Quinta da Capela
Lisboa | Sintra
Quinta da Capela
A Quinta da Capela encontra-se na meia encosta da Serra de Sintra e pertence à União de Freguesias de Santa Maria e São Miguel, São Martinho e São Pedro de Penaferrim no Concelho de Sintra, na estrada N 375, na Rua Barbosa do Bocage. A quinta é já referida em documentos do século XV, pois em 1415, após a conquista de Ceuta, D. João I oferece a um fidalgo da família dos Castro, de seis arruelas, uma quinta como forma de agradecimento pelo seu contributo na batalha que tinham travado. Para enriquecer a quinta, este fidalgo, constrói uma ermida dedicada a Nossa Senhora da Piedade “aonde colocou huma devotíssima Imagem desta Senhora, que logo começou a fazer muytos milagres, & maravilhas” (Santa Maria, 1721, p. 314). Prova dessa construção são “[...] as armas dos Castro na abóboda da capela da Piedade” (Stoop, 1986, p. 268).
A quinta, denominada nesta época como Quinta do Picão, conservou-se na mesma família e passou por D. João de Castro, que depois do seu retorno da India em 1532 se tornou proprietário também da Quinta da Penha Verde. Seu filho, D. Álvaro de Castro, reedificou a ermida em 1555 (Pinho Leal, 1876, p. 12) a qual passou a ser um local de peregrinações e pernoita de peregrinos. A pequena capela de planta simples e nave única é abobadada e a janela que a ilumina está centrada na parede axial. A capela-mor é quadrangular e iluminada por uma janela na parede lateral direita.
Já no séc. XVII, o proprietário desta quinta era D. João de Castro Telles, que morre em 1697 e não deixa descendentes, assim todos os seus bens passam para a posse do Colégio de Nossa Senhora do Pópulo de Ermitas, em Braga, para serem vendidos com as receitas a reverterem para as obras do Colégio (Pinho Leal, 1876, p. 12). A quinta vai para venda em praça pública e acaba por ser adquirida por D. Nuno Álvares Pereira de Melo (1638-1727), o primeiro Duque de Cadaval (Pinho Leal, 1876, p. 12) o qual já era dono de muitas terras na área de Colares.
D. Nuno Álvares Pereira de Melo, em 1710, inicia a construção de um solar e jardins na quinta, que passou a chamar-se Quinta do Duque. Dez anos depois, D. Jaime de Melo (1684-1749), filho de D. Nuno e terceiro Duque de Cadaval, a pretexto da peregrinação à Nª Sr.ª da Piedade realiza, na quinta, uma grande festa em honra de Nossa Senhora (Stoop, 1986, p. 268). As festividades decorreram durante três dias e o Rei D. João V é convidado. Houve fogos-de-artifício, missas cantadas, corridas de touros, com a presença de muitos membros da nobreza (Stoop, 1986, p. 270) “[...] nessa semana partira Sua Majestade de Pedrouços para o seu Palácio de Sintra para visitar a construção do convento de Mafra e, sabendo das festas, prolongou a estadia, mandando ordem na terça-feira ao jantar para que não corressem os touros até ele chegar” (Olisipo, 1964, p.139).
Segundo Anne Stoop, D. José Barbosa atribui a Frei Pedro da Conceição, ermitão de Nossa Senhora da Peninha, a seguinte frase: “Nunca imaginei que visse tão soberanamente povoada a inculta aspereza destas serras, e destes penedos, mas tudo sabe fazer a devoção, e a curiosidade […] o grande número de gente, que não só concorreu da vizinhança, mas também de Lisboa […] vi a serra de Cintra convertida em corte” (Frei Pedro da Conceição in Stoop, 1986, p. 270) daqui se depreende que com muito sucesso, a Quinta do Duque de Cadaval chamou a si toda a sociedade importante da capital.
Em 1721, o terceiro duque do Cadaval, dá início ao restauro da capela, e o seu interior é revestido a azulejos azuis e brancos da autoria de António de Oliveira Bernardes (Stoop, 1986, p. 268). Estão organizados em 3 registos: no primeiro são apresentadas cenas de carácter pastoril, o segundo sugere a transição entre o mundo sagrado e o profano e no terceiro estão representados episódios da Paixão de Cristo, como a Última Ceia, o Lava Pés, Cristo no Jardim das Oliveiras (paisagemcultural.sintra.pt). Parte do edifício da quinta é destruída pelo terramoto de 1755, mas a capela fica de pé, dezoito anos depois, a residência ducal é restaurada (Stoop, 1986, p. 270).
Em 1807, para escapar às invasões francesas, D. Miguel, quinto Duque de Cadaval, acompanha a família real na viagem para o Brasil, onde morre no ano seguinte. Seguem-se as guerras liberais em que a família Cadaval acabou exilada e depois de mais de um século de ausência, no ano de 1940, a quinta é alugada até voltar a ser habitada pelo atual proprietário.
Construída a meia encosta da Serra, a capela e depois a quinta tiram partido de uma localização estratégica sobre um pequeno planalto entre duas linhas de água a partir do qual se tem uma leitura completa das elevações da Serra de Sintra. Sobre estas colinas a meia altitude se foram instalando várias quintas ao longo dos séculos as quais são visíveis agora a partir do terraço da capela: o Palácio de Monserrate, a Quinta da Penha Verde, o Palácio de Seteais e no cimo da Serra, já do século XIX , o Palácio da Pena
A Quinta foi sendo construída em socalcos, que permitem a distribuição da água por gravidade, havendo, no entanto, uma área plana excecionalmente grande para uma encosta tão íngreme e onde hoje se encontra o jardim de buxo aberto a Este, que tira partido das vistas da serra de Sintra e para poente até ao mar.
No lado sudeste da casa adossada à capela, existe a casa do prior, construção do século XVIII que se liga por escadaria a um primeiro socalco, contiguo ao muro exterior. É de frisar que este muro separa a propriedade da Estrada Nova da Rainha, atual Rua Barbosa du Bocage, aberta no final do século XIX (cm-sintra.pt), que permitiu a ligação de Colares ao Parque da Pena e por consequência dividiu o terreno pertença dos Duques de Cadaval onde se encontravam as Quintas da Capela (séc. XVI), a Quinta da Bela Vista (séc. XVIII) e a Quinta da Piedade (séc. XIX).
A Quinta da Capela passou a ter um muro de extrema muito próximo dos seus elementos de maior valor patrimonial: a capela, o grande tanque e o jardim. O primeiro patamar ficou por isso encostado ao muro da estrada e sendo muito longo e largo permite que nele exista um pequeno tanque retangular, com duas estatuetas em cada lado, e dois bancos. Funciona este longo socalco como uma varanda para contemplação do grande tanque retangular e do jardim ao qual se acede através de duas escadarias, encostadas a cada um dos lados de menor comprimento do tanque. Este tanque de generosas dimensões foi ornamentado no seculo XVIII, com uma peça escultórica de linhas barrocas no centro e de cada lado. Situando-se na parte superior da quinta, possibilita a rega de todos os locais de cota inferior por gravidade. Os muros de suporte dos socalcos são por isso todos coroados por uma caleira em pedra que conduzia a água.
No grande terraço inferior, plano o espaço organiza-se intramuros, com um muro alto a poente com aberturas para contemplação da serra e do mar; e a nascente com o atual edifício de habitação. Os caminhos do jardim dispostos segundo uma malha ortogonal simples e com um elemento de água circular no meio do eixo central; os canteiros de grandes dimensões são bordejados de buxo talhado e o seu interior é sobretudo revestido por relvado e pontuado de forma irregular por um ou outro arbusto topiado e pequenas árvores. O interior dos canteiros não foi sempre assim, e por informação verbal parece que este jardim poderá ter tido uma plantação de laranjeiras doces na época de D. João de Castro. Se de facto os citrinos foram uma das espécies que sobre estes patamares cresceram, e tendo a laranja doce, árvore de flores, sido introduzida nessa época em Portugal vinda da China através de Goa para a Europa, a Quinta da Capela, assim como a Quinta da Penha Verde podem ter sido pioneiras, pela mão de D. João de Castro, na produção deste fruto, no nosso país. No lado poente do jardim este largo patamar é suportado por um muro de 5 a 6m de altura reforçado por contrafortes. Sobre o muro sobe uma parede que poderia ter sido a parede do antigo palácio caído com o terramoto de 1755. É deste ponto que as vistas através das janelas abertas no muro, permitem um domínio completo sobre a paisagem até ao mar. A vegetação, no entanto, não permite já ver longe e atualmente só se descortina um pomar de nespereiras e a mata.
Não é de estranhar que entre o material vegetal presente na quinta existam exemplares muito antigos, como é o caso do Buxus sempervirens, do Quercus suber, do Cupressus lusitanica e do Pinus pinea. O jardim tem poucas flores sendo o relvado e o buxo em sebes a sua marca mais forte.
O sistema de rega, abastecido por minas de água, funciona por gravidade, em caldeiras a céu aberto. Uma das minas que abastece esta quinta situa-se no exterior, do outro lado da estrada. A água captada da mina era direcionada para a quinta, através de uma caleira, que passava por onde hoje é a estrada, e entrava na quinta por uma abertura existente no muro, que ainda é possível observar.
A fachada da residência ducal, edifício de planta em “L”, exposta ao jardim, tem partes cobertas por trepadeiras que ascendem ao próprio telhado alvo de obras de recuperação em 2020.
Esta quinta constituí um testemunho, com mais de cinco séculos, que chegou até aos dias atuais como exemplo da expansão das quintas de recreio dos arredores de Lisboa no século XVI. Presenciou diferentes períodos históricos e intervenções ao longo do tempo que a modificaram até ao presente. Contudo o terreno em socalcos, a presença da água e a localização da capela têm-se mantido desde os primórdios da sua existência.
Texto de Inventário: Maria Inês Furtado Atanásio – 2020.
Revisão: Cristina Castel-Branco – 2020.
Quinta da Capela
(Consultada em maio de 2020)
OLISIPO – Boletim Trimestral do Grupo Amigos de Lisboa, ANO XXVII, Número 107 (julho de 1964).
PINHO LEAL, A. – Portugal, Antigo e Moderno: Dicionário. Volume Sétimo. Lisboa: Livraria Editora de Mattos Moreira & Companhia, 1876.
SANTA MARIA, Frei A – Santuário Mariano e Histórias das Imagens Milagrosas de Nossa Senhora. Lisboa: Antonio Pedrozo Galram, 1721.
STOOP, Anne – Quintas e Palácios nos Arredores de Lisboa. Barcelos: Livraria Civilização Editora, 1986.
http://paisagemcultural.sintra.pt/patrimonio/area-classificada/arquitetura-religiosa/207-ermida-de-nossa-senhora-da-piedade
https://cm-sintra.pt/atualidade/cultura/roteiros-culturais/roteiro-da-rainha-d-amelia.