Cerca do Mosteiro de Alcobaça
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Cerca do Mosteiro de Alcobaça
O Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça encontra-se na região da Alta Estremadura, no centro da cidade de Alcobaça. Fica situado num vale, rodeado por suaves colinas e a Serra d’Aire no horizonte, numa zona de aluvião, na confluência do Rio Alcoa com o Rio Baça. Atualmente, a cerca tem uma área murada com cerca de 6 ha.
Trata-se de um convento cisterciense pertencente à Ordem de Cister fundada por São Bernardo, em que a respetiva Carta de Couto é datada de 8 de abril de 1153. É uma comunidade religiosa masculina que seguia a sua vida monástica segundo a Regra de São Bento, que afirmava a pobreza, a caridade e o trabalho manual. O Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça foi mandado erguer pelo rei D. Afonso Henriques (1109?-1185), depois da conquista de Santarém, como forma de garantir a ocupação das terras. Por outro lado, a conquista de Santarém trouxe a segurança indispensável para a transformação e desenvolvimento do couto doado, que por ação dos cistercienses, viu a sua paisagem completamente transformada. A instalação da aldeia cisterciense medieval é feita, em geral, num território caracterizado por vales florestados e solos com aptidão agrícola, em situação de aluvião, longe dos povoados e do ruído humano. São igualmente condições, a existência de água corrente abundante e potável e a disponibilidade de matérias-primas para construção e combustível (pedra e madeira). O mosteiro começou a ser construído em 1178, mas só em 1223 é que os monges se instalaram. O conjunto monástico era delimitado por uma cerca que, tal como a Regra dita, tinha como função a clausura do mundo exterior. Todos os edifícios do mosteiro, incluindo as granjas e jardins, deveriam, pois, estar delimitados por uma cerca, geralmente construída de tijolo ou pedra. Igualmente, a proximidade à água era considerada um critério importante na escolha do lugar, não só pela questão dos usos e de sustento às necessidades básicas dos monges, mas como um elemento simbólico. Na cerca os monges cultivavam os campos, guardavam os rebanhos, extraÍam o ferro e instalaram as primeiras indústrias do país. Desbravaram as charnecas, enxugaram os pântanos. Plantaram diversos tipos de culturas, tanto hortícolas como frutícolas. Os conhecimentos eram passados pelos mestres das granjas às vizinhanças, num permanente contacto e troca de saberes entre todos. O grande desenvolvimento ocorreu por meados do século XIV, caracterizado por ser um período de prosperidade e tranquilidade, em que se desenvolveu muito a atividade intelectual, tornando a biblioteca da abadia um dos maiores centros culturais do Portugal à época. Começou durante o reinado de D. Pedro I (1357-1367), grande amigo do mosteiro, que mais tarde viria a ser sepultado na abadia, juntamente com D. Inês de Castro, até ao reinado de D. João I (1385-1433). Em 1567, o Cardeal-Infante D. Henrique obteve do Papa a independência da ordem cisterciense portuguesa, criando-se uma Província autónoma. Após a expulsão dos espanhóis, devolvendo a independência a Portugal, o rei D. João IV concedeu à abadia novos direitos e privilégios. Após a extinção das ordens religiosas em 1834, o mosteiro foi nacionalizado, destinando-se a quartel, ou a acolher qualquer outro serviço da administração pública. Grande parte de edifícios ou salas desocupadas tornaram-se ruína. Na segunda metade do século XX, foram iniciadas obras de restauro, mas que não devolveram o esplendor do mosteiro no seu apogeu. Durante sete séculos, os monges cistercienses ocuparam as áreas envolventes ao mosteiro, que correspondia à cerca. Mesmo depois da sua saída, o mosteiro continuou a influenciar a transformação da paisagem envolvente, na medida em que a sua imagem manteve relações próximas com a comunidade, mas não impediu a modificação dos espaços mais próximos ao mosteiro: as atuais praças 25 de Abril (o Rossio), D. Afonso Henriques e a da República, mas também na relação com o núcleo urbano. Durante os séculos XVI e XVII, o Cardeal D. Afonso, filho do rei D. Manuel, tomou a decisão de alterar os limites da cerca, passando a mesma a ter como fronteira a fachada principal do mosteiro, expandindo-se para nascente e retraindo-se para poente. Esta mudança permitiu o crescimento urbano, definindo duas áreas distintas: a vila e a área do mosteiro.
A cerca monástica é apenas acessível pelo mosteiro ou por um portão exterior de acesso no limite norte. O espaço é percorrido pelo campo aberto, sem delimitação de caminhos. A partir do acesso pela abadia, chega-se ao patamar superior da cerca, no antigo Jardim das Murtas. Aqui, o nosso olhar é imediatamente direcionado para as espécies arbóreas de uma coleção botânica do séc. XIX, constituída por bons exemplares de cedros (Cupressus sempervirens), figueiras (Ficus carica L.), freixos (Fraxinus angustifolia Vahl subs.angustifolia), loureiros (Laurus nobilis L.) e olaias (Cercis siliquastrum). Este jardim, era um dos mais artísticos do mosteiro. A capela da Nossa Senhora do Desterro, de arquitetura barroca, situada neste jardim junto do mosteiro, tinha um jardim arborizado de cedros, murtas, flores e plantas aromáticas, com bancos corridos de mármore. Daqui, olhando para norte e para este, é notável a dimensão da cerca. Aqui, no ponto mais alto da cerca, ao olhar para este, com a Serra d’Aire no horizonte, é ainda possível observar resquícios de antigos campos agrícolas e a presença de árvores de fruto. A partir deste patamar do Jardim das Murtas, pela escadaria dupla barroca desce-se até ao Jardim do Obelisco. Este, originalmente, de desenho barroco, onde regrava a simetria, era caracterizado por alamedas de chorões, acácias e cedros, e jardins cheios de plantas e flores. É notória ainda a presença de alguns elementos, apesar de que grande parte das espécies de plantas referidas já não estarem presentes. Ao centro deste jardim, encontra-se um lago oval que ostenta no seu interior um obelisco com figuras míticas representadas. É de notar que, ao longo do muro que diferencia os dois jardins principais da cerca, corre uma latada que entra pelo mosteiro, de momento desativada, por onde a água que vinha do rio Alcoa corria e alimentava todo o sistema hidráulico do mosteiro. Ao longo da latada, subsistem três pequenas fontes barrocas, de pedra decorada, com azulejos originais de cor verde-azulado, e uma bica com motivos naturalistas.
O mosteiro é constituído por cinco claustros, sendo três os principais: Claustro D. Dinis, Claustro do Cardeal ou dos Noviços e o Claustro da Biblioteca, do Rachadouro ou das Amoreiras. O acesso aos claustros do mosteiro é feito junto à entrada principal por uma porta à esquerda que dá acesso para a Sala dos Reis. Ao sair desta sala, entramos no Claustro de D. Dinis, local de passagem para todas dependências do mosteiro, mas também um espaço de leitura e meditação. Este, com 900 m2, foi construído no reinado de D. Dinis, e concebido por Domingo Domingues e Mestre Diogo, em estilo gótico. Todo o claustro é abobadado, com arcos torais e ogivas, acompanhando a assimetria do edifício. É dividido em quatro secções, delimitadas por sebes de buxo, que no interior, contém árvores de fruto, principalmente, laranjeiras. Subindo até aos dormitórios, no segundo andar, é possível observar o Claustro do Cardeal ou dos Noviços, com 2400 m2. O nome deve-se ao Cardeal Infante D. Afonso, filho do rei D. Manuel, rei que deixou muitas obras feitas no mosteiro. O desenho dos seus jardins tem influência barroca, traços lineares e marcação de eixos, através do trabalho com a vegetação e jogos de vistas. O claustro é atravessado por uma levada, que provém da derivação do rio Alcoa a montante da cerca e a atravessa até chegar a este claustro, cruzada por uma ponte e marginada por quatro grandes canteiros irregulares, esquartelados e centrados por tanques elípticos de cantaria. O Claustro da Biblioteca ou do Rachadouro é um terreiro de 3600 m2 contornado por amoreiras (Morus nigra sp.) e ao centro um poço. De momento, este claustro não está acessível ao público. Estes dois claustros são mais tardios, uma referência da expansão do mosteiro feita a partir do séc. XV.
Monumento Nacional
Inventário: Mariana Tomé, adaptado e com novo texto a partir de TOMÉ, Mariana – Estudo da presença da Ordem de Cister em Portugal e a sua relevância para a Arquitetura Paisagista. Caso de estudo: Real Abadia de Santa Maria de Alcobaça. Dissertação de Mestrado em Arquitetura Paisagista apresentada ao Instituto Superior de Agronomia da Universidade de Lisboa, orientadores: Prof.ª Doutora Sónia Talhé Azambuja e Prof. Doutor Virgolino Jorge. Lisboa: [s.n.], 2016. URI: http://hdl.handle.net/10400.5/12097
Revisão: Sónia Talhé Azambuja, março 2020.
inserido na ROTA DO LITORAL CENTRO
Cerca do Mosteiro de Alcobaça
(consultada em março de 2020)
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