Quinta da Princesa
Lisboa | Seixal
Quinta da Princesa
A quinta da Princesa encontra-se na margem poente de um braço do Tejo que se inicia no Seixal em frente de Lisboa. Todo o conjunto de casas, capela, assento de lavoura, tanques e aqueduto tiram partido da especificidade deste lugar tão particular do estuário do Tejo: fertilidade de solos, disponibilidade hídrica, amenidade climática a presença da grande superfície de água e a utilização do movimento das marés acentuando a presença de ilhas, sapal e a vista sobre um grande lençol de água.
A cronologia da quinta compilada por Rui Mendes (2013) indica que as primeiras referências a esta quinta surgem em 1350 com o nome de Quinta da Famosa quando entra na lista dos bens de D. João I pois pertencera ao judeu David Negro que defendera a causa de Dona Leonor Teles e por isso lhe foi retirada. Em 1400 D. João I doa a quinta a D. Nuno Alvares Pereira que tendo casado uma filha D. Brites Pereira com D. Afonso, primeiro de Bragança vê entrar a Quinta para os bens da Casa de Bragança onde se mantém até 1654.
Quando D. João IV cria a Casa do Infantado, manda para essa nova instituição transferir a posse da Quinta a qual em 1750 é pertença de Dona Maria Francisca Benedita de Bragança, (1746-1829) filha do Rei D. José I e Princesa da Beira. A partir daí a Quinta muda de nome para Quinta da Princeza e da Infanta e uma sucessão de infantas e infantes a terão como sua, até ao século XX.
A Princesa D. Maria Francisca tem uma vida longa de 83 anos e tal como sua Mãe, D. Marina Vitória de Bourbon, filha de Filipe V de Espanha, é uma mulher culta com muito gosto para a música, teatro e pintura. Para a Basílica da Estrela executou dois quadros dedicados ao Coração de jesus e aos Anjos Custódio e Rafael e aos 80 anos ainda tocava muito bem piano.
Quando em 1788 enviúva, recolhe-se na sua Quinta da Amora e nela faz grandes melhoramentos deixando-a em testamento ao Hospital e Asilo de Inválidos Militares, instituição por si criada. Só sete anos ficará na posse do Hospital pois em 1836 será adquirida pela Infanta D. Isabel Maria de Bragança filha de D. João VI que irá integrar na Quinta da Princeza três grandes propriedades vizinhas e outras courelas de vinhas , pinhais , domínios diretos de sapais que foram do convento do Carmo de Lisboa e as fazendas do casal do Talaminho e de Vale de Gatos, entre outros, conforme consta dos documentos referidos por Rui Mendes (3013).
Durante o seculo XIX a Quinta da Princeza e da Infante mantém-se longamente na posse de D. Isabel e é frequentada pela família real e pelo Príncipe D. Augusto (irmão de D. Pedro V e de D. Luís) o qual virá a comprá-la em 1877. Entre outras referências a esta quinta, uma notícia do século XIX descreve a ida dos senhores da Quinta de Vale de Grou do outro lado do braço do Tejo em passeio de barco até à quinta da Princesa (Sousa, p.14). A vivência nestas quintas de recreio intensificava-se no Verão e a comunicação entre elas fazia-se de barco.
Muitas referencias são feitas à capela de Nossa Senhora da Conceição, instituída padroeira de Portugal por D. João IV, em 1640, sendo venerada duma forma especial pelos membros da família real.
A quinta é adquirida em leilão, no ano de 1942, pela família Ribeiro Ferreira que ainda hoje aqui reside. A Sr.ª D. Ana de Jesus bisneta da Infanta D. Ana Maria de Bragança e seu marido Engenheiro Francisco Ribeiro Ferreira que compraram a quinta para aí viver criaram então a Sociedade Agrícola da Quinta da Princesa que viria a dar continuidade até aos dias de hoje à produção agrícola que a quinta em tempos tivera.
Nessa altura esta vasta propriedade (cerca de 60 hectares) tinha em plena laboração dois lagares de vinho e um de azeite, dois poços com noras, um aqueduto e dois grandes tanques. Para o gado existia abegoaria, curral, cavalariça e pocilgas. Não faltara a eira e o celeiro. Um conjunto de casas baixas, a cardosa, servia de abrigo e residência a trabalhadores rurais, que para aqui migravam, vindos da Beira Litoral – os caramelos. Para além dos cereais diversificados, da vinha, da oliveira e dos citrinos, muitas outras culturas agrícolas se faziam, sendo de referir a batata, a ervilha, a fava, o feijão, o grão-de-bico, o melão, as hortaliças e legumes diversos, ou mesmo o tremoço e o amendoim.
Surge também nesta época uma animação cultural dinamizada pela família Ribeiro Ferreira com atividades hípicas e cinegéticas, a criação de cavalos de raça e a reprodução de galgos. Os cavalos atraiam e juntavam publico para assistir a concursos hípicos que se foram tornando mais internacionais e ficaram registados no jornal local: "Disputou-se o concurso hípico internacional de Lisboa, que este ano apresentou um dia consagrado ao Santo Condestável. Os cavaleiros portugueses obtiveram excelentes resultados [...] O 1° e 2° lugar das provas de amazonas foram ganhos por D. Ana Maria e D. Isabel Ribeiro Ferreira da Escola Hípica da Infanta" (Voz da Paróquia de Amora, em 15 de junho de 1950).
Voltando ao período de 1836 a 1876 em que a Quinta esteve na posse da Infanta D. Isabel a Quinta não só aumentou a sua área, mas nela se fizeram melhoramentos agrícolas e plantações de pinhais pois a Infanta Isabel era uma mulher empreendedora. Por morte de seu Pai em 1826 chegou a ser regente de Portugal em nome de seu irmão D. Pedro Imperador do Brasil, foi duas vezes a Roma solicitar ao Papa pedidos para instituições de assistência social às quais dedicou muito do seu trabalho e a quem deixou a Quinta em testamento. Durante o período em que a Infante dirigiu a Quinta da Princeza ficaram registados muitos melhoramentos sobre tudo agrícolas e florestais num Portugal que foi mudando com a inauguração das linhas de comboio, de telégrafo, a fundação das escolas médicas, politécnicas e primeiros liceus entre muitas outras coisas.
Seria de esperar que estas casas que foram pertença da família real tivessem um carácter palaciano, uma dimensão conforme aos seus proprietários, uma presença brasonada, uma entrada em alameda, ou elementos que indicassem uma relação com o poder e a mais alta aristocracia brasonada, mas pelo contrário a Quinta da Princeza e da Infanta é constituída por um terreiro muito original, uma formação de casas de um piso em U, um pátio que a tradição designa por Pátio Real onde o portão indica a data de 1744 e a capela à direita abrindo caminho para uma escada estreita adossada à parede e revestida de azulejos figurando balaústres.
É nesta simplicidade rural que se destaca no terreiro um enorme tanque em forma quase elíptica que é alimentado por uma nora com telhado dentro da qual os animais circulavam para levantar os alcatruzes cheios de água encontrada a uma altura razoável e em muita abundância. A decoração barroca do tanque denota a sua origem ou remodelação no século XVIII, na altura em que pertenceu à princesa D. Francisca filha de D. José. O poço e o tanque são a peça essencial da prosperidade da quinta pois sem esta água esta não poderia funcionar pois aqui, nos arenitos que circundam este braço do rio Judeu, não se encontrarem nascentes.
Outro elemento que merece descrição é Pátio real por onde se entra em festas ou momentos especiais. Trata-se de um pátio com cerca de 20m por 35m todo lajeado e com a capela, o edifício e o miradouro a cercarem três dos seus lados, o lado sul é o muro que o divide da estrada. A capela do lado direito parece ter sido construída ali no séc. XIX por D. Isabel em substituição de outra mais pequena. A escadaria que dá acesso ao primeiro andar é estreita para uma casa da família real mas as dimensões do pátio têm o charme de uma peça à escala humana com boas proporções e bons materiais.
Quando em 1877 o Infante D. Augusto, Duque de Coimbra, filho de D. Fernando Saxe Cobourg Gotha e de D. Maria II, compra a Quinta é no jardim que veremos aparecer melhoramentos o que não será de estranhar para um jovem que viu ser construído por seus pais os jardins das Necessidade, o parque e palácio da Pena, viu surgir o Jardim da Estrela e o jardim de S. Pedro de Alcântara feitos no reinado de seu irmão D. Pedro V. Os jardins foram uma constante na vida dos príncipes, filhos de D. Fernando e D. Maria e a Quinta da Princeza apresentava notáveis qualidades para poder ser melhorada por um jardim paisagista com passeios à sombra de caminhos arborizados, com a vista pitoresca para o esteiro de Corroios e a grande superfície de água do Tejo, com uma suave inclinação desde a casa até ao rio.
Todos estes elementos foram aproveitados chegando até nós um grande tanque ornamentado com motivos pintados a pigmentos e cal que se liga a um primeiro parterre de buxo (agora substituído por um grande relvado) rematado por uma balaustrada. Uma larga escadaria descia até ao patamar seguinte repetindo-se esta solução para o patamar mais a baixo. Cada lance de escadas é interrompido por uma carreira longitudinal, larga, muito comprida e ladeada de árvores centenárias que permite perceber que o terreno há muito havia sido talhado em terraços regulares.
Junto ao Tejo um ancoradouro já desaparecido sob os juncos e a vegetação de sapal permitia navegar pelo estuário até Lisboa em pouco tempo, dando à grande escadaria uma função para além da decoração do jardim. Há ainda a descrição oral de uma ilha que hoje em dia não se consegue identificar e a surpreendente construção do poço e aqueduto em arcaria de uma altura inusitada ( talvez uns oito metros ) que levava a água para o tanque ao nível das casas e assento de lavoura já atrás descritos. Ao subir deste grande poço para a casa e entrada uma enorme azinheira estendeu os seus ramos num circulo com mais de quarenta metros e à sua sombra há séculos que se passam dias de festa, almoços lanches e jantares como se de um palácio se tratasse.
A quinta da Princeza constitui uma unidade paisagística cujo valioso assento de lavoura e conjunto habitacional tanques, capela, pátios e miradouros ocuparam o festo e os pinhais e mata descem em encosta suave em patamares até ao Tejo. A notável escolha do lugar, a sua história ligada à família real e a sua dimensão como quinta da margem Sul do Tejo contrastam com a simplicidade da sua arquitetura vernacular e com a quase inexistência de literatura sobre esta discreta joia das quintas de recreio e da arte de jardins em Portugal.
Inventário: Cristina Castel-Branco – 2020.
Quinta da Princesa
(Consulta realizada em Maio de 2020)
ARAÚJO, Ilídio de – Arte Paisagista e Arte dos Jardins em Portugal. Lisboa: Centro de Estudos de Urbanismo, 1962. p. 156.
GUIA de Portugal: Generalidades Lisboa e Arredeores I - Lisboa [S.l.]: Fundação Calouste Gulbenkian, 1979. Vol. 1. p. 421.
MENDES, Rui – A Sul do Esteiro: Três Sítios e Quintas Históricas entre Corroios e Amora: Do Castelo em Corroios, Da Princesa no Rocio da Amora e do Paço do Infante em Cheira-Ventos. In Atas 1º Encontro Sobre Património de Almada e Seixal. Almada: Centro de Arqueologia de Almada, 2013.
SANTIAGO, Ana Maria Ribeiro Ferreira Syder – A vida na Quinta da Princesa. [s.i.]: [s.e.], 2016.
SILVA, Ana Sofia Farinha da – As Quintas da “Outra Banda”: de um passado rural a um futuro cultural. Évora: Universidade de Évora, departamento de paisagem, ambiente e ordenamento, 2018. Relatório de estágio.
SILVA, Francisco Manuel Valadares e – Ruralidade em Almada e Seixal nos Séculos XVIII e XIXÇ Imagem, Paisagem e Memória. Lisboa: Universidade Aberta, 2008. Dissertação de mestrado em Estudos do Património.
SOUSA, Manuel Xavier da Gama Lobo Salema de Oliveira – Recordações do Seixal. Seixal: [s.e], 1857, p.14.
VOZ da Paróquia de Amora, em 15 de junho de 1950.
http://www.monumentos.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=10411