Quinta da Fonteireira
Lisboa | Sintra
Quinta da Fonteireira
A Quinta da Fonteireira está localizada em Belas, concelho de Sintra. Até meados do século XIX, Belas era um domínio senhorial sujeito ao Senhor de Belas, conhecida pela sua riqueza em água, sendo aqui que tem origem o início do Aqueduto das Águas Livres em 1713. A quinta localiza-se em plena Serra da Carregueira, entre colinas, numa vertente fértil e inclinada que levou à sua configuração e distribuição em patamares, onde se distribuem os jardins, o antigo laranjal e a zona agrícola. Nas zonas mais declivosas predominam a floresta e matas variadas, dentro das quais se destaca o Pinheiro e o Eucalipto, introduzido na década de 50/ 60. A Quinta é ainda atravessada pela ribeira de Belas, afluente do Jamor, que alimentava parte do seu sistema hidráulico.
Hoje em dia a quinta mantem 15 hectares, dos seus cerca de 350 hectares originais, mantendo-se cercada com o seu jardim. A parte restante é hoje um empreendimento residencial de lotes conhecido por ‘Belas Clube de Campo’. Na sua envolvente destaca-se a presença da Quinta do Bonjardim, hoje monumentos de interesse público e a Quinta das Águas Livres onde se iniciava o aqueduto.
Em 1525 foi atribuído o primeiro título de propriedade da Quinta da Fonteireira a Álvaro Pires Serrador, como o testemunha um painel de azulejo que contêm o nome dos proprietários da quinta e data de vigência. Esse título dependia dos senhores de Belas (Stoop, 1968, pp. 194-197), responsáveis pela jurisdição dentro do “conselho”. Durante dois séculos a quinta foi passando pela mão de vários proprietários até chegar a Gregório Raimundo Vieira, no ano de 1710, sendo-lhe atribuída a construção da “casa sobranceira à ribeira” (Stoop, 1968, p. 194), uma Casa de Fresco localizada junto dos terrenos agrícolas utilizada como espaço de lazer e convívio entre fidalgos nos dias mais quentes de verão. A criação deste novo espaço veio trazer um novo tipo de uso à quinta, que deixou de ser um espaço exclusivamente rural dedicada à produção de manteiga, para ser também um espaço de recreio.
Segundo Anne de Stoop, conta a tradição que, durante a época dos Vieira, a Quinta da Fonteireira abrigava a amante do rei D. João V, Luísa Clara de Portugal, também conhecida por “Flor da Murta”, que a visitaria nas suas idas e vindas de Mafra, onde amparava as obras do palácio-convento.
No final do século XVIII, a quinta da Fonteireira é vendida a David H. Meuron um fidalgo suíço, e em 1842 é comprada por Domingos Pinto Basto, diretor da fábrica de porcelanas Vista Alegre, fundada em 1824 pelo seu pai, José Ferreira Pinto Basto (Stoop, 1968, pp. 194-197), um comerciante próspero e capitalista pioneiro em Portugal. Mais tarde, a quinta é herdada por Eduardo Ferreira Pinto Basto, sobrinho de Domingos, também ele capitalista e liberal, razão pela qual viveu e educou os seus filhos em Inglaterra, devido a divergências políticas. Os filhos, Guilherme, Eduardo e Frederico, trouxeram inúmeros desportos para Portugal, com especial destaque para o futebol, cujo primeiro jogo aconteceu na Quinta do Bonjardim, do amigo Marquês de Borba, em 1888 (Stoop, 1968, p. 195). Em 1916, a quinta passa para o filho do meio, Eduardo, grande apreciador e colecionador de arte, que decide reestruturar a casa, convidando o arquiteto Raul Lino para a projetar.
Raul Lino, conhecido por combinar o estilo tradicional português com as correntes europeias emergentes no início do século XX, foi o criador do movimento “Casa Portuguesa” que defendia uma arquitetura nacional centrada na ruralidade e necessidades regionais e na sua integração na paisagem tendo aplicado este princípio na Quinta da Fonteireira.
Originalmente, a casa tinha um aspeto simples e rural, de “linhas sóbrias” de acordo com a vivência da quinta até então, com a intervenção de Raul Lino, a casa passa a ser um palacete imponente espelhando o estatuto do seu novo proprietário. Além do acrescento das galerias e lógias, pisos superiores, telhados rematados rebocos em azulejo (grande parte do século XVII e XVIII), e muitos outros detalhes que vieram adornar a casa, é ainda desenhado um belíssimo jardim, em 1925, em terrenos adquiridos por Eduardo à Quinta de Belas onde antes só existiam matos.
Hoje em dia chega-se à Quinta da Fonteireira através da estrada nacional (N117), que dista 1,5km do centro de Belas. Ao chegar à quinta encontramos um terreiro de acesso com um tanque ao fundo e um muro com namoradeiras a Este, decoradas a painéis de azulejos azuis e brancos. O tanque, de estilo Barroco, possivelmente do séc. XVII, encontra-se decorado e embrechados e possui uma fonte em forma de cabeça de uma criatura marítima. O jardim, criado pelo arquiteto Raul Lino, é o principal foque da quinta, estando organizado em patamares que descem a encosta para Sudeste perpendicularmente à casa. O terreiro corresponde ao primeiro patamar do jardim de onde se desfruta de uma vista privilegiada sobre a paisagem envolvente. Um segundo eixo de patamares desce a encosta paralelo ao primeiro a Nordeste, com início na fachada Este da casa principal e terminando num antigo tanque de armazenamento de água adaptado a piscina.
Os dois patamares superiores encontram-se decorados com canteiros ladeados a buxo, cada qual com um lago ao centro, sendo que um deles, de formato quadripartido, ainda apresenta um desenho muito semelhante ao original – os restantes patamares foram reconvertidos a relvado ladeado por buxo. Entre os patamares podemos encontrar caminhos em calçada portuguesa, com escadarias de pedra. Em todo o jardim é possível verificar uma grande variedade de estátuas originalmente colecionadas por Eduardo Basto. Recentemente, um dos patamares inferiores foi reconstruído para a instalação de uma piscina para usufruto da família e hóspedes. Este patamar possui uma calha de água abastecida por uma fonte em forma de peixe, elementos esses movidos do tanque adjacente à Casa de Fresco setecentista.
A Este do patamar da piscina encontramos uma fonte acompanhada por uma zona de estar com vista para a ribeira de Belas e para os campos agrícolas. Esta fonte era abastecida por aqueduto já desativado e era utilizado para lavar a roupa.
Na área traseira à casa, um grande terraço aberto sobre o vale e rematado a namoradeiras revestidas a azulejo é uma construção traçada por Raul Lino. Daqui têm-se uma ampla vista sobre a antiga área agrícola, casa de frescos e área florestal. A norte do terraço, existe uma alameda de árvores pavimentada a saibro que leva ao campo de ténis e às casas de apoio da quinta. Seguindo a alameda, chega-se a um cruzamento entre dois caminhos, o primeiro leva de volta às traseiras onde estão as casas de apoio, o segundo desce até à ribeira e por ele também se chega à casa de fresco.
A área de entrada é composta por dois pilares encimados por uma trave a marcar uma área de passagem, um grande tanque de armazenamento de água, e uma nora, outrora usada para regar os campos. O tanque é decorado com azulejos policromáticos do século XVII e XVIII (azul, amarelo, verde, branco e manganês), incluindo um painel de azulejos com a representação do episódio do “Sermão de Santo António aos peixes”. A acompanhar este painel, existiu outrora uma fonte de pedra em forma de peixe no centro do tanque, que se encontra hoje no patamar piscina.
Prosseguindo caminho para norte, encontramos novos indícios de buxo e alguns exemplares de camélia junto a uma segunda área de entrada composta por dois pilares de 4 metros de altura e uma escadaria que nos leva para o interior da casa de fresco, um espaço amplo e imponente a céu aberto com alguns sinais de degradação. A sua estrutura possui três paredes, sendo que a central é composta por dois nichos com cerca de dois metros de altura para estatuária, que foi retirada para o jardim principal. Por entre os dois nichos encontramos uma cascata em rocaille com um pequeno lago de pedra alimentado por um aqueduto. Toda a estrutura se encontra revestidas a embrechado de porcelana e concha formando diversos padrões. Existem ainda vestígios de rodapés de azulejo e esculturas embutidas nas paredes envoltas em molduras estilo rocaille, as quais se podem atribuir a meados do século XVIII.
O patamar superior, onde chega o aqueduto, acede-se por uma escadaria decorado a azulejos de 4 cores (azul, manganês, verde e amarelo) do século XVII / XVIII. O patamar superior é uma espécie de promontório com bancos de onde se pode aproveitar uma vista privilegiada sobre a casa e a ribeira adjacente.
O abastecimento de água para rega do jardim, pomares de laranjeiras e hortas, abastecimento da casa de frescos e funcionamento dos jogos de água era assegurada por um aqueduto, neste momento desativado, que acompanhava a linha de festo da Tapada do Grilo, abastecido por várias minas de água. Ao longo da antiga zona de pomar e orta existem ainda três noras, uma junto à entrada da Casa de Fresco, outra em frente ao pátio com tanques onde se lavava a roupa e a terceira adjacente à ribeira de Belas. Hoje em dia a Quinta da Fonteireira não utiliza nenhum destes sistemas de água, recorrendo a água da companhia.
Texto de Inventário: Marisa Sousa – 2018; Maria Luísa Garcia – 2018; Michal Kuras – 2018.
Adaptação: Guida Carvalho – 2020.
Revisão: Cristina Castel-Branco – 2020.
Quinta da Fonteireira
(consulta em 2018 e Maio de 2020)
FERNANDES, R.S – A casa de Santa Maria em Cascais: Especificidades de um património arquitetónico e artístico. Lisboa: Universidade de Letras, 2007. Dissertação de mestrado (não publicada).
STOOP, Anne – Quintas e Palácios nos Arredores de Lisboa. Porto: Livraria Civilização, 1999.
http://www.monumentos.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=22661