Quinta do Bonjardim

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Quinta do Bonjardim

A poucos quilómetros de Belas, na estrada que vai para Meleças, fica a pequena povoação de Venda Seca; a Rua do Bonjardim é uma estrada de terra batida que nos conduz até à Quinta do Bonjardim a meia encosta da serra da Carregueira, sendo atravessada por um dos afluentes do Jamor. Esta é uma zona de águas excelentes, clima ameno e ótimas condições para a agricultura. "Se já não basteassem tantos e tão bons atributos, esta região é também conhecida, há muito, pela sua riqueza mineralógica, contendo mármores de grande qualidade e pedras preciosas cuja extração se efetuou no local da Serra da Carregueira denominado por Minas de Suimo" (Castel-Branco, 1992, p. 111), em tempos pertencentes à Quinta do Bonjardim. Nas suas imediações encontramos também outras duas quintas históricas de grande importância, a Quinta da Fonteireira e a Quinta Wimmer.

A referência mais antiga à Quinta do Bonjardim data de 1580, altura em que seria proprietário D. Martinho Afonso de Sousa, primeiro governador da Índia (Matta, 1577-1582). Na época, a quinta seria essencialmente uma quinta medieval de produção, com vários casais à volta (Escrituras da Quinta do Bonjardim, original existente na Quinta); provavelmente já existiam pomares uma vez que o próprio nome da quinta, Bonjardim, o indica.

A 24 de Outubro de 1587, a quinta foi comprada por D. Diogo de Sousa (Stoop, 1986) ficando na posse da família dos Sousa de Prado, Condes de Redondo e mais tarde Marqueses de Borba, hoje família Sousa Coutinho Empis. Segundo testemunho do Sr. Raul Empis (maio de 1991), nessa época a quinta compreendia, além dos limites atuais, a carreira de tiro da Serra da Carregueira, o campo de golf da Quinta Toddy e o Monte Suímo, ponto mais alto da região, com 291m de altitude, onde se localizam as famosas minas de Suímo, exploradas desde a época dos romanos, de onde extraiam ouro e pedras preciosas, entre as quais: jacintos, ametistas, esmeraldas e granadas. Com D. Dinis procedem-se a nova explorações dominadas pela coroa até ao sec. XVI (Monumentos.pt). 

É no tempo de D. Diogo de Sousa que se dá a passagem de quinta medieval a quinta senhorial de recreio, sendo construída a casa de características renascentistas que na época seria usada como pavilhão de caça e residência de Verão. Segundo o Arq. Jorge Segurado o palácio poderá ter por base desenhos de Francisco de Holanda.

Junto ao pomar de laranjeiras existe uma ermida de traço renascentista como o do palácio podendo até ser anterior à casa, não havendo, porém, a certeza. A sua existência é referida pela primeira vez em 1712 por Carvalho da Costa que nos informa que aqui existia - "a nobre Quinta do Bomjardim cõ uma Ermida do Bom Jesus, imagem milagrosa e de muyta romagem" (Costa, 1712, pp. 51-52).

Chegou inclusive a existir uma romaria ao Bom Jesus do Bonjardim, em cujos dias, segundo informação da Sr.ª D. Eugénia Empis, havia grande festa no terreiro, onde eram armadas barracas de comida e havia música e baile. A última romaria na quinta realizou-se em 1923.

Sobre os Jardins a descrição geral da quinta Carvalho da Costa (1712) informa-nos que "A nobre quinta do Bom Jardim, de que hoje he Senhor Thome de Sousa, Conde de Redondo: tem bom Palácio com hum largo terreyro e consta de pomares de fruta de espinho, vinhas, hortas, com muytas árvores de fruta de toda a casta, que regam dezasete fontes de cristalinas águas." (Costa, 1712, p. 51).

Durante os finais do séc. XVII dá-se uma segunda campanha de obras durante a qual se se pensa ter sido construída a segunda capela, incorporada no interior da casa. Nela se destaca um conjunto de azulejos representando a Paixão de Cristo, datados de c. 1720 e cuja autoria tem vindo a ser atribuída a Policarpo de Oliveira Bernardes.

Em 1835, José Luís Gonzaga de Sousa Coutinho Castelo Branco e Meneses, 15º Conde do Redondo, muda-se permanentemente para a Quinta do Bonjardim, que passa a ser a residência oficial da família. A Quinta ficou famosa pela elite cultural que aqui se reunia em pomposas festas sob os auspícios dos condes do Redondo. O seu filho Fernando Luís de Sousa Coutinho, Engenheiro Agrónomo de profissão, era também ele grande apreciador de música, continuando a tradição das festas na Quinta do Bonjardim para onde se retira nos últimos anos de vida. Desde essa época que a Quinta tem sido sempre habitada, o que contribui em muito para o seu bom estado de conservação.

A quinta, parcialmente murada é acedida através de uma grandiosa entrada, um conjunto maneirista em que o portão de ferro abre sob um pórtico de arenito calcário com um frontão brasonado e três pináculos que o encimam. De cada lado do portão existe uma janela gradeada aberta no muro. O arco de entrada parece ser da mesma época da casa, apesar de o brasão dos Sousa de Prado, que se vê no frontão, ser mais tardio. No terreiro amplo encontra-se um relvado ao centro, de cerca de 52m por 26m, onde em 1888 se realizou o primeiro jogo de futebol de Portugal, como é testemunha uma placa ali colocada pela Federação Portuguesa de Futebol. No interior do palácio, destacam-se as paredes revestidas a azulejos azuis e brancos datados do principalmente do final do século XVII, a Sala dos Painéis com o seu teto em madeira e a grande sala de jantar cuja decoração em estuque é de grande qualidade.

Um pequeno portão no terreiro de entrada dá acesso ao jardim e à mata que se desenvolve em frente à fachada sudeste do palácio, e se estende até à linha de água, cerca de 10 metros mais abaixo. O jardim apresenta vários elementos renascentistas de grande interesse. Destinavam-se ao lazer e ornamentavam o jardim de forma muito original utilizando conversadeiras, muros de suporte, alegretes, um tanque de rebordo recortado e uma sucessão de fontes e jogos de água de grande qualidade decorativa.

O jardim organiza-se em quatro terraços que vencem um desnível de cerca de 10m e apresentam uma sucessão de cenários com funções marcadamente recreativas, que convidam ao passeio e à estadia. Uma característica deste jardim de influência nitidamente renascentista é a escala que apresenta: nada é monumental, visando fundamentalmente o conforto. O cunho renascentista encontra-se tanto na estrutura do jardim, organizado em patamares como no desenho recortado do grande tanque do primeiro patamar. De facto, neste jardim de 1580 mandado construir por um Vice-Rei da Índia, voltamos a ver a influência da Índia que já nas Quintas da Bacalhoa e das Torres se manifesta no grande tanque ornamentado que armazena água mas serve também de ponto de recreio e onde se aprecia o fresco. "[…] Em Portugal foram introduzidas nos jardins inovações vindas da tradição Indu e mais tarde, no século XVII, de origem mogol. Elementos artísticos em espaço exterior e efeitos de água do jardim mogol foram absorvidos no anterior conceito de jardim, nascendo em Lisboa um novo estilo associado aos jardins dos Vice-Reis e pioneiro na arquitetura de jardins. Este estilo foi imediatamente seguido no resto do país sem se ter registado a sua verdadeira origem.” (Castel-Branco, 2008, p.87). As características barrocas, introduzidas mais tarde, estão presentes no desenho dos restantes patamares inferiores do jardim, composto por um longo jardim formal de buxo talhado.

O primeiro patamar é ocupado pelo grande tanque de desenho geométrico com o rebordo recortado em semicírculos e meios quadrados, tal como se fazia nos jardins Persas e Mongóis, que se projetam a toda a volta para o interior e exterior do tanque, e nos quais se inserem vários bancos de pedra a que chamam namoradeiras. É deste tanque que parte todo o sistema de caleiras e canalização subterrânea que permite regar o pomar de laranjeiras e os outros terraços.

Destacam-se várias árvores centenárias de porte notável, ainda prováveis espécies de uma coleção oitocentista, como uma araucária, várias magnólias, e a uma glicínia junto ao muro. O muro de suporte que sustenta este patamar faz uso de muretes de alvenaria com alegretes e floreiras embutidas para reproduzir o desenho do tanque.  Daqui obtêm-se a melhor vista do jardim sobre a encosta e matas envolventes.

O segundo patamar, muito estreito, é acessível através de três escadarias de 6 degraus cada: uma primeira em frente ao eixo central do jardim, e as restantes situadas uma de cada lado. Entre elas desenvolve-se uma pérgula de ferro embutida no muro, que sustenta a glicínia. Este patamar possui igualmente muretes de alvenaria com alegretes embutidos e namoradeiras. Daqui pode observar o terceiro patamar, o mais longo.

Três escadarias, alinhadas com as anteriores e de sete degraus cada, ligam ao terceiro patamar, que dos três, é aquele onde a função de passeio de encontra mais presente. O seu jardim construído por canteiros de buxo talhado organizado em quadripartição e preenchidos com espécies maioritariamente exóticas. Embora o jardim transmita uma sensação de simetria, uma observação mais cuidada revela um desenho extremamente elaborado e diferente em cada talhão de buxo. No centro deste jardim descobre-se um tanque octogonal de pedra, característico da época de construção do jardim como já vimos na Quinta da Penha Verde (1542) do D. João de Castro, vice-rei da Índia.  Todo o terraço é delimitado lateralmente por um pequeno muro que o separa do laranjal e zonas agrícolas a sudoeste e da mata, instalada numa vertente declivosa, a nordeste. Estes muros perlongam-se para o quarto terraço, ganhando estatura, para se tornarem num muro de suporte. O jardim de buxo termina num miradouro de forma semicircular com espécimes notáveis de freixos.

O último terraço amplo e limitado por um muro de suporte, é essencialmente um espaço de estadia. No muro de suporte estão adossadas alegretes e namoradeiras com vista sobre a mata, a restante área é um terreiro onde crescem palmeiras. Neste patamar existe uma grande escadaria que liga à mata, mais declivosa, e à zona ribeirinha.

A mata está dividida em duas zonas, uma de Eucaliptal e outra mista, com espécies autóctones ou há muito bem-adaptadas à região. Atravessando a ponte de cimento que existe sobre ribeira, somos convidados regressar seguindo um de dois caminhos que nos levam pela propriedade de volta ao terreiro da entrada. O passeio é feito sob uma alameda de plátanos, castanheiros, carvalhos, freixos e outras árvores bem conformadas ao longo da ribeira, oferecendo imagens paradisíacas que não mais se esquece. Já próximo da casa surgem diversas peças de água, uma pequena zona de horta por baixo do que resta de um antigo laranjal, e a antiga capela do Bom Jesus do Bonjardim.

A Quinta do Bonjardim encontra-se classificada como Imóvel de Interesse Público desde 2002, segundo o Decreto n.º 5/2002, DR, 1.ª série-B, n.º 42 de 19 fevereiro.

Texto de Inventário: Alunos da turma de 1990 da disciplina de História de Arte de Jardins II, Instituto Superior de Agronomia.

Edição e adaptação: Guida Carvalho – 2020.

Revisão: Cristina Castel-Branco – 2020.

Quinta do Bonjardim

(Consulta em 1990 e Abril de 2020)
CARITA, Hélder; CARDOSO, António Homem. – Tratado da Grandeza dos Jardins em Portugal : ou da originalidade e desaires desta Arte. [S. l.]: Edição dos Autores, 1987. pp. 71-72.
CASTEL-BRANCO, Cristina. – Jardins com História: Poesia atrás de muros. [S.l.]: Edições Inapa, 2002. pp. 110-115.
CASTEL-BRANCO, Cristina. – A India nos jardins Portugueses. Lisboa: Verbo, 2017.
DO MORGADO da Quinta do Bom Jardim e cazaes a ella anexos em que por falicimento do Conde do Redondo D. Francisco Coutinho succedeo seu Sobrinho o Senhor D. Duarte de Castelbranco em o Anno de 1656. [s.i.]: inédito, 1656. Original existente na Quinta do Bonjardim.
MATTA, António. – Livro dos Tabeliães. Nº 2. [S.I.]: Inédito, 1577-1582. Presente na Biblioteca particular da Quinte do Bonjardim.
STOOP, Anne. – Quintas e palácios nos arredores de Lisboa. Barcelos: Livraria civilização, 1986.
http://www.monumentos.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=3025
http://www.patrimoniocultural.pt/pt/patrimonio/patrimonio-imovel/pesquisa-do-patrimonio/classificado-ou-em-vias-de-classificacao/geral/view/72304/

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