Casa de Bertiandos

Norte | Ponte de Lima

Casa de Bertiandos

Quinta murada com cerca de doze hectares, de configuração rectangular, arroteada na várzea do Lima no séc. XVIII, cujo assento de lavoura se desenvolveu em torno de uma grande casa senhorial que tem como apanágio uma torre quinhentista emergente no centro do conjunto edificado.

A fachada principal da casa está volvida a sul, ao próprio rio, com o qual comunicava por uma alameda de carvalhos, iniciada num ancoradouro fluvial onde se embarcava o vinho e o grão para os portos de Darque e de Viana. Daí a localização estratégica do enorme celeiro, com as suas tulhas. Outro edifício relacionado com a exploração agrícola merece também, pela sua invulgaridade, particular referência – o estanca-rios. De planta circular e dimensão avantajada, fica junto à margem do rio, em local onde se represava parte da corrente, sendo a água elevada por um sistema de rodízios movido por tração animal até ao ponto mais alto da quinta, a partir do qual a irrigação se fazia por gravidade. Contemporâneo deste regadio será a atafona construída no eido da casa, que fornecia água potável para a actividade doméstica. As cavalariças, as cocheiras, as lojas, os currais e os galinheiros, as eiras e os canastros, os tanques, as fontes e o pombal (privilégio da alta hierarquia militar) constituem o edificado rural e distribuem-se na periferia de um vasto terreiro no tardoz da casa. Numa ponta e sombreando o vasto terreiro, uma monumental magnólia (Magnolia grandiflora) com mais de duzentos anos de idade. Nos baixos da casa ou a ela anexas ficavam ainda, com as arrecadações e despensas, as adegas e lagares, estes presididos por uma tribuna onde se contavam as pipas. Tudo como em qualquer outra casa do Alto Minho, mas com uma escala e profusão que testemunham bem as pingues rendas que Bertiandos colhia em quasi todas as freguesias da província.

É muito interessante a constituição e a evolução do património fundiário desta casa, que teve a sua origem na antiga quintã de Bertiandos, vinculada por D. Inês Pinto em 1548, seguindo duas linhas na descendência de seus filhos, que haveriam de se juntar de novo, já no final do séc. XVIII. Na sua sucessão, ao longo de oito gerações numa, e nove noutra, foram-se anexando muitos morgadios com bens dispersos por todo o país e até nas ilhas. Só na Província de Entre Douro-e-Minho, não havia município onde a casa não possuísse uma mão cheia de propriedades que andavam arrendadas ou emprazadas, com pensões, rendas e foros que atulhavam os celeiros e as adegas das inúmeras quintas arroladas no tombo de Bertiandos. O património era administrado localmente por feitores e procuradores nomeados, que prestavam contas regulares à administração central na própria Casa de Bertiandos. Esta organização está profusamente documentada no arquivo da casa, na correspondência e nas conta-correntes, revelando a eficiência da administração de Damião Pereira da Silva de Sousa e Meneses e depois da de seu filho, o 1º Conde de Bertiandos, entre os finais do século XVIII e meados do século XIX.

Foi nesta época, quando os senhores da casa foram donatários da então criada vila de Bertiandos, que se reestruturou a quinta, numa continuidade extensiva e circunscrita, com autonomia funcional, que ficou conhecida por Quinta Nova e que assim se manteve, com alguns ajustamentos, até aos dias de hoje.

Esta reestruturação acompanhou de perto a reformulação do próprio edificado, que até então se constituía em duas casas distintas, cada uma delas cabeça do respectivo morgadio e que, por casamento daquele Damião Pereira com sua prima D. Maria Angelina Senhorinha Justa Pereira Forjaz de Eça Montenegro, se adaptou a uma só moradia , com a execução das obras necessárias para formalizar a integração. Alguns anos mais tarde surge, em toda a sua extensa frontaria, um rebuscado jardim formal, com canteiros de buxo e arborização exótica, desenhado pelo insigne médico local Dr. Pereira de Freitas. Jardim que perdeu a sua intimidade com a devassa da estrada nacional que imprudentemente se abriu rente e separou a casa da envolvente que durante séculos foi o seu complemento natural – a veiga e o rio. Perdida a sua razão de ser, o espaço deu lugar ao amplo terreiro que antecede a casa, circundado por um renque compacto de oliveiras, restando do aparato original apenas o antigo marco miliário romano que serviu de pelourinho na brevidade da vila aqui sediada.

Mas a Quinta Nova não perdeu as suas características fundamentais, sobretudo a parte poente, que envolve a casa e o assento de lavoura. Esta parte é ainda percorrida por uma alameda de freixos e outras caducifólias, que constituiu inicialmente o seu eixo central e longitudinal, estabelecendo a ligação entre um bosquete de resinosas, no topo setentrional e um horto na direcção oposta, um vergel utilizado como pomar e área de recreio, que tinha sido a entrada principal do primeiro morgadio da casa. Desta entrada sobrevive a ampla varanda lajeada e murada com alegretes floridos. Uma das notas mais expressivas deste espaço de lazer é uma fonte enterrada setecentista, coberta com um caramanchão para ser usufruída como casa de fresco e a que está associada a lenda da Mal Degolada.

A unidade agrícola, que até há poucos anos era afolhada em campos de milho bordejados por latadas de vinha e trabalhada por caseiros, foi posteriormente adaptada à exploração pecuária, de que restam ainda os estábulos e a ensilagem. Atualmente está coberta de vinha contínua, em bardos alinhados, com uma excelente produção de vinho verde.

A Casa de Bertiandos pertenceu sempre à mesma família, uma linhagem de Pereiras proveniente de uma irmã do Santo Condestável. É atualmente dos Herdeiros de D. Sebastião Calheiros de Lancastre e de sua mulher D. Maria Angelina de Sá Coutinho (Aurora).

Imóvel de Interesse Público, Decreto nº 129/77, DR, 1.ª série, n.º 226 de 29 setembro 1977 / ZEP, Portaria nº 386/92, DR, 1.ª série-B, n.º 107, de 09 maio 1992.

Inventário: João Abreu Lima - outubro de 2019.

Casa de Bertiandos

(Consultada em outubro de 2018) AZEVEDO, Carlos – Solares Portugueses: Introdução ao Estudo da Casa Nobre. 1ª ed. Lisboa : Livros Horizonte, 1969. pp. 31, 37, 72, 73, 80, 118.
GUIA de Portugal: Entre Douro e Minho. II - Minho [S.l.] : Fundação Calouste Gul-benkian, 1996. Vol. 4. pp. 1022, 1023.
SILVA, António Lambert Pereira da – Nobres Casas de Portugal. Porto : Livraria Tava-res Martins, 1958. Vol. I. p. 273.
STOOP, Anne de; MAYOR, João Paulo Sotto (fotografia) – Arquitetura Senhorial do Minho. [S.l.] : Caminhos Romanos, 2015. pp. 378 - 382.
http://www.monumentos.gov.pt/site/app_pagesuser/SIPA.aspx?id=3478

EN 202, Bertiandos