Jardim Constantino Palha

Lisboa | Vila Franca de Xira

Jardim Constantino Palha

A Câmara Municipal de Vila Franca de Xira apresenta no seu site o Jardim Municipal Constantino Palha com sendo "[...] considerado, unanimemente, o jardim mais carismático da cidade de Vila Franca de Xira. Está localizado junto à estação de comboio e ocupa uma extensão de 400 metros em frente ao rio. As obras de recuperação efetuadas em 2011 permitiram devolver a dignidade a este espaço nobre, onde o coreto e os lagos assumem um papel característico e distintivo. A esplanada permite apreciar o rio e a lezíria, aproveitando as sombras dos plátanos, freixos e amoreiras e o parque infantil é dos mais concorridos da cidade. O jardim é ainda palco de vários eventos, dada a sua localização privilegiada, pelo que certamente merece a sua visita."

O Jardim com cerca de 4hectares foi desenhado pelo Prof. Francisco Caldeira Cabral em 1954 e constitui um dos primeiros parques urbanos representativos do arranque da profissão de arquiteto Paisagista em Portugal. O traçado de Caldeira Cabral deu unidade ao espaço e foi desenhado com dimensão e vegetação adequada, introduziu elementos propícios ao passeio, tirando partido da marca essencial do jardim que é sem duvida a forte presença do Tejo ao longo dos 400 m de uma margem construída em paredão. Com esta passeio marginal sobre o rio. Caldeira Cabral afirmou ali em Vila Franca aquilo que em Lisboa não era possível pois todo a margem do Tejo se encontrava ocupada por atividade portuária ou industrial.

Quando em 2011, sob a presidência de Mª da Luz Rosinha se procedeu ao concurso para o restauro e revitalização do jardim Constantino Palha, a área de intervenção no jardim abrangia um grande pavilhão gimnodesportivo e no próprio jardim haviam sido construídos vários edifícios e instalado um estaleiro náutico vedado que servia de apoio às embarcações e impedia a vista e o desfrute do Tejo. A ligação de acesso publico ao rio estava assim reduzida ao paredão que funcionava também como doca de atracagem de barcos dos avieiros e de recreio, tutelada pelo estaleiro náutico.

O programa para o projeto de arquitetura paisagista incluía uma diversidade grande de usos e na envolvente do núcleo antigo do jardim inicial combinavam-se elementos não menos variados, constituindo assim um desafio marcado para se encontrar unidade no espaço de intervenção. A equipe ganhadora do projeto, Atelier ACB, Arquitetura Paisagista optou por criar três espaços distintos, preparados para usos múltiplos, e tentou “absorver” as existências.

O primeiro espaço, desenhado pelo Prof. Caldeira Cabral foi integralmente respeitado e celebrada a memória do seu pioneiro. Trata-se de uma espaço que oferece um recreio passivo, contemplativo, que atingira uma maturidade que se tornava necessário salientar no terreno e que congregava elementos de design próprios dos primórdios do modernismo como a pérgula e as sebes cujo corte envolvia os bancos formando um recanto que é uma escultura verde. A linearidade dos percursos equipados com bancos agregados em grupos de três, levou a equipe ACB a propor uma retoma desse desenho com o corte as sebes em volta dos bancos. A intenção de densificar com vegetação a faixa junto à linha do comboio foi também retomada no desenho de restauro. Num artigo de um jornal local da época, foi identificada como grande novidade, neste jardim dos anos 50, os candeeiros em betão na “área Caldeira Cabral”. A proposta de restauro foi a de manter as colunas existentes e encontrar luminárias semelhantes às introduzidas por Caldeira Cabral.

O segundo espaço, no extremo oposto do jardim, foi um projeto de recuperação do bairro dos avieiros de forma a constituí-lo como bairro de arquitetura vernacular num espaço urbano, tirando partido da proximidade do rio e usando a forma irregular da disposição das casas. Aproveitou-se o espaço remanescente entre as casas demolidas e usaram-se as linhas orgânicas para formar pracetas, largos e quase pátios, que criaram um ambiente de aldeia de pescadores. No extremo sul do bairro junto ao Tejo foi criada uma área arborizada pavimentada e drenada que passou a ser um local de encontro em situação privilegiada de vistas diretas sobre o Tejo.

Entre o bairro dos avieiros e o espaço para um jardim de traçado novo encontra-se o pavilhão desportivo cortando a unidade do jardim. Foi proposta do projeto de 2011 libertar as áreas de abertura e vistas sobre o Tejo e assim se procedeu à passagem dos estaleiros do UDV para a área entre o pavilhão e o Tejo. Em consequência, abriu-se a área central para o “jardim novo”, otimizar a sua frente Tejo. O estaleiro mantém-se vedado e respeitadas as áreas de acesso ao rio pelos reboques dos barcos, e a relocalização das oficinas alinhadas ao tardoz do pavilhão e invisíveis para quem passeia no jardim. Com esta solução libertaram-se cerca de 2.3 hectares de terreno para o jardim com uma vista excecional para o Tejo. onde se instalou um relvado que se espraia até ao rio e um passeio que permite o seu usufruto.

O mais antigo património do jardim, é o coreto do século XIX e é a partir da sua forma redonda que foi desenhado o edifício cilíndrico do miradouro que ficou localizado no início do relvado e envolvo por ele numa espiral de relva. Este edifício redondo aloja por baixo do miradouro a casa de ferramentas e os sanitários e o relvado elevam-se 2 m para criar uma colina que será arborizada com pinheiros e olaias que ocultam a fachada alta do Pavilhão.

No ponto nevrálgico do jardim onde desemboca a passagem superior sobre a linha de comboio localizou-se uma peça de arte metálica com a função de grande gaiola para albergar todos os pássaros que existiam anteriormente no jardim, oferecendo um volume de 47m3. Os pássaros não necessitam de casas de geometria reta e por isso foi desenhado uma espiral em rede que assenta sobre uma peça de betão. Um primeiro e grande compartimento para faisões de malha de rede maior e outra na parte mais estreita da espiral para periquitos, pintassilgos, canários, rosicolor e bicos-de-lacre. Junto ao chão, por baixo da peça de betão, a capoeira para galos e galinhas. Dentro de cada compartimento da gaiola grande uma peça em espiral vertical oferece poleiros aos pássaros.

O edifício do quiosque/cafetaria e esplanada tem vistas sobre o rio e constitui o ponto de transição da área de restauro para a área de jardim novo. Retoma a linguagem deixada por Caldeira Cabral na pérgula, sustentando em grandes colunas, a pérgula e aludindo a essa estrutura pois também sobre ele se desenvolve uma trepadeira por baixo da qual um edifício em vidro permite a leitura e a fruição do Tejo. Muito frequentada esta cafetaria e oferece no jardim Constantino Palha o melhor local de estadia. O parque infantil perto do coreto foi recuperado na sua exata expressão melhorando-se a vedação que passou a ser uma sebe.

As entradas do parque são uma inovação do atelier ACB com luminárias, vedação e muro desenhadas para o sítio. O mesmo se passa para as placas de identificação, diretórios e placas de postulados do Prof. Caldeira Cabral desenhadas por Henrique Cayatte para o jardim. As placas dispersas pelo jardim relembram os princípios ecológicos que nortearam a prática de Caldeira Cabral e dos seus discípulos e que foram postos em prática neste jardim ficando agora consignados em dez postulados:

  1. A Arquitetura Paisagista é uma Arte.            
  2. As plantas constituem o nosso material por excelência.
  3. A nossa obra é feita no espaço e conta com o tempo. A obra é dinâmica e deve ser durável.
  4. A simplicidade é uma regra fundamental da composição. A ela se alia a unidade.
  5. Existe um tipo de jardim português e nele se distinguem:
    • A intimidade.     
    • A continuação da casa ao ar livre.
    • Os alegretes e os azulejos que são motivos que dão ambiente especial.
    • O aproveitamento das encostas para construir miradouros nos melhores. pontos de vista.
    • A exuberância e riqueza da vegetação.
  6. Uma paisagem desequilibrada nunca pode alcançar beleza e harmonia.
  7. Na paisagem deve assegurar-se o continuum naturale.
  8. Não se deve construir em leito de cheia.
  9. A erosão é a doença mais frequente e mais grave da paisagem. Combate-se com a arborização, as pastagens e exige um bom conhecimento do solo.
  10. Deve assegurar-se em todas as intervenções a estética na paisagem.

O que nestes princípios é admirável é a aparente simplicidade destas ideias, hoje em dia absolutamente aceites pela maioria dos cidadãos ou dos projetistas. Mas eles foram, na sua altura, nos anos 50 do século XX, quando se construía o Jardim Constantino Palha, princípios visionários e por vezes difíceis de ser iniciados.

Inclui Marco da V Légua (v. IPA.00022421).

Autor: Cristina Castel-Branco – 2020.

Jardim Constantino Palha

(Consultada em Maio de 2020)
ANDRESEN, Teresa – Do Estádio Nacional ao Jardim Gulbenkian: Francisco Caldeira Cabral e a Primeira Geração de Arquitectos Paisagistas. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2005.
ACB Paisagem – Memória Descritiva do Projeto de Arquitetura Paisagista do Parque Municipal Constantino Palha. Lisboa: impresso por ACB Paisagem, 2010.
http://www.monumentos.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=21432

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