Cerca do Convento de Santa Ana da Ordem do Carmo / Quinta do Carmo
Lisboa | Sintra
Cerca do Convento de Santa Ana da Ordem do Carmo / Quinta do Carmo
O Convento de Santa Ana da Ordem do Carmo, também conhecido como Convento de Santa Ana de Colares fica situado na Serra de Sintra entre os lugares de Gigarós e Boca da Mata, e até 1834 foi um convento masculino cuja cerca e jardim apresentam interesse paisagístico. Localizado em zona rural, sobranceira à Vila de Colares, o convento é considerado como um património “escondido” na encosta da serra, sendo uma fonte de curiosidade até mesmo entre os sintrenses.
Hoje em dia, tal como nos apresenta o Conde de Juromenha em 1838, “Acha-se o Convento edificado em hum sítio ameno, em huma planície na raiz da Serra, e sobranceiro á Villa de Collares, cercado de frondoso arvoredo. Gosa ao perto da aprazível vista da varsea, casas de campo, pomares, e quintas revestidas de copados arvoredos, e mais longe de logares, e casaes, terminado o horizonte de hum tão variado e deleitavel painel o occeano, cujas vagas prateadas se estão vendo em distância quebrar naquellas praias” (Juromenha, 1838, pp. 160-61). Pode-se lá chegar “Seguindo a estrada que liga Monserrate a Colares, pela serra, e ao chegar à povoação da Eugaria, surge-nos uma estrada de calçada à esquerda. Tomando-a, passamos depois pela pequena povoação de Gigarós, entrando de seguida no bosque por uma estrada florestal. Cerca de umas centenas de metros adiante o caminho faz uma acentuada curva à esquerda, desaparecendo serra acima. À nossa frente, o portão principal da cerca do antigo Convento de Santa Ana do Carmo da Ordem dos Carmelitas Calçados.” (Manique, 2014, p. 5).
O Convento de Santa Ana da Ordem do Carmo foi o terceiro convento Carmelita fundado em Portugal, seguindo-se ao Convento de Moura fundado em 1251 por capelães dos militares de São João de Jerusalém que vieram para o Ocidente fugidos às invasões árabes na Terra Santa (Manique, 2014, pp. 6-7) e ao Convento do Carmo de Lisboa fundado em 1389 (atuais ruínas do Carmo).
A origem do Convento de Santa Ana remonta a Mestre Henriques, físico mor do Rei D. Duarte e um grande devoto da Ordem do Carmo em Lisboa, a quem o rei, a 14 de novembro de 1436, concedeu licença para iniciar a construção de um novo Convento da Ordem em Sintra. A localização apontada por Mestre Henriques para tal empreendimento terá sido o seu próprio Casal (de Miguel Joannes ou da Torre) nas imediações da povoação de Janas, cerca de cinco quilômetros norte da atual localização do Convento do Carmo, onde, ainda antes de morrer, mandou erguer uma capela que denominou de Oratório e foi a primeira habitação da comunidade religiosa carmelita em Sintra.
Após a sua morte em 1449, a propriedade passa para Gonçalo Pires Boto, procurador do provincial, que a entrega, em 1450, ao Convento do Carmo em Lisboa. No mesmo ano, Frei Constantino Pereira, sobrinho de D. Nuno Álvares Pereira, é eleito para fundar o novo convento no qual trabalha durante 7 anos. Todavia, como nos descreve em 1751 o frade Joseph Pereira de Santa Anna, o lugar do Casal da Torre em breve se mostrou inóspito, “assim pela esterilidade da terra, só própria de pão, e de gados, como pela falta de vizinhos, que se podessem aproveitar das doutrinas dos Religiosos (...) [e] por ser totalmente desabrigado [pois] nelle reinaõ com irreparavel furia os ventos, que saõ nocivos á saude” (Santana, 1751, II:96). Desta forma, após nova doação de terrenos por Sebastião Vaz e sua mulher Inês Esteves, Frei Constantino Pereira, abdica do Casal da Torre e transfere os seus esforços para a Boca da Mata, onde acompanhado pelo seu velho companheiro Frei João de Santa Ana e os outros religiosos constrói uma nova cerca e planta um jovem pomar enriquecido com várias árvores de fruto.
Não obstante a melhor adequação dos terrenos da Boca da Mata para a instalação do novo Convento, o abandono do Casal da Torre por parte dos primeiros monges, não deixou de levantar algumas questões eclesiásticas no que tocava à última vontade de Mestre Henrique, seu fundador. Desta forme, a 29 de novembro de 1542, os monges escrevem ao Papa Paulo III com o pedido de transferência das obrigações para com o falecido Mestre Henriques do antigo para o novo convento de Colares, mercê essa que lhes é concedida, ficando o novo Convento com a obrigação de celebrar as 35 missas ordenadas no testamento de Mestre Henrique.
Em 1508, Frei João de Santa Ana, antigo companheiro de Frei Constantino Pereira na fundação do convento da boca da Mata, é eleito provincial da ordem, passando as esmolas recolhidas em Sintra e Cascais, que até então iam para o Convento do Carmo de Lisboa, a irem para o Convento de Santa Anna. No ano seguinte, é confirmada a doação de 1474, do Casal da Torre ao novo Convento, pelo Papa Paulo III e pelo Geral Frei Pedro Ferrarense, reforçando-se assim as suas finanças. Entretanto, Frei João Namorado é eleito Vigário do novo Convento, o qual, com acesso aos novos fundos, consegue um significativo incremento das obras de construção.
Finalmente, em 1528, dá-se a sagração da igreja conventual pelo bispo D. Frei Cristóvão Moniz, como é testemunho a inscrição na base do cruzeiro que se encontra no jardim. Por esta altura, já o convento possuía um belíssimo pomar que, segundo Frei Joseph Pereira de Santana (1771), podia ser acedido “Descendo-se para a Cerca pela porta, que […] fica junto ao Refeitorio, antes que se entre nella, há hum largo passeyo na distancia de todo o Dormitorio do Poente, o qual passeyo vay acabar na porta chamada do carro. No meyo do muro, que neste sitio fica da parte do Poente, está huma grande porta, pela qual se entra para hum notável pomar fechado sobre si, cheyo de avores, assim de espinho, como dos melhores frutos, de que o Paiz he abundante. […] Corre este pomar pelo declive da Serra para a parte da villa, a contestar com a mata de Milides, vindo a acabar aonde nos primeiros anos esteve a primeira Ermida dedicada à Senhora Santa ANNA” (Santana, 1751, v. II, p. 127).
O sistema de rega é matéria de pormenorizada descrição deixando-nos antecipar um sistema hidráulico renascentista de grande interesse. Em 1556, é assegurado o abastecimento de água do pomar por Alvará do Rei D. João III que define que o convento deverá ter acesso à água vinda da serra dois dias “em cada semana, que saõ as segundas, e terças feiras”. A água era então armazenada num tanque que podia ser encontrado “deixando este pomar, e principiando a subir pelo restante da Cerca da parte Meridional, […] onde a dita agua, que vem da serra, se recolhe para se encaminhar por entre as arvores.” (Santana, 1751, v. II, p. 127). Este sistema de rega teve a importância de permitir aos monges parte do seu sustento “porque reservados os frutos, que (conforme o tempo) saõ precisos para a Communidade, e vendidos os mais, daõ para outras despezas.” (Santana, 1751, v. II, p. 127).
A água para consumo dos próprios monges era, por outro lado, assegurado por uma “perenne fonte de agua nativa […] na vizinhança do mesmo tanque […] da qual em todo o anno sem nunca faltar, bebem os Religioso.” Os mesmos diziam que esta fonte era abençoada com propriedades contra a pedra e orgulhavam-se de dela ter bebido ElRey D. João V (1689 – 1750) o qual terá gabado a sua qualidade (Santana, 1751, v. II, pp. 127 - 128).
Apesar da sagração da igreja ter-se dado em 1528, as campanhas de obras de maior envergadura de edificação do convento iram tomar parte apenas durante o decorrer do séc. XVII, através da intervenção e patrocínio de D. Dinis de Melo e Castro natural de Colares, uma figura proeminente do seu tempo, doutorado em direito canónico pela Universidade de Coimbra, bispo de Viseu, Leiria, Guarda e Regedor das justiças do reino. Em 1612, D. Dinis de Melo e Castro obtém para si e para os seus herdeiros o padroado hereditário da capela-mor da igreja conventual, que se torna numa espécie de panteão familiar. Aqui são sepultados D. Pedro de Castro, Alcaide-mor de Melgaço e D. Beatriz de Melo e Castro, Fr. Manuel de Melo, D. Francisco de Melo e Castro, D. Beatriz (1638), D. António de Melo e Castro, Vice-rei e Governador da Índia (m. 1689) e D. Caetano de Melo e Castro, Vice-rei da Índia (m. 1718). O próprio D. Dinis de Melo e Castro, falecido a 25 de dezembro de 1640 foi sepultado na igreja.
É nesta época, concentrada na primeira metade do séc. XVII, que se dá a campanha de quase total reedificação do convento, construindo-se então a capela-mor e os dois claustros que, segundo Frei Joseph Pereira de Santana (1771) vieram a ser adornados com plantas e até mesmo um jardim. De acordo com o seu testemunho, o primeiro claustro seria “perfeitamente quadrado, com boas colunas de pedra, que cercão algumas arvores de espinho”, por seu lado, o “segundo Claustro, que em comparação do primeiro he mayor, mais alegre, e mais regular. Tem colunas de pedra bem lavradas entre distintos arcos, sobre cada hum dos quaes há huma janella rasgada: e como por este modo vem a ser muitas em numero, formaõ nos quatro lanços das varandas fermosa galeria. Nesta descuberta quadra entre os arcos se lavrou um jardim, em que se plantaõ muitas flores sobre curiosos alegretes. No meyo há hum chafariz, pelo qual com algum artificio corre a agua, que se participa de um dos tanques da cerca” (Santana, 1751, v. II, pp. 127 - 128).
Em 1743, é executada a construção do encanamento de água que irá permitir o usufruto da água de uma nascente serrana, descoberta junto à cerca conventual e concedido aos frades do Convento de Santa Anna, já em 1605, por Filipe II (1578 – 1621) de Portugal. De acordo com Frei Joseph (1771) “ainda que com tanta felicidade nos foy logo concedida aquella mercê; com tudo passaraõ-se mais de cem annos, sem que o Convento tivesse meyos de poder introduzir na Cerca aquella abundância de agua, em que já tinha domínio.” A obra foi logo terminada em 1743, pela mão de Frey Joseph dos Santos, que antes de se juntar à irmandade tinha sido pedreiro. Com a nova disponibilidade de água passou a ser possível regar toda a cerca, que passou a ser toda ela cultivável.
Para armazenar a nova grande quantidade de água que chegava ao mosteiro foi mandado construir o “fermosissimo tanque novo […] sendo Provincial, O Padre Mestre Frey Filippe de Santa Theresa […] He este tanque de taõ considerável grandeza, que cabem no seu vaõ mais de novecentas pipas de agua. Porém sendo pela grandeza memorável, ainda se faz mais plausível pelo primor da sua elegante figura. Em torno do lago há distancia bastante para passeyo, sobre pavimento lageado, com assentos também de pedra fixos em paredes, que se levantaõ da banda do Setentriaõ, Nascente, e meyo dia. Todas saõ guarnecidas com quartelas, e se erigiraõ taõ altas, para que no tanque, até na mayor força da calma, se ache sombra. A água corre precipitadamente para o lago pela boca de hum grande Delfim feito de mármore; sendo esta óbra em tudo taõ magestosa, que comparado o tanque com os mais famosos daqueles distritos, compete na grandeza com os mayores, e nos primores do artificio nenhum o excede.” (Santana, 1751, v. II, p. 128).
Após a extinção das Ordens Religiosas em 1834, por promulgação do então Ministro dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça, Joaquim António de Aguiar, o convento e todo o seu recheio tornam-se posse do Conde Leão de Clarange Lucotte, passando depois para a posse do Conde de Lavradio, D. Francisco de Almeida Portugal, cunhado do marquês de Sabugosa.
Por volta de 1849, a quinta do conde de Lavradio acolheria Alexandre Herculano, o poeta Bulhão Pato e D. António Maria José de Mello da Silva César e Menezes, 3º marquês de Sabugosa.
O Convento apresenta uma planta em L, de cariz irregular, com uma igreja de planta longitudinal, nave única e cobertura em abóbada de berço. As dependências conventuais, nas quais se incluem os dormitórios, a cozinha e o refeitório estão organizadas longitudinalmente, em torno de dois claustros descritos anteriormente. É de destacar a presença do Jardim de Santo Alberto de Jerusalém, ao qual se tem acesso a partir de uma porta localizada na sala que dá também acesso à Cozinha e ao Refeitório. “Aqui iremos encontrar a figura do santo, patrono da Ordem do Carmo, sobreposto a um tanque de grandes dimensões, parecendo abençoar as águas que aí se despenham e terminam o seu curso. Próximo a uma porta com lintel de desenho manuelino, um painel de azulejos do século XVIII".
Junto ao tanque, uma fonte, – possivelmente um antigo ermitério –, abobadada e com azulejos de figura avulsa, também estes de tipologia idêntica aos surgidos em meados do século XVIII. E como refere Juromenha, a pouca distância desta fonte “ha huma Ermida antigamente dedicada a Santo Alberto Drepanense.” (Manique, 2014, p. 52).
Segundo Frei Joseph (1771), mesmo antes da construção do jardim este era já um local de repouso dos monges que costumavam passear junto de “[…] huma pequena Ermida, que foy dedicada ao nosso glorioso Santo Alberto Drepanense: e por esta parte se encontram muitas arvores de boa sombra, onde os Religiosos, depois de satisfeitas as obrigações da Comunidade, vaõ buscar algum alivio, para melhor continuarem os seus quotidianos exercícios.” (Santana, 1751, v. II, p. 128).
No jardim existe também um cruzeiro, conhecido como a “A Cruz Mutilada” com diversas inscrições, de onde se destaca a inscrição da sagração da igreja. Este cruzeiro, utilizado como marco divisório de propriedades durante muitos anos, encontra-se hoje na sua terceira colocação. Aquando da sagração da igreja Conventual em 1528 pelo bispo D. Frei Cristóvão Moniz, o cruzeiro terá sido trazido da parte extrema da propriedade, junto ao primitivo Oratório, e colocado diante do adro da referida Igreja. Pensa-se que por volta dos anos 50’s terá sido movida para o Jardim de Santo Alberto. (Manique, 2014, p. 53).
A propriedade pertence hoje em dia a privados de nacionalidade Americana que tem cuidado do jardim e cerca respeitando as regras da sua classificação como Imóvel de Interesse Público, segundo o Decreto n.º 5/2002, DR, 1.ª série-B, n.º 42 de 19 fevereiro 2002 *1. Está também incluído na Área Protegida de Sintra – Cascais.
Autor: Guida Carvalho – 2020.
Revisão: Cristina Castel-Branco – 2020.
Cerca do Convento de Santa Ana da Ordem do Carmo / Quinta do Carmo
(Consultada em Março de 2020)
BINNEY, Marcus – Country Manors of Portugal. Lisboa: Difel, 1987. p. 42.
GUIA de Portugal: Generalidades Lisboa e Arredeores I. Lisboa [S.l.] : Fundação Calouste Gulbenkian, 1979. Vol. 1. p. 551.
JUROMENHA, Visconde de. – Cintra Pinturesca. Sintra: C.M. Sintra, 1989, pp. 159-167.
MANIQUE, André. - O Convento de Santa Ana de Colares: Um Convento da Ordem do Carmo na Serra de Sintra. Sintra: Inédito, 2014.
PEREIRA, Artur D.; CARDOSO, Felipa Espírito Santo; CORREIA, Fernando Calado. – Sintra e suas Quinta. Sintra: Edição dos Autores, 1983, p. 34.
SANTANA, José Pereira de, (1696-1759) – Chronica dos Carmelitas da antiga, e regular observancia nestes reynos de portugal, algarves e seus dominios. Tomo 2. Lisboa: Officina dos Herdeiros de Antonio Pedrozo Galram, 1745-1751.
http://www.monumentos.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=6111
http://www.patrimoniocultural.pt/pt/patrimonio/patrimonio-imovel/pesquisa-do-patrimonio/classificado-ou-em-vias-de-classificacao/geral/view/73573