Quinta dos Espadeiros

Lisboa | Almada

Quinta dos Espadeiros

A Quinta dos Espadeiros em Vale de Mourelos, entre Almada e a Charneca da Caparica, localiza-se a meia encosta, sobre uma vertente inclinada de exposição Norte, para Lisboa, fazendo parte da tipologia de Quintas dos arredores de Lisboa com função de veraneio, e agricultura e que constituem pequenas unidades de produção com dimensão acessível a uma confortável distância do centro da capital.

A Quinta dos Espadeiros foi construída no século XVII e até ao seculo XX manteve as funções de residência, recreio e produção agrícola sendo um raro exemplo em Almada da típica Quinta outrora aqui tão abundante que foi adaptando a sua produção ao evoluir das necessidades de mercado. Pensa-se que o seu nome, Espadeiros, remete para uma possível produção industrial de espadas que terá um dia aqui existido (Pereira de Sousa, 1956, p. 120).

No século XIX a Quinta produzia culturas de sequeiro e de regadio que se destinavam a alimentar a cidade de Lisboa. No início do século XX destaca-se a produção de tomate que alimentava uma agroindústria montada na própria quinta para a produção de polpa de tomate. É nos anos 30 que o proprietário, reputado médico de Almada, e avô dos atuais proprietários, criou uma fábrica de cerâmica (Flores, 1990, p. 70) dentro da quinta, localizada nos terrenos mais baixos e aproveitando a matéria-prima local, o barro: “[...] construí a fábrica de cerâmica Dr. António Elvas na Quinta dos Espadeiros, com fornos contínuos e aparelhagem moderna, sendo de apreciar as suas telhas e tijolos vidrados que eram os melhores do país.” (Flores, 1990, p. 70).

Na década de 60 e 70 do século passado a Quinta dos Espadeiros, assim como outras quintas desta região, foi profundamente alterada, devido à abertura da autoestrada do Sul cuja ligação à Ponte 25 de Abril constituiu até 1998 o único acesso rodoviário da área da grande Lisboa com o Sul do País. Nessa época foi negociada uma expropriação de parte dos 40ha da Quinta para a construção da autoestrada, e uma parte dos seus terrenos, com 20ha, veio a ser transformada num parque urbano; o Parque da Paz que serve a população de Almada. Nos anos 90 uma nova intervenção levou a uma expropriação para a área comercial do fórum Almada, ficando a atual propriedade reduzida a um núcleo histórico com cerca de 6,4ha. Nesta época, para proteção das vistas e do ruído, são construídos taludes encimados por cortinas arbóreas que rodeiam a quinta em forma de anel, uma estratégia bem-sucedida para manter o seu ambiente histórico. As áreas de escavação resultantes deram origem a lagos e tanques ornamentais e de produção de carpas e plantas aquáticas, adaptados ao caracter histórico da quinta. Para a sua construção recorreu-se à impermeabilização do solo natural rico em argila, evitando-se o uso de telas impermeabilizantes. Foram também usados cantarias, lajedo em pedra antiga daquela região recolhidas em quintas contíguas, desmanteladas com a construção da autoestrada com a Quinta do Algazarra. "Recicladas" estas peças de pedra ornamentais que servem de rebordo às superfícies de água em conjunto e vegetação variada introduzida nas últimas décadas do seculo XX conferem à quinta um carácter excecional.

Na primeira década do seculo XXI, a Sul e longe da vista do núcleo histórico foi montado pelo Dr. José Elvas um pavilhão/estufa a servir de mostra e venda dos produtos e sistemas de piscicultura ornamental, aquacultura e plantas aquáticas, temas  em que ele próprio se especializou permitindo uma abertura ao publico e um centro de interpretação da própria quinta.

Do ponto de vista arquitetónico a quinta apresenta-se com os elementos habituais da arquitetura vernacular portuguesa de planta em L, compondo-se de dois pisos com a fachada virada a Sul, onde também se inscreve a capela como fachada nobre. Na capela destacam-se elementos decorativos barrocos que nos indiciam a data de origem desta construção. O corpo nascente, de um só piso cria um espaço fronteiro, que no passado foi o terreiro de chegada e hoje em dia é uma área ajardinada e pavimentada com o lago circular de cantaria ao centro. Este espaço ornamentado de palmeiras e bougainvillias tem um carácter de arquitetura oitocentista caiada e rematada a faixas de azul cobalto, muito próxima das construções dessa época em climas exóticos da índia e do Brasil, reduzindo o carácter agrícola e introduzindo um cunho de recreio, de qualidade estética reflexo de uma vivência equilibrada entre a cidade e o campo.

O corpo nascente térreo inclui a cozinha e o pombal que constituem as dependências mais antigas deste núcleo, caracterizam-se pelo seu chão em laje, teto de masseira e grande lareira. As janelas tradicionais em madeira pintada, rasgadas, abrem sobre o jardim a poente e sobre um terraço a nascente.

A fachada Norte é rematada por um tanque e pavimento em laje que liga por uma escadaria à área ampla da piscina e do lago das estátuas. Estas últimas formam um conjunto que se reflete na água do tanque e confere grandiosidade ao conjunto.

O lagar e a adega formam uma construção independente com dois corpos paralelos localizada mais abaixo no antigo caminho de acesso à casa. No seu interior encontra-se o varão da prensa, as cubas de pisa do vinho e as paredes em alvenaria com telhado assente em asnas e madres, confirmam o carácter rural e funcional do conjunto.

A abegoaria é o que resta de um longo edifício que fechava o terreiro da entrada e foi remodelado para habitação tendo dois pisos na fachada Norte e um na fachada Sul, tal como a casa principal.

Depois da abertura da autoestrada que seccionou a quinta em duas partes o Dr. José Elvas proprietário da Quinta definiu uma estratégia de proteção tanto do ruído como das vistas e construiu taludes de 2 e 3 metros de altura criando ao mesmo tempo nas áreas de escavação, lagos e tanques utilizando os volumes de terra escavada para o aterro dos taludes ao longo da autoestrada e envolvendo o núcleo histórico, isolando-o do exterior através de densas plantações de árvores sobre os mesmos.

Esta configuração dá à quinta um carácter especial pois o núcleo histórico à volta do qual foi sendo mantido um jardim, tem em seu redor um anel de lagos e tanques e um anel exterior de taludes arborizados. Para a proteção visual do edifício e a manutenção do ambiente da Quinta, esta estratégia funcionou. Para Norte, a autoestrada e a Ponte 25 de Abril só são visíveis quando se sobe aos taludes. Ao nível do solo, as vistas estão também rematadas pela cortina arbórea, destacando-se apenas o Cristo-Rei.

Os lagos têm as margens plantadas com plantas aquáticas e nas margens as espécies de zonas húmidas o que confere à Quinta uma grande beleza e raridade. Estes lagos envolvem todo o núcleo histórico articulando-se com ele através de pavimentos em lajedo. Os grandes lagos e superfícies de água que constituem grandes reservas de água para rega foram aproveitados esteticamente e neles se espelham as fachadas ou muros por vezes decorados por azulejos e ritmadas por bancos.

Esta paisagem de água tem a sua origem na própria construção da quinta e expressa um modo de construir jardins, tradicional nos jardins históricos portugueses pois a Norte da casa principal desenvolve-se um tanque do traçado original junto da fachada e dividido em dois. Na primeira superfície de água vivem carpas, e a segunda funciona como um tanque filtro cuja superfície se encontra coberta por plantas filtrantes. Deste terraço descem dois lanços de escadas simétricas apoiadas ao muro de suporte e a eixo encontra-se uma fonte já na cota de baixo. A este nível existe uma piscina de traçado geométrico, bordejada a pedra que atualmente serve também de lago para a avifauna criado um habitat de grande valia.

A nascente, o piso térreo abria sobre um terraço menor que se mantém, mas que foi adaptado ao grande lago feito a partir da escavação dos taludes construídos para proteger da autoestrada. Este terraço lajeado tem também tanques geométricos ao nível do pavimento que constituem áreas de produção de carpas em ligação com os sistemas de lagos e circulação de águas que envolve toda a casa.

A Quinta dos Espadeiros constitui assim um núcleo de biodiversidade com uma variedade significativa de espécies de aves das quais destacamos algumas espécies que por si só indicam a qualidade do ambiente:  cisne-negro, pato-carolino, pato-real, garça-branca-pequena garça-azul, garça-real, pombo-torcaz, pintassilgo, tentilhão, corvo, rola-turca, gaio, guarda-rios, verdilhão, galinha-d’água, ganso-de-magalhães, narceja-comum e o melro-preto. A nível de vegetação a Quinta possui um leque de espécies variado, desde espécies autóctones a exóticas, destacando-se a coleção de palmeiras.

Texto de Inventário: Cristina Castel-Branco – 2020.

Quinta dos Espadeiros

(Consultada em Abril de 2020)
FLORES, Alexandre M. – Almada Antiga e Moderna. In Roteiro Iconográfico, vol. III. Freguesia da Cova da Piedade: Edição Câmara Municipal de Almada, 1990.
PEREIRA DE SOUSA, R.H. – Almada Toponímia e História das Freguesias urbanas. Almada, Câmara Municipal, 1956.
http://www.acbpaisagem.com/projectos/jardins-historicos/quinta-dos-espadeiros.htm
http://www.patrimoniocultural.gov.pt/pt/patrimonio/patrimonio-imovel/pesquisa-do-patrimonio/classificado-ou-em-vias-de-classificacao/geral/view/13636278

Quinta dos Espadeiros, Feijó