Páteo de São Miguel

Alentejo | Évora

Páteo de São Miguel

O Páteo de São Miguel encontra-se localizado num dos pontos mais nobres e estratégicos da cidade de Évora e, por essa razão, foi objeto de diversas ocupações ao longo da sua história. Hoje reúne um conjunto de edifícios e tem acesso quer pela Rampa de São Miguel quer pelo Largo Dr. Mário Chicó. Hoje, está incorporado no património da Fundação Eugénio de Almeida, uma instituição de direito privado e utilidade pública, cujos fins estatutários se concretizam nos domínios cultural e educativo, social, e espiritual, visando o desenvolvimento humano pleno, integral e sustentável da região de Évora.

O portal de entrada na Rampa dá diretamente para o terreiro fronteiro ao Paço, por onde se acede à casa-museu ficando o jardim do lado norte do edifício. À direita do portal encontra-se a Ermida de São Miguel e à esquerda o arquivo e biblioteca, em torno do qual se desenha uma via de comunicação interior que estabelece a ligação à sede da Fundação Eugénio de Almeida, a uma cafetaria e à Coleção de Carruagens, junto ao portal do Largo Dr. Mário Chicó.

A primeira ocupação deste espaço teve essencialmente uma finalidade defensiva, determinada pela sua própria localização no ponto mais elevado da cidade que constituía um ponto nevrálgico da estrutura defensiva da cidade, pelo que foi Alcácer Mourisco e parte integrante do Castelo Velho de Évora. Depois da conquista da cidade aos Mouros, em 1165, a fortificação foi entregue pelo Rei D. Afonso Henriques à Ordem Militar de São Bento de Calatrava, que mais tarde transferiu a sua sede para Avis, passando a designar-se Ordem de Avis. Durante o período em que a Ordem se encontrou sediada em Évora, os seus Cavaleiros, também conhecidos por Freires de Évora, habitaram as casas do Castelo Velho. A partir de 1220, o Paço de São Miguel foi reintegrado na Coroa como paço régio, tendo servido de pousada a todos os reis até D. Duarte e de quartel-general ao Condestável D. Nuno Álvares, fronteiro-mor do Alentejo, durante a guerra da Independência (1383-85). Com a expansão da cidade, a construção da Muralha Fernandina, que envolve o Centro Histórico de Évora, e os avanços da artilharia, o antigo Castelo Velho perdeu as suas funções defensivas primitivas e ganhou importância enquanto sede de poder militar, político e administrativo e como espaço de residência dos seus titulares.

Embora a origem do Paço de São Miguel remonte à Idade Média, da edificação desse período poucos vestígios se conservam em resultado da destruição de que o espaço foi alvo na sequência dos confrontos ocorridos durante a crise de sucessão ao trono de 1383-85 entre os partidários de D. Leonor Teles e os de D. João, Mestre de Avis, futuro rei de Portugal.

A existência deste edifício tal como hoje o conhecemos, em termos patrimoniais e arquitetónicos, está associada à história de duas famílias cuja presença no Páteo de São Miguel se encontra separada por cerca de cinco séculos: os Condes de Basto (ou Castro das Treze Arruelas) e a família Eugénio de Almeida, uma das mais poderosas e influentes do século XIX em Portugal, destacando-se pelo seu caráter empreendedor mas também pela intervenção pública que os seus membros protagonizaram ao longo de quatro gerações como Deputados, Pares do Reino, Conselheiros de Estado ou Provedores da Casa Pia de Lisboa.

À primeira destas famílias, que aqui residiu entre o final do séc. XV e a primeira metade do séc. XVII, deve-se a importante campanha de obras do século XVI que conferiu ao Paço de São Miguel uma configuração muito próxima à atual. Os Condes de Basto foram designados no século XV pelo Rei D. Afonso V Capitães-mor da cidade, estabelecendo a sede da capitania e a sua residência no Paço de São Miguel que lhes foi doado como reconhecimento dos serviços prestados à coroa nas campanhas do norte de África e na Batalha de Toro. A reedificação do Paço de São Miguel e as obras de ampliação e reestruturação de que foi objeto durante este período visaram conferir ao edifício a imponência e beleza arquitetónica que refletisse a crescente riqueza patrimonial e o prestígio político e social alcançado pelos Castro. Após 1580, os Castro das Treze Arruelas tornaram-se fiéis ao novo poder e à Dinastia Filipina, chegando a ser vice-reis de Portugal em nome da coroa espanhola. O reconhecimento da sua lealdade à causa de Espanha refletiu-se na concessão do título de Conde de Basto a D. Fernando de Castro por parte de Filipe II, em 1583, aquando da sua estadia no Paço. É por esta razão que o Paço de São Miguel é também conhecido como Palácio dos Condes de Basto. Com a Restauração da Independência e a subida ao trono de D. João IV, que deu início à Dinastia de Bragança, a família dos Castro das Trezes Arruelas cai em desgraça e é obrigada a retirar-se para Espanha. Nos séculos seguintes, o edifício atravessa uma fase sombria responsável pelo avançado estado de ruína em que chega ao século XX.

À segunda família, a família Eugénio de Almeida e em especial ao Eng.º Vasco Maria Eugénio de Almeida, deve-se, no século XX, a profunda intervenção de conservação e restauro de todo complexo de edifícios do Páteo de São Miguel que se prolongou por cerca de 15 anos. Vasco Maria Eugénio de Almeida adquiriu o Páteo de São Miguel em 1957 com o objetivo de aí fixar a sua residência durante as estadias em Évora, instalar o Arquivo e Biblioteca da família e estabelecer a sede da Fundação Eugénio de Almeida, que veio a criar em 1963. Outro motivo para a aquisição deste espaço foi corresponder ao apelo das autoridades locais sem os meios necessários para proceder, à época, à recuperação do edifício, classificado como Monumento Nacional desde 1922.

Fruto do estado de abandono em que o edifício permaneceu antes da sua aquisição por Vasco Maria Eugénio de Almeida, do jardim da época dos Condes de Basto pouco se conserva, destacando-se a nora e a casa de fresco. Nas obras de conservação e restauro empreendidas em 1958, procurou articular-se este espaço exterior com o Palácio, à luz da função de que o jardim se revestia no contexto de uma residência nobre do século XVI ainda marcada pela influência do humanismo e do renascimento. Esta opção fica naturalmente a dever-se à intervenção, ao rigor, ao estudo e à sensibilidade de Vasco Maria Eugénio de Almeida.

À semelhança do que era comum nos jardins do Portugal renascentista afetos a Palácios, este é um espaço fechado, murado, calmo e intimista, vocacionado para uma fruição lúdica, mas também para a produção de alguns géneros de origem vegetal, motivo pelo qual se enquadra no conceito de horto de recreio. Esta dimensão produtiva é aqui assinalada pela presença de citrinos, em particular, das laranjeiras, que são uma constante nos jardins quinhentistas, apreciadas pelo seu carácter estético, cor, sombra e aroma.

Neste contexto, é interessante perceber que a conjugação entre as dimensões estéticas e produtivas do horto de recreio se reflete, por exemplo, na organização em canteiros e na forma plástica conferida a alguns elementos do sistema de rega: do tanque de água surge a Casa de Fresco e o miradouro e deste último a integração do jardim com a paisagem. A gruta ou casa de fresco que se encontra no topo ocidental do jardim era um local de conversação, de repouso ou de lazer utilizado durante as épocas mais quentes do ano. A frescura deste espaço resulta de se encontrar sob o tanque de água e de possuir no seu interior uma pequena fonte, para além do revestimento realizado com a técnica de embrechados.

“O trabalho de embrechado pode ser descrito como a técnica que consiste em cravar ou imbricar materiais diversos em argamassa fresca, no revestimento de paredes e tectos das mais variadas arquitecturas, e que conferem efeitos cenográficos e ornamentações insólitas, com características ora rudes e ingénuas, ora sofisticadas e eruditas. Os materiais utilizados eram variados, quanto à sua constituição e proveniência, assim como à sua forma, sendo utilizados intactos ou em fragmentos, como conchas, búzios, ou esponjas marinhas, contas, missangas, canudilhos e cacos de vidro, porcelana, faiança, mosaico ou azulejo, elementos pétreos, cristais, fósseis, corais, concreções e, do mais inédito possível como dentes de cavalo. Estas composições ornamentais e revestimentos polimatéricos, adornaram espaços sagrados ou profanos, intimamente ligados aos deleitosos ambientes de jardim, revestiram casas de fresco, fontes, cascatas, tanques, espaldares, grutas, ninfeus, nichos, conversadeiras, canteiros e alegretes e ornaram paredes e tectos de ermidas, cercas conventuais, ou ainda interiores palacianos. Manifestação erudita, popular ou com um carácter mais depurado ou severo, adquiriram um significado de ostentação, de luxo ou de excentricidade, e traduziram também em alguns ambientes monásticos, desprendimento material” (Silva, 2012).

A associação deste jardim ao horto de recreio renascentista é ainda reforçada pela janela manuelino-mudejar, geminada e de arcos de ferradura, localizada num dos edifícios que delimita o recinto a ocidente. Introdução da campanha de obras do século XX, trata-se de um elemento arquitetónico proveniente da demolição do antigo solar dos Morgados Pegas, localizado na Rua da República.

Monumento Nacional, Decreto n.º 8.218, DG, 1.ª série, n.º 130 de 29 de junho 1922 (Paço de São Miguel)

Imóvel de Interesse Público, Decreto n.º 29.604, DG, 1.ª Série, n.º 112, de 16 de maio 2939 (Ermida de São Miguel)

Imóvel de Interesse Público, Decreto n.º 8.252, DG, 1.ª série, n.º 138 de 10 julho 1922 (Escada e varandim à entrada do Pátio de São Miguel, nº 2)

Inventário: Fundação Eugénio de Almeida / Teresa Andresen - janeiro 2020

inserido na ROTA DO ALENTEJO

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CARAPINHA, Aurora – Os Jardins. Évora. Cadernos do Património da Fundação Eugénio de Almeida, 2004
CARRETEIRO, Rui – Conteúdos para o guião de visita ao Paço de São Miguel. [Évora], FEA, 2013. (policopiado)
SILVA, André Lourenço e - Conservação e restauro de embrechados - VIII Jornadas de Arte e Ciência: Conservação e Restauro de Artes Decorativas de Aplicação Arquitectónica [Em linha]. Prof. Doutor Gonçalo Vasconcelos e Sousa, coord., 2012. p. 167.
https://www.fea.pt/patrimonio-cultural/3125-pateo-de-sao-miguel
http://www.monumentos.gov.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=4446

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