Quinta das Torres
Lisboa | Setúbal
Quinta das Torres
Situada na Vila Fresca de Azeitão, distanciada de Lisboa pouco mais que a travessia do Tejo, esta marca arquitetónica é um exemplo, mantido até à atualidade, da “[…] mistura renascentista-oriental nos jardins portugueses […]” (Castel-Branco, 1992), celebrizada pelo conjunto lago e templete, de tão grande importância.
Sendo criação do século XVI, esta Quinta manteve-se sempre como propriedade privada, herdada consecutivamente pela descendência de D. Brites de Lara – Bisneta de D. Manuel I, 3ª Marquesa de Vila Real e donatária da Quinta da Bacalhoa. E assim, foi possível manter até aos dias de hoje a estrutura inicial da propriedade, verificando-se atualmente pequenas alterações de carácter organizacional.
Quem vem na Estrada Nacional 10 em direção a Setúbal, entre Vila Nogueira e Vila Fresca de Azeitão, encontra, “à esquerda uma mata fechada com árvores de grande dimensão, que desperta a nossa curiosidade de entrar naquele espaço meio escondido atrás de um muro onde se abre um portão”, uma discreta entrada para a Quinta das Torres. Em frente ao portão estende-se uma alameda de plátanos (Platanus sp.) de “dimensões generosas” (Castel-Branco et. al., 2002), acompanhados de sempre-noivas (Spiraea cantoniensis), que fica branca entre os meses de Março e Abril (The American Horticultural Society, 2004). Do lado esquerdo, junto ao muro, uma escadaria dá acesso à Casa de Chá, atualmente rodeada por mato.
À medida que se vai subindo a rampa, surge “um belíssimo olival cujo cinzento da folhagem contrasta de forma marcante com o verde intenso dos plátanos” (Castel-Branco et. al., 2002) que dominam o mato, na ala direita da subida – o mesmo mato climáctico que encontramos nos diversos patamares que vencem o declive.
Pouco antes de se chegar ao fim da rampa, do lado poente, percebe-se a imponência do elemento mais “forte” da quinta: o lago – quadrado, de 900 m2 com um templete ao centro, “Emergindo da água, totalmente isolado” (Mascarenhas et. al.,1981) que reflecte a vegetação em volta, criando um ambiente calmo e sereno.
A Sul do Tejo, inserida na Península de Setúbal, a Quinta das Torres situa-se na localidade de Vila Fresca de Azeitão.
Na “[...] vertente Norte da Serra de S. Francisco, que corre quase paralela à Serra da Arrábida, numa zona relativamente plana de transição entre os declives mais acentuados da Serra e a planície de topografia suave [...]” (Castel-Branco,1992), Azeitão desfruta de uma clima temperado de verão quente e seco.
Usufruindo, ainda, de uma precipitação média anual na ordem dos 720 mm (Castel-Branco,1992), percebe-se assim que esta zona tenha sido, desde sempre, apreciada “[...] pelas suas excelentes condições climatéricas, abrigada dos calores do Verão pela Serra da Arrábida [...] sendo sucessivamente ocupada pelos diferentes povos que chegam à Península Ibérica [...]” sendo, depois “[...] cobiçada pelas diferentes classes sociais.” (Mascarenhas et. al.,1981).
Sabe-se, então, que a Quinta das Torres foi na “sua origem um assento de lavoura da grande Quinta da Bacalhoa” (Mascarenhas et. al.,1981), e que as duas formavam uma única propriedade: a Quinta da Banda Além Ribatejo, tendo sido os seus primeiros donos, o Infante D. João e D. Fernando (Pai de D. Manuel I) – “ambos mestres da Ordem de Santiago”.
Terá posteriormente pertencido a D. Beatriz, por inícios de 1400, e será, D. Brites de Lara, 3ª marquesa de Vila Real, a responsável pela separação dessa grande propriedade, naquilo que são hoje a Quinta da Bacalhoa e a Quinta das Torres, no ano de 1521.
Contígua a esta propriedade, a Bacalhoa foi, em 1528, vendida a Brás de Albuquerque filho de Afonso de Albuquerque conquistador de Goa, e vice-rei da Índia e seu herdeiro, facto que o eleva “a uma alta condição social e económica”. Brás de Albuquerque tinha sido escolhido, anos antes, para acompanhar a corte para o casamento da Infanta D. Beatriz – filha de D. Manuel I – a Itália. Lá “[...] demorou-se largos meses [...] visitando diversas cidades e terá sido aí que Braz de Albuquerque ganhou o seu marcado interesse pelo renascimento italiano” (Carita, 1987, p. 62) que “[...]a sua formação clássica, permite absorver, e que a sua recente fortuna permite imitar.” (Castel-Branco, 1992).
A Quinta das Torres terá sido idealizado pelos mesmos princípios postos em prática na Bacalhoa. Daí que no complexo casa/ lago (e no jardim envolvente) se percebam a mesma origem que entrelaça as características dos jardins renascentistas italianos e a memória da Índia.
«“a planta harmoniosa é ainda um produto do renascimento, e se nada tem a ver com a arquitetura tradicional portuguesa nem sequer aponta […] a elementos da época anterior […] o que há de novo é a mais perfeita integração do pátio e a grande regularidade que a planta revela e que podemos atribuir às preocupações renascentistas com harmonia e simetria” (Azevedo, 1969, pp. 39-54).
O Palácio das Torres segundo Carlos de Azevedo (Azevedo, 1969, pp. 39-54) pode ser considerado uma obra única em Portugal, pois segue princípios de conceção italiana e erudição renascentista, tais como a planta de simetria perfeita em torno do pátio, tentativa nacional de reproduzir um palácio romano ao mesmo tempo que se estende para o jardim mantendo o seu eixo e uma simetria na transição dos espaços interiores para os exteriores, passando através do pórtico palladiano rematado por pirâmides de grande dimensão que coroam o telhado. O pátio fechado vai inspirar-se na tradição dos pátios da Andaluzia, mas integra-se no conjunto. A presença de janelas que rasgam as fachadas, o uso das colunas e a loggia na fachada Norte que abre sobre o lago do jardim, confirmam a erudição e influência do renascimento italiano traduzido à escala portuguesa.
“Este edifício (palácio) de forma retangular é dominado em todos os ângulos por torres também retangulares, de telhado piramidal que dão o nome à quinta” (Parreira, 1889, pp. 232-236).
D. Diogo de Eça, cheio das novas filosofias renascentistas, para as quais os jardins e os tanques de irrigação transformados em elegantes lagos ofereciam o melhor cenário, mandou instalar na Loggia dois grandes painéis de azulejos com temas clássicos pertencentes à Eneida de Virgílio, o da parede Oeste representa a fuga de Eneida e o incêndio de Troia, enquanto o da parede Este, a morte de Dido e a construção de Cartago. Estes painéis foram identificados por Santos Simões (Simões, 1946, p. 76) como pertencentes à melhor época das oficinas de Urbino, mais precisamente à dos Fontana.
Forma ainda instalados na mesma época, segundo Santos Simões, azulejos provenientes de uma oficina de Lisboa, representando cenas mitológicas e venatórias.
“No caso das Torres a arte é única e combina agora a influência da Índia. O pavilhão que emerge da água não tem precedente em Itália, mas tem-no nos Lagos sagrados da arquitetura Moghul da Índia (Castel-Branco, 1992). Entrançando a ideia de paraíso trazida das várias viagens, interiorizada no renascimento, os portugueses inventaram na arte do jardim, e o pavilhão do lago das Torres nasce sob o signo de uma arte cosmopolita virada para o espaço exterior!» (Chambel, 2002).
A sua construção terá terminado em 1560 (www.monumentos.pt, 21.02.2011), e ainda hoje, revela, em todo o seu esplendor “[...]os terraços bem adaptados e moldados ao terreno, as nascentes a alimentar os tanques [...] as casas de fresco, as escadarias encostadas aos terraços, as laranjeiras bem irrigadas[...]”, sem esquecer, claro, o grande lago onde “o efeito de espelho existe sem grande ornamento” (Castel-Branco, 1992).
Permanecendo na posse da mesma família até ao século XVII (transitando por herança ou casamento), a Quinta passará, em meados do século XVIII “para o ramo colateral dos Corte Real, por falta de sucessor direto” (Castel-Branco et. al., 2002). Posteriormente, e por igual motivo, terá passado para a família Saldanha, e depois para a família Melo, Condes de Murça, já no durante o século XIX. Em 1878, já depois da morte dos terceiros Condes de Murça, a propriedade será comprada por Manuel Bento de Sousa, protegido da família. Este terá podido aceder a uma excelente educação, formando-se Médico, e depois de comprar a Quinta, e como homem de cultura que era, realizou nela obras “que lhe deram certa feição romântica, substituindo por exemplo, jardins de buxo por jardins à inglesa” (Cidades e Vilas de Portugal).
Mantendo-se na sua descendência, será já no século XX – mais precisamente em 1939 – que a proprietária da altura, D. Maria Clementina Andrade de Sousa, inicia a actividade hoteleira que ainda hoje vigora. (www.monumentos.pt, 21.02.2011).
Para que se possa entender a qualidade do espaço, é de referir que “O jardim que melhor ilustra a mistura renascentista-oriental nos jardins portugueses é o lago e pavilhão da Quinta das Torres” (Castel-Branco, 1992).
Texto de Inventário: David Morgado Gonçalves – 2011; Sara Mendonça Martins – 2011; Marta Murteira – 2011; Maria Miguel Araújo Ribeiro – 2011.
Adaptação e revisão: Cristina Castel-Branco, 2020.
Quinta das Torres
(Consulta em 2011 e Maio de 2020)
BINNEY, Marcus. Country Manors of Portugal. Lisboa: Difel, 1987. p. 79.
AZEVEDO, Carlos de – Solares Portugueses: introdução ao Estudo da Casa Nobre. Lisboa: Livros Horizonte, 1969.
CARITA, Hélder; CARDOSO, António Homem – Tratado da Grandeza dos Jardins em Portugal : ou da originalidade e desaires desta Arte. [S. l.] : Edição dos Autores, 1987. pp. 284.
CASTEL-BRANCO, Cristina – O Lugar e o Significado: Os Jardins dos Vice-Reis. Lisboa: ISA, 1992. Dissertação de Doutoramento.
CASTEL-BRANCO, Cristina (coord.) – Jardins com História, Poesia atrás de muros. Sintra: Edições Inapa, 2002.
CASTEL-BRANCO, Cristina. Jardins de Portugal – Lisboa: CTT Correios de Portugal, 2014, pp. 218-221.
CHAMBEL, Teresa – Quinta das Torres. In CASTEL-BRANCO, Cristina (coord.) – Jardins com História, Poesia atrás de muros. Sintra: Edições Inapa, 2002.
GUIA de Portugal: Generalidades Lisboa e Arredeores I. Lisboa [S.l.]: Fundação Calouste Gulbenkian, 1979. Vol. 1. p. 642(1981). MASCARENHAS, G. P. J. – Quinta das Torres. Azeitão: ESBAL, 1981.
PARREIRA, A. M. de Oliveira – Quadros da minha terra Frades e Fidalgos. Revista Ilustrada, nº 60, (1889).
SIMÕES, J.M dos Santos – Panneux de Majolique au Portugal. Faenza, Bolletino del Museu Internationale delle Ceramiche in Faenza, Fascícolo III–VI (1946).
http://europeangardens.eu/inventories/pt/ead.html?id=PTIEJP_Lisboa&c=PTIEJP_Lisboa_J52&qid=sdx_q15
http://www.monumentos.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=10415
http://www.patrimoniocultural.pt/pt/patrimonio/patrimonio-imovel/pesquisa-do-patrimonio/classificado-ou-em-vias-de-classificacao/geral/view/74293/