Cerca do Seminário da Luz

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Cerca do Seminário da Luz

O Jardim do Seminário da Luz, antiga Quinta da Alameda em Carnide, deve ser abordado no seu contexto, tão significativo para a história da arte dos jardins da região de Lisboa, em conjunto com o sítio de Nª Sr.ª da Luz. Desta forma, importa compreendermos este sítio, a evolução da paisagem de que faz parte e a sua condição territorial. O longo registo de ocupação humana parece colocar em evidência as qualidades de produtividade e de amenidade do sítio de Carnide. Efetivamente, são correntes as referências ao desempenho destas terras como antigo ‘celeiro’ de Lisboa o que é corroborado pela presença de numerosas ‘covas’, silos para armazenamento de cereais, que “tanto poderão ser do período neolítico como mouriscos ou medievais” (Consiglieri et. al., 1993, p. 59). Para justificar esta ocupação milenar, para além da aptidão natural para a produção agrícola – solo e disponibilidade de água - parece concorrer o desenvolvimento do culto do Espírito Santo, centrado na Ermida do mesmo nome desde o século XIII, e posteriormente incorporado no culto da Senhora da Luz, a partir do século XVI.

A disponibilidade de água e a facilidade da sua captação é profusamente referida, e esta riqueza de águas não era apenas quantitativa, não se restringia a alavancar a prosperidade da lavoura, como, ainda, detinha propriedades curativas para certos males: está nesta condição, também desde o século XIII, a água da Fonte da Machada ou do Machado, junto à principal via histórica, estrada da Pontinha (jf-carnide.pt), Ou seja, todos os relatos que encontramos são coincidentes em que estávamos perante um lugar particularmente privilegiado, em termos de boas condições edafo-climáticas, solos com boa produtividade, características microclimáticas excepcionais, de que resultam ‘bons ares’ para as plantas e para as pessoas conferindo boa aptidão para a criação de um jardim.

Uma das presenças mais notáveis e com relação directa com a história da quinta da Alameda que já foi ligada a outra criando o conjunto – Horta Nova e Alameda - é o senhor da Casa dos Camelos, depois Quinta da Horta Nova, Lopo Rodrigues Camelo, aio de D. Sebastião, “Escrivão da sua Câmara e da do Mestrado da Ordem de Cristo”.

A Quinta da Horta Nova, pertencia a João de Sousa Pacheco Leitão (1771-1855), Coronel de Engenharia e poeta autor da Genecida publicado em 1836, lente na Academia Militar do Rio de Janeiro donde regressou em 1823. Não tendo descendência, fez testamento em 1850 onde proíbe a venda da Quinta. Em 1861, foi convocada uma conferência de advogados que decretou a nulidade do testamento. Um dos advogados dessa conferência foi Carlos José de Oliveira (1835-1905) que veio a ser o 50º Governador Civil de Lisboa (de 13/12/1888 a 13/01/1890) e sobrinho (Neves, 1958, p. 78) ou irmão (Araújo, 1995, pp. 70-71) do construtor do Palácio da Luz e Jardim, o capitalista Jacintho José de Oliveira. Aparentemente, as Quintas da Alameda, ou da Luz, e da Horta (Nova) vêm à posse de Jacintho por casamento com a proprietária D. Margarida Pulquéria Rita do Carmo Sampaio, nascida em 1835. De qualquer modo, o que sabemos certamente é que, quando o senhor Jacintho e a esposa D. Margarida Pulquéria, aqui, nas propriedades da senhora, estabelecem a casa de família (1887 data que figura na fachada da Estufa do Jardim é assumida como o ano de conclusão do Palácio), já o sítio de Carnide reflete vários séculos de comprovada produtividade e amenidade, deliciosos ares e belas quintas, onde regularmente se celebra a procissão da Sra. da Luz e a Feira do mesmo nome (em 1780, D. Maria I autoriza feira franca legalizando acontecimento de muitos séculos), eventos animados e muito concorridos. Para mais, o Largo da Luz é, agora, uma bela praça arranjada pela Freguesia de Belém em 1862, de acordo com a placa alusiva que ainda permanece no seu lugar.

A carta de Silva Pinto, levantamento de 1908-11, mostra-nos um sítio de belas quintas, com generosas dimensões, perfeitamente estabelecidas e produtivas, em que não há terrenos deixados à ordem natural mas todos os recantos são ordenados pela mão humana, mas continua a ser a mesma terra de ‘pão, azeite e vinho’ em que estão presentes muitas fruteiras e onde as azinhagas arborizadas emanam dos dois eixos principais, imemoriais: estradas da Pontinha e do Paço do Lumiar. A Quinta da Luz ou da Horta ou da Alameda inscreve-se neste contexto e na carta de Silva Pinto é muito visível o jardim tal como foi desenhado por volta de 1876.

Vários autores recorrendo às Memórias do P. Taveira da Silva (Araújo, 1995, p. 78-79 e 84) descrevem a quinta pouco depois da conclusão do jardim juntando-lhe apontamentos posteriores da adaptação do jardim de recreio à cerca dos Franciscanos “Um caminho contornava-a praticamente em toda a sua extensão. Um outro, totalmente orlado de pereiras de tipo pérola, partia da frente do portão grande da cocheira/cavalariça e seguia até à extremidade de toda a propriedade, comunicando com parte do outro consorte, ou seja, a Quinta da Horta Nova, então ainda separada por muro. Um terceiro caminho partia do chamado poço dos bois (na área das capoeiras, no extremo noroeste da Quinta dos Inglesinhos) e, seguindo paralelamente ao muro da quinta, destes levava às proximidades do poço do moinho ou do mirante. Ao longo de todo o caminho que contornava a quinta erguiam-se várias centenas de oliveiras, muitas das quais só foram arrancadas em 1973, ou seja, aquando das obras de plantação duma grande extensão de pomar e duma nova vinha.

De assinalar é, ainda, o facto de a Quinta dispor de três poços de cerca de 20 metros, totalmente revestidos de pedra tipo cantaria: o dito do mirante (com magnífico depósito em cantaria, ao qual dava acesso uma escada em diversos lanços também de pedra e cuja água era para ali bombada por tração de um imponente engenho ou moinho de vento que fornecia água canalizada ao palácio; o do meio da quinta, dotado também de moinho de vento; e, por último, o que se chamaria do galinheiro ou poço dos bois, cuja água era extraída por meio de um estanca-rios ou seja um engenho com copos de ferros puxado a bois (…) o antigo edifício [do Palácio] prolongava-se outrora para norte ao longo do Largo da Luz (…) garagem/cocheira com o respectivo espaço para arrumações, um e outro dispostos por sobre duas belas cisternas que recolhiam grande quantidade de água das chuvas. (…) a Cavalariça (…) tendo por baixo uma grande cisterna para recolha das águas dos telhados”.

Esta última parte da descrição, permite-nos sem dúvida retirar que o casal de proprietários, para além da preservação do legado do manancial da Quinta que herdou, reforça, com a construção do Palácio e do Jardim, um cuidado aproveitamento e gestão da água. Esta evidência de estarmos perante pessoas cultas, atentas e receptivas ao espírito vanguardista do seu tempo, encontra demais suporte nas concretizações que nos chegaram, notavelmente no Jardim do Seminário da Luz.

O Jardim que hoje temos, ainda que muito diminuído na sua superfície original e alterado e em algumas das suas características e elementos originais, mostra a sua estrutura intacta. O Jardim original, com cerca de 20.000m2, mostra um traçado de evidente ecletismo, no qual são profundamente marcados dois grandes subespaços, duas metades divididas por um eixo-caminho principal poente-nascente: a norte, um tecido que se relaciona intimamente com o conjunto edificado, Palácio e Cavalariças, composto pela justaposição, por vezes imbricada, de vários ‘compartimentos’, de gostos variados - gardenesque, italianate, fleuriste, na senda dos orientalistas e românticos do século XIX, ainda a fazer furor lisboeta nesta época tardia dos últimos anos de oitocentos; a sul, o ‘Parque’, um extenso conjunto, com notáveis acontecimentos, desenvolvido segundo os preceitos do landscape garden.

Aquele eixo principal, que separa as duas metades, tem origem no portão de ferro, no topo sul do Palácio, que dava diretamente para o Largo da Luz, e culmina no conjunto lago fonte e ‘Torre do Relógio’ (atual Fonte do Anjo); tem um comprimento de 106m. É cruzado na perpendicular, e sensivelmente a 2/3 do seu desenvolvimento, por um segundo eixo-caminho principal, este norte-sul, que, desde o alinhamento do ponto central do Terraço-Escadaria no tardoz do Palácio vai penetrar no grotto da ‘Mesquita’.

Este segundo eixo individualiza, a nascente, um ‘compartimento’ de gosto paisagista, densamente arborizado, que se associa ao conjunto da ‘Torre do Relógio’ e marca a distinção entre jardins formais, a poente, e uma magnífica peça que não chegou até nós, o ‘Lago Grande’, um enorme trapézio, quase rectangular e de vértices arredondados, com 60 metros de comprimento por 20 metros de largura e ‘Ilha’ ao centro. Importa, ainda, fazer menção a duas peças rectilíneas de notável importância na estruturação do Jardim. Um eixo-caminho norte-sul que, desde o eixo principal segue até à extrema sul da propriedade e separa dois tecidos desenhados de acordo com os princípios do landscape garden: um centrado na ‘Sala de Chá’ outro centrado na ‘Mesquita’ e na complexa peça de água que a envolve.

O conjunto Jardim-Parque é um sistema de desenho escorreito e inteligente, que se alimenta de referências múltiplas. A sua matriz agregadora é provavelmente dada pela malha de eixos bem definidos que permite a convivência produtiva de ‘compartimentos’, subespaços com características e peças que lhes dão qualificações intencionais, de parterres de canteiros de geometria límpida com tecidos marcadamente naturalistas, mais caprichosos, na sua ‘ausência’ de geometria. Estes tecidos organizam-se, primeiramente, em ligação à implantação do palacete e, depois, em acomodação com a topografia e as características topológicas do terreno disponível para a transformação.

A quinta da Alameda hoje jardim do seminário dos Franciscanos da Luz é um jardim oitocentista com a data de 1887, a ser assumida como o ano de conclusão do Palácio, podendo ser efetivamente posterior àquela conclusão, mas com elevada probabilidade, não de muito. É surpreendentemente bem desenhado e decorado, o que revela uma mão experiente e um grande conhecimento do estilo de jardim que se desenhava na Europa da segunda metade do século XIX. Do seu dono e mecenas Jacintho José de Oliveira, dispomos dos dados já referidos, com os quais traçamos um perfil de grande capitalista, casando com uma senhora brasileira, abastada, proprietária das quintas da Alameda e da Horta, tendo um irmão influente, Carlos José de Oliveira, formado em Direito em Coimbra em 1858, e Governador Civil de Lisboa de 1888 a 1890, e outro irmão, médico, Eduardo José de Oliveira, pai das sobrinhas que irão herdar, cada uma, sua Quinta, perante a falta de descendência do casal Jacintho-Margarida.

No Guia de Portugal há referência ao jardim da Quinta da Alameda: “A Rua da Fonte em Carnide leva ao largo da Luz [...] e se vêem à esq. a igr. da Luz, à dir. o Colégio Militar, e mais adiante a quinta do sr. Eduardo de Oliveira [...] No extremo E. do largo a quinta do Sr. Eduardo de Oliveira, cujos belos jardins, com frondosos arvoredo e ruas de buxo povoadas de estátuas, merecem bem uma visita.” (Guia, 1979, p.445). 

Na sala nobre do Palácio, quatro pinturas em medalhões de parede dão conta do jardim e das suas plantas que enquadram a fachada, a parte de trás do palácio, a estufa e o seu lago e a luxuosa cocheira. São estas as fontes que permitem afirmar a qualidade do traçado do jardim e da parte ornamental dos planos de plantação da Quinta da Alameda e o estilo a que pertence.

O conhecimento de História de Arte ensina-nos que os estilos e a forma de construir jardins são transferidos e adaptados a novos locais, é disso exemplo o fascínio que exerceu nas elites e nos governantes do mundo inteiro a Exposição Universal de Paris de 1867 e a própria cidade de Paris com cinco novos parques e 24 pracetas ajardinando a cidade que se tornou modelo para o mundo inteiro. Estas formas de transferência explicam a construção da Quinta da Alameda que apesar de isolada em Carnide, surge como jardim paisagista (jardin paysagiste) incluindo áreas de jardin fleuriste junto à casa, e lago e rocailles de estilo gardenesque, sendo o todo interpretado à maneira francesa a que foi chamado no seu tempo a “nouvelle école française” (Durnerin, 2004). Os elementos de que dispomos e o próprio jardim, felizmente bem mantido na sua essência, foram integrados numa análise a que a História de Arte de Jardins fornece várias pistas nomeadamente apontando para uma possível autoria do jardim da Quinta da Alameda a atribuir a Henri Lusseau, presente em Lisboa a partir de 1888.

Esta hipótese, apresentada pelos autores na obra “O Seminário da Luz nos 50 anos da sua igreja” coordenada por João Alves da Cunha, no capítulo "Jardim do Seminário dos Franciscanos da Luz; antiga Quinta da Alameda" é fundamentada na análise da dinâmica observada em Lisboa da arte de construir e projetar jardins e Parques que em seguida resumidamente se expõe.

Nas décadas que se seguem à chegada do Rei D. Fernando II em 1836 e à criação quase imediata do Parque da Pena e do jardim paisagista da Quinta das Necessidades onde a família real viveu, Lisboa cresce e vai introduzir no seu expandir o jardim da Estrela em 1858, a reformulação do Passeio Público em 1886, ambos plantados por Jean Baptiste Bonnard, em 1864 os dois patamares do jardim de S. Pedro de Alcântara, e em 1870 o jardim do Príncipe Real, como square de modelo parisiense. Finalmente em 1887, a repartição Técnica da CML, lança o concurso internacional para o Parque da Liberdade, coroamento natural da inauguração da Avenida da Liberdade no ano anterior, [...] Para [o Eng. Ressano Garcia chefe da Repartição Técnica,] o Parque da Liberdade seria o Bois de Bologne lisboeta, destinado a criar um amplo espaço lúdico à entrada da “nova” cidade. Como vimos, o concurso foi amplamente participado (58 concorrentes de que foram selecionados 26) e Raquel Henriques da Silva informa o resultado e consequência do concurso donde saiu vencedor Henri Lusseau (Silva R, 2017) cuja relação com Portugal se estabelecera antes de 1878, quando publica um artigo em defesa da profissão de arquiteto paisagista no Jornal de Horticultura Prático. Em 1888 Lusseau assina um contrato para a concepção e construção do Parque da Liberdade e arredores o qual não será efectivado, mas documentos confirmam que Lusseau se vai manter em contacto direto com Portugal até quase ao final do século.

Em 1889, o “Jornal de Horticultura Pratica” volta a fazer referência a Lusseau: “As informações fornecidas por M. H, n’uma das recentes sessões da sociedade central de horticultura de Paris relativamente a uma propriedade que transformou em Lisboa, podem-nos dar uma ideia da exuberante vegetação de Portugal” (Sequeira, 1889, p. 24 in Marques, 2008). Será esta a Quinta da Alameda?

Esta prioridade dada ao ajardinamento da cidade tem na esfera privada, também por esta altura, uma quantidade notável de adeptos que irão embelezar as suas propriedades ou quintas dos arredores de Lisboa com jardins. Luis Paulo Ribeiro inventaria estas quintas caracterizando-as no meio social e cultural em que surgem “O poder da alta burguesia comercial, que terá surgido e ganho força com Pombal, é reforçado com o aparecimento e desenvolvimento da indústria portuguesa e com a atribuição de títulos nobilitários ao longo dos anos de oitocentos. Durante este século, muitas quintas existentes serão adquiridas por ricos capitalistas, muitas vezes transformados, como já se referiu, em proprietários. Outras novas quintas irão surgir. Verifica-se nestes novos proprietários, uma intenção mais forte em criar e desenvolver nas suas quintas, estruturas ligadas ao recreio, diminuindo a importância da componente de produção agrícola” (Ribeiro, 1992). O jardim da Quinta da Alameda pertence a este elan paisagista da segunda metade do século dezanove.

Basta uma análise das plantas de Lisboa levantadas por Silva Pinto na viragem para o século XX para nos depararmos com uma renda de espaços verdes dentro dos interiores dos quarteirões e nas zonas limítrofes da cidade, em quintas com desenhos detalhados dos seus elaborados jardins. Surgem mais abundantes em Benfica, no Lumiar, ao longo da estrada da Luz, em Carnide, na Junqueira e em Belém, pela óbvia razão da presença de água em poços e nascentes. É este registo que nos permite hoje perceber o que foi a quinta da Alameda pois todo o espólio da família Oliveira perdeu-se nada restando dos projetos da casa e do jardim que, certamente, foram feitos por profissionais, pela sua qualidade estética, pelas soluções técnicas e construtivas, mas também, pela sua durabilidade até ao século XXI.

Como escrevia Lusseau, em português, no ano de criação/inauguração da Quinta da Alameda, “Decerto que o gosto é indispensável, e um homem que o possua, um bom jardineiro, e mesmo um simples amador, sendo um pouco artista, atamancará razoavelmente um jardim; mas quando se tratar de uma área menos circunscrita chegar-se-á a concluir – na razão de 9 para 10 – que um homem que dispusesse de conhecimentos especiais teria evitado erros que não se haviam previsto” (Lusseau, 1878). E, realmente, no caso do jardim da Quinta da Alameda o terreno, o traçado do jardim, o sistema de águas, a exposição solar, as vistas e a relação com a quinta e a casa revelam uma longa prática profissional e uma mão de artista.

Jacintho Oliveira, o proprietário da Quinta tem sem dúvida capacidade financeira é um dado seguro e referido pelos escassos autores que dele falam e felizmente para a história do jardim – manda, tal como o Rei e a Rainha no palácio das Necessidades, pintar o seu jardim nos medalhões do seu salão nobre. Através da análise dos medalhões identificamos os espaços que ainda subsistem e aqueles que não se mantiveram.

Num primeiro medalhão vemos o tardoz do palácio, que é muito decorado e funciona como um pano de fundo do jardim, rico em estátuas, balaustradas e uma escadaria que marca o eixo de simetria e se abre sobre o jardim. De cada lado da escadaria foram pintados os canteiros de flores em geometrias rectas que seguem de perto as descrições dos açafates dos jardins floristas que Teresa Marques refere na sua pesquisa sobre a introdução do novo estilo francês no Porto (Marques, 2010). A quantidade de plantas em cada um dos canteiros laterais, mas também a presença de uma Araucaria ao centro de um deles, confirma esta composição florista, junto da casa, conforme o modelo do flower garden que Repton introduziu e que foi adoptada como elemento essencial da escola francesa nascida da Paris de Alphand. A araucária cresceu em simetria com outra ainda existente no jardim.

O segundo medalhão dá-nos uma perspectiva da cocheira, riquissimamente decorada na sua fachada e em seu redor, de novo canteiros de muitas flores. No canto da pintura, uma peça essencial para o jardim, o depósito de água que a descrição do Frei António Vieira refere como sendo o poço dos bois que atualmente serve o Jardim (e a Horta).

Esta construção, que ainda hoje existe, servia o propósito de levantar a água e criar a pressão suficiente para alimentar certos pontos do jardim como o repuxo do Relógio (“Ao centro erguia-se em plinto uma estátua de rapariga com uma alcofa de flores à cabeça e da qual saía um repuxo de água que atingia a altura de alguns metros. Ao fundo do Lago havia uma Roda de repuxos que a moviam e, no centro, outro outro repuxo principal que atingia a altura do mostrador do relógio”, Araújo, 1995), a cascata e o rochedo em espiral (“A Torre de Água tinha uma canalização de chumbo subindo em espiral de baixo para cima até dar a um terraço que a cobria. Aberta a água que vinha de um grande depósito na Quinta ou prédio rústico, da canalização em espiral o líquido brotava em dezenas de repuxos pela Torre.” Araújo, 1995).

O terceiro medalhão apresenta a fachada de aparato do Palácio e do corpo norte de rés-do- chão, viradas para o Largo da Luz, com grandes dimensões, ornamento e um gradeamento que a divide do espaço público. O portão lateral dava entrada na alameda rectilínea do Jardim, e virando à esquerda as carruagens chegavam à grande escadaria de entrada por trás do Palácio passando por baixo dela para atingir as cavalariças e a luxuosíssima cocheira.

Mais informação nos é dada pelo último medalhão que apresenta a Estufa de Plantas. De novo, canteiros de flores ladeiam a sua entrada, um lago com fonte e repuxo central do lado direito baixo da estufa, indicando um trabalho de hidráulica eficiente que é depois confirmado nas descrições feitas pelos Franciscanos após a compra que fizeram em 1941 e pelas fotografias que estes mantiveram no seu arquivo. A Estufa é uma peça de grande interesse ornamental e faz parte, como elemento decorativo, mas também funcional, dos jardins Vitorianos deste período. As estufas eram matéria de estudo e de patentes, que introduziam novos engenhos para as aquecer, para as abrir e para as decorar; e, de novo, Lusseau faz uma interessante resenha relatando as inovações de uma nova técnica em Paris relativa à estufa construída no estabelecimento do Sr. Duval, em Versailles, que ele visita para dar notícia em 1893 à Société Centrale d’Horticulture (Lusseau, s.d, p. 758-761), o que reflete o seu interesse por estes elementos do jardim. É graças à estufa de ferro da Quinta da Alameda onde temos a inscrição 1878 que fixámos uma data plausível para a construção do jardim.

O jardim de buxo geométrico que se encontra atrás do lago da Estufa, e que se confirma na sua simetria e traçado rectilíneo no mapa de Silva Pinto, é também um traço próprio do evoluir do jardim, no período Vitoriano, na Europa.

Da análise do jardim na atualidade, a peça mais marcante deste estilo de jardins da época Vitoriana é, sem dúvida, o rochedo artificial designado por rocaille ou rochedo de água com cerca de 8 m de altura que nasce de um lago em serpentina, decorado com bancos, um coreto-caramanchão e a gaiola de pássaros nas suas margens. Uma espiral parece subir por fora deste monte de rochedos de donde jorravam repuxos que o tornavam numa cascata de água. O Frei António Vieira informou que os canos que repuxavam água e que ele ainda viu a funcionar eram em chumbo e foram roubados deixando o rochedo seco para sempre.

Este tipo de rochedos e grutas artificiais são um objecto querido da época em que o jardim foi construído e sobretudo desenvolvem-se mais tarde em Portugal, quando principiam as construções em betão armado, em muitos parques e jardins estudados por Teresa Marques e feitos por Jerónimo Monteiro da Costa e Jacinto de Matos (Marques, 2008). Sobre as grutas artificiais e a forma de as construir, de novo Lusseau escreveu para o “Jornal de Horticultura Pratica”, publicitando um construtor destas estruturas, a Casa Geoffrey, em Paris, e explicando como se constrói este rochedo artificial, e os lagos que lhe servem de base (Lusseau, 1892, p. 178). Na Quinta da Alameda entra-se nesta estranha construção em forma de rochedo, por uma porta de castelo coroada com ameias e torreões, e descobre-se um salão redondo, de decoração mourisca, que teria uma fonte no chão, seguindo o ornamento e a composição islâmica. Por isso lhe chamam os Franciscanos a “Mesquita” e tudo foi recentemente restaurado retomando as cores originais, a luz coada por vidros de cor, e a abóboda dividida em oito gomos surpreendendo qualquer visitante pela raridade e pela integridade em que ainda se encontra. Pela antecâmara se volta a sair para o exterior ou se pode subir, por fora, na espiral do rochedo para um segundo piso onde uma sala com abóbada decorada de embrechados e bancos embutidos na parede se abre em frestas de rocailles para o exterior. Daí de novo se sobe em espiral para um terraço, rematado com pedras naturais, donde se vê a paisagem até à Serra de Odivelas.

A partir desta descoberta torna-se plausível associar a este jardim e ao seu traçado o jovem Henri Lusseau, que falava em 1898 de um jardim que construiu em Portugal, da exuberância da vegetação e deve recordar-se que foi ele também que, como nos informa José-Augusto França, que desenhou o palacete mourisco da Avenida da Liberdade para outro homem enriquecido no Brasil. Se Lusseau não desenhou a Quinta da Alameda, o exercício de a colocar no seu tempo e no seu estilo valeu a pena e não desqualifica a pesquisa que este jardim merece pois apesar de esquecido ele pertence claramente à expressão paisagística europeia do final de oitocentos.

Incluído na área de proteção da Zona Antiga de Carnide-Luz (v. IPA.00006114).

 

Texto de Inventário: Cristina Castel-Branco – 2018; Carlos Ribas – 2018.

Revisão: Cristina Castel-Branco – 2020.

 

Cerca do Seminário da Luz

(Consulta em 2018)
ARAÚJO, António de Sousa. – História do Seminário da Luz: achegas para o seu estudo. Itinerarium. Ano XLI, n.º 151 (jan-abril 1995).
CONSIGLIERI, Carlos et al. – Pelas freguesias de Lisboa: O termo de Lisboa (Benfica, Carnide, Lumiar, Ameixoeira, Charneca). Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa, Pelouro da Educação, 1993.
DURNERIN, Alain – De l’enseignement de l’architecture des jardins à celui de l’aménagement paysager. Champs Culturels. Ècole Nationale Supérieure du paysage de Versailles, nº17 (2004).
GRANDS travaux (Les) de la ville de Lisbonne (Portugal). Le Parc de la Liberté. La zone du Parc de la Liberté. Les nouveaux tramways, ascenseurs, omnibus. Tours: Impremerie Louis Dubois, 1896.
GUIA de Portugal: Generalidades Lisboa e arredores. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1924.
LUSSEAU, Henri. – A architectura dos jardins. Jornal de Horticultura prática. Vol. IX (1878), pp. 176 – 177.
LUSSEAU, Henri (raporteur) – Rapports sur une serre construite par M- Grenthe dans l’etablissement de M. Duval (Leon) à Versailles, p. 758-761 (tradução dos autores).
LUSSEAU, Henri – As instalações da Casa Godefroy em Pariz e o seu rochedo artificial. Jornal de Horticultura Prática. Vol. XXIII (1892).
MARQUES, Teresa. – Dos Jardineiros paisagistas e horticultores do Porto de Oitocentos ao modernismo. Lisboa: Instituto Superior de Agronomia da Universidade Técnica de Lisboa, 2009. Tese de Doutoramento (não publicado).
NEVES, Eduardo Augusto da Silva – Uma recordação Sebástica no Sítio da Luz. Olisipo Boletim Trimestral do ‘Grupo Amigos de Lisboa’, Ano XXI, nº 84 1958, Lisboa.
RIBEIRO, Luís Paulo. - Quintas do Conselho de Lisboa. Lisboa: Instituto Superior de Agronomia da Universidade Técnica de Lisboa, 1992. Dissertação de Mestrado (não publicado).
https://www.jf-carnide.pt/freguesia/a-freguesia/historia-e-curiosidades/
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