Palácio da Mitra de Santo Antão do Tojal

Lisboa | Loures

Palácio da Mitra de Santo Antão do Tojal

O Palácio da Mitra, também conhecido como Palácio dos Arcebispos, foi a antiga residência de verão dos Arcebispos, e depois dos Patriarcas de Lisboa, situando-se na freguesia de Santo Antão do Tojal, em Loures, que era então povoada por quintas e moradias de Verão. Exemplo disso são as quintas dos Condes de Castelo Melhor, de Valadares, do Duque de Lafões, do Correio-Mor, entre outras quintas de veraneio.

No lugar onde existira o antigo Palácio dos Arcebispos desde o séc. XIII, D. Tomás de Almeida (1670-1754), o primeiro patriarca de Lisboa, constrói, entre 1728 e 1732, o conjunto do palácio da Mitra que se organiza em torno de uma praça monumental barroca formada pelo Palácio da Mitra, Igreja com sua torre sineira e Palácio-Fonte da autoria do Arquiteto Italiano Antonio Canevari (1681-1764). O conjunto constitui um raro exemplo de "urbanismo" barroco em Portugal e engloba ainda um grande aqueduto vindo de Pintéus, a aproximadamente dois quilómetros de distância, que conduzia a água necessária à rega, aos jogos de água dos jardins e à vida doméstica no conjunto patriarcal, alimentando ainda a distribuição da água aos habitantes da aldeia através da fonte Monumental da praça (Palácio-fonte) e da fonte das Almas, erguida junto ao arco maior do aqueduto.

Os jardins, desenhados na mesma altura, tinham uma importante função de aparato tendo recebido visitas ilustres de D. Tomás como William Beckford (1760-1844) em 1794 que regista no seu diário: “Pelo fresco da tarde, atravessámos a aldeia do Tojal até ao palácio do Patriarca […] Depois de nos vermos refletidos por todo o lado em inúmeros azulejos, polidos como espelhos, alcançámos um imenso canteiro, ricamente atapetado de flores amarelas e vermelhas, a lembrar um tapete turco” ( Beckford, 1997, p.24).

As primeiras referências à quinta de Santo Antão do Tojal surgem sob a designação de Quinta de Pêro Martins e Quinta de Pêro Viegas, associadas a Domingos Anes Jardo (12??-1293), chanceler do rei D. Dinis, bispo de Évora (1284-1289) e bispo de Lisboa (1289-1293), que terá adquirido a quinta de Pedro Viegas (1180 -?), um nobre e Cavaleiro medieval.

Em  1289, o bispo Domingos Anes Jardo  é transferido de Évora para Lisboa pelo papa Nicolau IV, quando adquire a Quinta de Pêro Viegas a que terá feito referência  no seu testamento, datado de dezembro de 1291, e onde a tradição diz que terá erguido uma casa de férias, uma pequena capela e o esboço de um solar. Desde então a quinta fez parte dos bens da Patriarcal de Lisboa os quais foram nacionalizados em 1820.

Nada sabemos da Quinta até 1554, quando D. Fernando de Menezes e Vasconcelos (c. 1480-1564), 11º Bispo de Lisboa (1540-1564), realiza obras de reconstrução e restauro da igreja e edifícios então aí existentes, levantando um Palácio e um jardim para residência estival dos Bispos de Lisboa, obras depois concluídas por D. Miguel de Castro, protegido do Cardeal-Rei D. Henrique e  bispo de Viseu (1579-1586) e arcebispo de Lisboa (1586-1625).

A passagem da propriedade de cariz rural para uma peça erudita de arquitetura de arte de jardins barroca dá-se no séc. XVIII, pela mão de D. Tomás de Almeida, eleito Arcebispo de Lisboa em 1710 e elevado pelo Papa Clemente XI a primeiro Patriarca de Lisboa em 1716, e Cardeal em 1737. D. Tomás serve-se desta obra para marcar o seu prestígio pessoal utilizando a grandiosidade do traço de Canevari e a afirmação de poder que a decoração e o traço de um soberbo jardim concediam. Além do mais, e astutamente, D. Tomás ao assistir às frequentes visitas que o Rei D. João V fazia à sua obra de Mafra passando por Santo Antão do Tojal, prepara o seu palácio da Mitra para receber o Rei, aproximando-se assim intimamente do poder Real ao distrair o Rei no seu jardim. “Santo Antão do Tojal ficava na estrada que ligava Lisboa a Mafra, pelo que as obras empreendidas tinham, entre outros objetivos, dotar a antiga propriedade do necessário conforto para acolher o Rei, sempre que este aqui pretendesse descansar, durante o percurso entre a capital e o novo palácio-convento” (patrimoniocultural.gov.pt).

A primeira obra a ser ordenada pelo Patriarca D. Tomás terá sido o aqueduto construído entre 1728 e 1730, para abastecimento da propriedade, seguindo-se em 1730 a remodelação do palácio e da igreja e a construção do Palácio Fonte, tudo sob a batuta de Antonio Canevari.

A igreja vê então todo o seu espaço interno remodelado, sendo o seu interior revestido por azulejos e talha dourada. O antigo palácio é também acrescentado, passando de planta em L para planta em U, fechado à frente por um muro alto e largo, encimado por um terraço a partir do qual D. Tomás de Almeida podia passar do palácio à Sala das Bênçãos, na igreja, sempre à vista da população. Na fachada do muro, por baixo deste pátio, abre-se um imponente portão coroado pelas armas de família de D. Tomás de Almeida, que conduz ao pátio principal do palácio. No seu interior destaca-se a decoração das salas do piso nobre, revestidas a painéis de azulejo azuis e brancos atribuídos a Bartolomeu Antunes, a as figuras de convite representando criados de libré estrategicamente  posicionado na entrada do palácio e patamares de escada, que com gesto de boas-vindas, recebem as visitas que chegam, provavelmente executados por Nicolau de Freitas. São de destacar as estátuas de São Bruno, Rainha Santa Isabel e Imaculada Conceição mandadas esculpir em Itália em mármore de Carrara, presentes na fachada principal da igreja, de frente para a rua que dá acesso à povoação de Santo Antão. O chafariz monumental onde termina o aqueduto revela a sabedoria hidráulica e artística de Canaveri, concentrando em si uma intenção cenográfica e um enorme valor escultórico acentuado pela água que sai de várias bicas e de carrancas e cai em taças a diversos níveis, transformando o espaço numa praça de água verdadeiramente monumental.

Para além destes elementos, fazia parte do projeto o vasto jardim, continuação fundamental da residência patriarcal, que se abria para ele através de múltiplas janelas rasgadas ao longo do tardoz do palácio. Organizado em duas áreas distintas, o jardim tem uma área de produção e outra de recreio, utilizada por D. Tomás para receber no seu paço figuras ilustres, para além de vários nobres como o Conde da Ericeira e a família real. O jardim apresentava todos os elementos próprios de um jardim da sua época desenhado a pensar para o recreio.

Do conjunto das descrições setecentistas, a primeira a debruçar-se sobre os jardins de Santo Antão do Tojal é o inventário orfanológico de D. Tomás de Almeida, redigido aquando da sua morte, em 1754, onde se enumeram e descrevem os vários bens pertencentes à Mitra Patriarcal, incluindo uma descrição minuciosa de todos os elementos do jardim, que incluía: “Duas figuras de marmore pardo com seus pedrestais Vinte figuras de meios-corpos Vinte e dous vazos de pedra com seus pedrestais do mesmo Vinte e dous vazos azuis com seus pedrestais de pedra Vinte e nove vazos azuis que se achão nos alegretes e nos lagos pequenos e grandes Duzentos vazos cor-de-geso pequenos que se achão nos alegretes Dous leoins de pedra que estam nos lagos do jardim Dous tigeres de pedra que se achão nos tanques grandes do jardim Seis cains de pedra que estão pelas ruas do jardim Outo assentos de pedra que estão a roda dos lagos […]” (A.N.T.T., 1754, fl.  63-64).

No mesmo documento está ainda patente uma breve descrição de todo o jardim que nos informa do seguinte: “[...] fechandose todo este terreno de altos e grosos muros de pedra [...] repartindo-se [...] toda esta área em tres partes; na primeira que fica junto ao Paço, e o serca por dous lados mandou deliniar o delicioso jardim, ornado de muitos bustes, vazos de marmore, e outros de lousa todos sobre pedestrais, termos e socos tambem de marmore, alem de cais leoins e figuras que o fazem aprazivel com quatro lagos de repuxo com bordadura de pedra excelente, sendo os jardins e seus lavores executados com buxo por milhor vista nos quais se encontram várias figuras de cedros e ciprestres larangeiras, e outras arvores que os ornão; a segunda parte deste terreno he destrebuida em talhoins de orta perfilados com pes de murta rodeados de larangeiras em altura uniforme com arvores nos embocos das ruas elevadas em figuras de piramides, principia esta parte de terreno com dous grandes tanques de bordadura alta com que as ortas se fertelizam e termina em dous grandes ponbais redondos fechados de meia laranja com seu liternin que fazem fermozura agradavel ao terreno; a terceira parte se compõem de huma bem destrebuida lameda de arvores silvestres e de todos bem aceita, havendo nos topos das ruas direitas e das que atravessam as ortas muitos assentos de pedra de cantaria lavrada com respaldos elevados e neles de azulejo fino varios santos de devosam guarneçe-se o muro desta com huma boa latada de limoeiros que faz o passeio muito vistoso e agradável” (A.N.T.T., 1754, fl.  66-68v). Esta preciosa descrição, rara nos jardins de Lisboa, permite imaginar a riqueza do ornamento e a qualidade da manutenção e reconhecer alguns dos elementos que chegaram até nós.

Em 1820, os liberais nacionalizam todos os bens do Patriarcal de Lisboa, incluindo a quinta de Santo Antão do Tojal, com os seus avultados rendimentos, enquanto que os restantes bens da igreja só foram nacionalizados em 1834.  Em 1864, o conjunto foi adquirido por D. José Salamanca, famoso empresário relacionado com a construção dos caminhos de ferro em Portugal, que promoveu restauros sumários. Dez anos mais tarde a propriedade é vendida ao diplomata americano Horatio Justus Perry, marido da poetisa espanhola Carolina Coronado, que habitam na propriedade por vários anos. Após a morte do diplomata a propriedade passa por várias mãos e usos, sofrendo várias perdas, até ser comprada pela câmara Municipal de Lisboa em 1930 e classificada como monumento Nacional pelo decreto lei nº307662 de setembro de 1940, atualizado pelo decreto nº32973, de agosto de 1943.

Em 1948 é aqui criada a casa do Gaiato, pelo Padre Américo Monteiro de Aguiar. Nos primeiros anos as crianças recolhidas habitaram o palácio, sendo posteriormente construídas infraestruturas para as acolherem em parte das antigas zonas de cultivo. Hoje em dia a quinta funciona como uma unidade fechada e multidisciplinar dividida em duas zonas distintas: a área habitacional e dos equipamentos e a área da quinta de produção onde se cultiva a horta e o pomar. 

Desde 1961 que o conjunto tem sido alvo de várias obras de restauro que incluíram o restauro do chafariz (1961), obras de consolidação e recuperação do aqueduto (1978, 1994 e 2001), recuperação e adaptação da fonte monumental (1979), beneficiação das coberturas, interior e exterior do Palácio e igreja (1996-1998). O restauro e conservação dos jardins ocorreu em várias fazes entre 1997 e 2001, tendo-se focado principalmente no restauro das peças construídas que incluem dois pombais e os vários painéis de azulejos do jardim. Os grandes lagos “de repuxo com bordadura de pedra excelente” ficam por restaurar e a vegetação descrita também não foi objeto de restauro.

O jardim que existe hoje em dia, truncado por edifícios, não passa de uma sombra do grande jardim D. Tomás de Almeida, apesar de ainda se conservar aqui vários elementos de grande valor patrimonial e artístico.

A alameda principal, paralela à fachada Este do palácio, é limitada por muros baixos ornamentados com painéis de azulejos com desenhos de floreiras e banco de pedra curvos adoçados no muro, nos cruzamentos com outros caminhos. Esta alameda é rematada no seu topo por um banco de espaldar, apoiado no muro da propriedade junto ao palácio, no qual se encaixam as pedras que vão servir de moldura ao painel de azulejos policromos representando a Primavera inseridos dentro do encosto do banco. A partir da alameda principal partem duas outras, paralelas entre si, mas perpendiculares à primeira, cada qual marcada pelo respectivo tanque a meio e um pombal no topo. Existe ainda uma quarta alameda, paralela à primeira para este, onde corre a regadeira de pedra que em tempos conduziu a água que regava os talhões do jardim.

Os dois pombais de planta circular ao fundo do jardim têm uma porta encimada por uma janela com moldura em cantaria. A contornar a cornija, porta e janela encontra-se um conjunto de azulejos azuis e amarelos, decorados com elementos vegetais, grinaldas de flores e folhagens, pendentes e medalhões com bustos. Junto ao pombal sul, no topo do jardim, encontra-se um segundo banco com espaldar, imponente ponto de perspectiva do jardim, cujo encosto se encontra decorado com um painel de azulejos figurando Santo António e o Menino Jesus. Tanto os pombais como os painéis de azulejos encontram-se hoje em dia completamente restaurados.

Os tanques de perfil quadrangular, apresentam bordos contracurvados em cantaria e decorados exteriormente com painéis de azulejos azuis e brancos figurando grinaldas e pendentes de flores e folhagens, como não têm água, degradam-se muito com o tempo.

Classificado como Monumento Nacional na década de 60, hoje é conhecido como conjunto Monumental de Santo Antão do Tojal e classificado como Monumento de Interesse Público segundo a Portaria n.º 740-AH/2012, DR, 2.ª série, n.º 248 de 24 dezembro 2012.

Texto de Inventário: Ana Isabel Ribeiro Guerra – 1999; Maria Teresa Sousa – 1999.

Adaptação: Guida Carvalho – 2020.

Revisão: Cristina Castel-Branco – 2020.

Palácio da Mitra de Santo Antão do Tojal

(Consultada em 1999 2 Abril de 2020)
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Largo Félix da Silva Avelar Brotero, Santo Antão do Tojal