capela tem, como os anteriores, uma série de bancos e alegretes, virados para o castelo dos Mouros e para o mar. É este o Monte das Alvíssaras adicionado à propriedade depois do pedido que D. João de Castro fez ao rei em paga da vitória que as suas tropas obtiveram em Diu. É sobre este Monte que os descendentes de D. João de Castro construíram a capela de Santa Catarina do Monte Sinai e o miradouro. A capela foi feita para celebrar a figura de D. Álvaro de Castro, e na lápide que encima a soleira temos a data de 1638.

Os terraços armados por muros de pedra solta que ainda hoje vemos na Penha Verde o sistema de rega em caleiras que transportam a água recolhida a montante na serra, tornam plausível a hipótese de entre as intrigantes árvores peregrinas de D. João de Castro, ter vindo a primeira laranja que se introduziu na Europa, aumentando ainda o valor da quinta como património único da arte de jardins em Portugal.

D. João de Castro é um verdadeiro humanista, um policientista cuja experiência botânica é feita a reboque da sua investigação náutica e geográfica, contacta com o mundo novo da Índia, regista caminhos marítimos de Lisboa a Goa, de Goa Diu e do Mar Roxo, conquista Diu em violentíssima batalha e constrói um jardim onde agradece a Deus, e proclama para sempre o seu esforço, o seu sacrifício e o seu sucesso. Todo o país ganhou com ele e a Penha Verde é o lugar da sua celebração.

Monumento Nacional, Decreto n.º 39 175, DG, 1.ª série, n.º 77 de 17 abril 1953 / Incluído na Área Protegida de Sintra - Cascais (v. PT031111050264).

Texto de Inventário: Cristina Castel-Branco – 2014.

Adaptação: Guida Carvalho – 2020.

Revisão: Cristina Castel-Branco – 2020.

Quinta da Penha Verde

(Consulta em 2014 e Abril de 2020)
ALBUQUERQUE, Luís; CORTESÃO, Armando – Obra completa de D.João de Castro. Vol. IV, Coimbra: Academia Internacional de Cultura Portuguesa, 1976.
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CABRAL, F. Caldeira; TELES, G. R. – A Árvore. Lisboa: Centro de Estudos de Urbanismo, 1960. CASTEL-BRANCO, Cristina – Jardins de Portugal. Lisboa: CTT Correios de Portugal, 2014, pp. 192-199.
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CASPARIS, J.G. de – Diário de Lisboa, suplemento de 31 de Agosto de 1967.
COUTO, Diogo, Decada Sexta da Asia. Lisboa: Pedro Craesbeeck, 1614.
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http://www.monumentos.gov.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=6130
http://www.patrimoniocultural.gov.pt/pt/patrimonio/patrimonio-imovel/pesquisa-do-patrimonio/classificado-ou-em-vias-de-classificacao/geral/view/70450

R. Barbosa du Bocage, Sintra