Herdade de Barroca de Alva
Lisboa | Alcochete
Herdade de Barroca de Alva
A Herdade da Barroca d'Alva, propriedade de cerca de 2.000ha situada no concelho de Alcochete, pertence atualmente a José Samuel Lupi que aí reside num monte de casas brancas caiadas e baixas. Esta herdade é palco de muitas atividades que incluem a produção agrícola nas zonas de baixios, aproveitadas para a cultura do arroz, até às planícies ribatejanas, caracterizadas pelo montado de sobro e a criação de gado bravo tendo-se ampliado recentemente a atividades desportivas de grande dimensão. Nesta paisagem de lezíria ligada ao estuário do Tejo, a dois passos da capital é possível encontrar, relativamente escondida, o ex-líbris da herdade, a Ermida de Santo António d'Ussa datada do séc. XVI. O encanto único e a antiguidade desta peça de arquitetura renascentista são ampliados também pela envolvente paisagística que transmite uma tranquilidade e um ambiente que parece estar igual há 500 anos.
Desde cedo, os terrenos arenosos da Barroca de Alva com manchas de argilas e de grés e abundantes em água atraíram a fixação humana, havendo registo de ocupação desde os tempos romanos. A sul da Ermida de Santo António d'Ussa foram encontrados alguns materiais arqueológicos desta época, como ânforas, admitindo-se que neste local existiu um centro de produção oleira. O nome "d'Alva", tal como o topónimo Alcochete, remetem-nos à posterior ocupação árabe da margem sul do vale do Tejo.
Em 1585 sabe-se que a quinta pertencia à Coroa Real Portuguesa e que 1619 era deixada em testamento de André Ximenes de Aragão à sua mulher, D. Maria Ximenes. (Ratton, 1813). A herdade vai então passando de geração em geração até que em 1767 Jacôme Ratton obtém o emprazamento da herdade, e será ele o responsável por grandes melhoramentos na herdade com grandes investimentos na área agrícola e silvícola. Nascido em França, Ratton chega a Portugal em 1747 e, apenas com 20 anos torna-se o responsável pela Herdade da Barroca d'Alva segundo este os " (...) terrenos eraõ taõ nus, que todas as direcções (...) se podia descobrir (...) qualquer rez que nelles andasse cobertos somente de mato maninho, abandonado a quem o queira roçar ou aos fogos que os pastores e os viadantes lhe lançavaã (...) à excepçaõ com tudo de alguns sobreiros por eu lhes obstar o corte (e por isso ainda existe alguns) com muitos outros que depois mandei plantar." e "Somente havia huma pequena ermida(...)a qual por ser de abobeda se conservou, e nella se recolhia Rodrigo Ximenes, quando por ali passava pa o Alemtejo ou Hespanha; por quanto huma antiga casa, pegada com a ermida, se achava tão arruinada que era inhabitavel”.
Jacôme Ratton mandou então construir acomodações para 24 famílias de criados, um celeiro, um palheiro, a abegoaria, a adega e o lagar. Reparou também casas para a sua própria habitação, junto à qual construiu um muro com uma vala de água corrente. O projeto incluía ainda uma estalagem, armazéns de depósito para comércio, uma igreja maior e um bom chafariz.
A nível da agricultura abriu e arroteou valas de pauis, nos quais construiu o primeiro moinho criado para "lançar fora dos vallados as aguas interiores" (Ratton, 1813). A ideia era tão inovadora que gerou romarias das Cortes, assim como do secretário de estado Martinho de Mello e Castro a fim de verem tal engenhosa solução. Ao fim de 12 anos de drenagem e limpeza dos solos estes terrenos produziriam abundância de palhas, fenos e pastos para criar gado e para produzir adubos para as terras altas.
Jacome Ratton implantou também na Barroca de Alva viveiros e terrenos de plantação de amoreiras brancas para "animar" a indústria do ramo da cultura da seda. Nos terrenos de charneca, que ocupavam três quartos da herdade, Ratton mandou semear pinhão, vindo do pinhal d'EI Rei, "do que resultou o mais extenso, e formoso pinhal que hora existe nas vizinhanças de Lisboa''. Para este pinhal Ratton possuía guardas contra os fogos e a madeira que produzia era salgada um ano debaixo de água para fortalecer afirmando-se que assim “equivalia à melhor madeira do Brazil para vigamentos, madeiramentos e solhos. Os matos roçados nas limpezas do pinhal eram aproveitados como combustível para os seus fornos de cal localizados na praia da Pampulha e na praia no Calvário. Tais foram os seus feitos que D. José considerou-o "(...)o grande cultivador da Barroca d'Alva”.
A ermida de Santo António d'Ussa, é incluída neste conjunto de sítios históricos pois na paisagem ribatejana ela constitui um monumento único diretamente assente na paisagem embelezando-a com uma arquitetura singular e sacralizando-a como um lugar de oração.
A palavra Ussa, usada em vez de urso até ao séc. XVI revela a antiguidade desta pequena edificação cujo motivo de construção e localização é completamente desconhecido. 0 nome do santo invoca o taumaturgo português, ínclito pregador do reinado D. Afonso II. As suas características de planta circular, com a cobertura em abóbada assim como o pórtico de entrada em frontão semicircular remetem-nos para uma construção do renascimento. O conjunto ermida muralhas e lago circular localiza-se a 4 km do monte da Barroca d'Alva e o caminho para a ermida foi em tempos arborizado como um percurso processional. Em seu redor a vegetação que agora falta era uma florida homenagem a Santo António seu padroeiro.
A ermida é uma pequena construção circular tal como vimos na Quinta da Penha Verde também do século XVI mas nesta, a água envolve a ermida num lago circular tal como envolve a Charolinha também circular que existe na Mata dos sete montes em Tomar. A ermida de Santo António d'Ussa rodeada de água e envolta por duas muralhas contiguas, é uma construção única em Portugal.
A Ermida tem cerca de 6 m de altura, planta circular com raio exterior de 5,78 metros e espessura de parede de 78 cm. No interior encontram-se sinais de um altar antes existente, assim como de um banco em pedra na parede. Na parte exterior da ermida encontram-se inscrições quer no pórtico semicircular, quer no topo da ermida ao longo de faixa contínua a cerca de 4 m de altura. No pórtico de entrada da ermida existe a inscrição: "DRA PRD WHIS BANIOND (?) ", cujo significado foi há muito perdido.
Ambas as muralhas que rodeiam a ermida distam cerca de 1,75 m entre a ermida e entre si, fazendo com que de longe pareçam uma só construção. A muralha interior apresenta 20 ameias em bom estado de conservação, e algumas outras totalmente destruídas. A muralha exterior, de maiores dimensões, apesar de se encontrar em pior estado de conservação e se encontrar ligeiramente inclinada para fora, apresenta ainda 35 ameias em bom estado de conservação. A espessura de ambas as muralhas é de 50 cm. O seu pórtico circular de entrada encontra-se desalinhado com a entrada da ermida.
Texto de Inventário: Sequeira, Catarina R., 2009; Duarte, Beatriz, 2009; Ferreira, Manuel, 2009.
Adaptação: Guida Carvalho – 2020.
Revisão: Cristina Castel-Branco – 2020.
Herdade de Barroca de Alva
(Consulta em 2009 e Maio de 2020)
DAUPIÁS, Nuno – Jácome Ratton e o emprazamento de Barroca de Alva, Sep. Boletim da Junta de Província da Estremadura. Lisboa: Tip. Of. Graf. Ramos, Afonso & Moita, 1955.
RATTON, Jácome – Recordacoens de Jacome Ratton ... sobre occurrencias do seu tempo em Portugal, durante o lapso de sesenta e tres annos e meio, alias de Maio 1747 a Setembro de 1810 que rezidio em Lisboa : acompanhadas de algumas subsequentes reflexoens suas, para informaçoens de seus próprios filhos : com documentos no fim. Londres: H. Bryer, 1813.
ESTEVAM, José – O povo de Alcochete: apontamentos históricos sobre a terra e o pessoal. Lisboa: Couto Martins, 1950. :
https://babel.hathitrust.org/cgi/pt?id=uc1.a0001066869&view=1up&seq=15
PINHO LEAL, Augusto Soares d’Azevedo Barbosa de – Portugal Antigo e Moderno: Diccionário geográphico, estatístico, chorographico, heraldico, archeologico, histórico, biográfico e etymologico de todas as cidades, villas e freguesias de Portugal e grande número de aldeias. Lisboa: Livraria Editora de Mattos Moreira & Companhia, 1873, Vol. 1, p. 77-78. :
https://archive.org/stream/gri_33125005925538#page/n7/mode/2up
GRAÇA, Luís Maria Pedrosa dos Santos – Edifícios e monumentos notáveis do Concelho de Alcochete. Lisboa: Edição Elo, 1998.