Quinta de Vale Abraão

Norte | Lamego

Quinta de Vale Abraão

Quinta localizada na freguesia de Samodães em Lamego, na margem esquerda do rio Douro, distando cerca de 11 km de Lamego e 5 km da Régua.

Vale de Abraão pertenceu a António Correia Leitão da Fonseca (1754-1837), fidalgo-cavaleiro da Casa Real. Foi pai de Bernardo Pereira Leitão de Carvalho (1792-1880), fidalgo-cavaleiro da Casa Real, cavaleiro das Ordens de Cristo e da Torre e Espada, administrador de muitos vínculos, e senhor de muitas quintas. Por sua vez, este foi pai de Júlia Petronilha Pereira Leitão de Carvalho (1824-1875), sua filha primogénita, que, em 1844, casou com José Freire de Serpa Pimentel (1814-1870), formado em direito, magistrado, dramaturgo, poeta, moço-fidalgo da Casa Real e Par do Reino, 2º visconde de Gouveia, e filho de Manuel de Serpa Machado (1748-1858), lente da Universidade de Coimbra, e de Ana Rita Freire Pimentel.

Vale Abraão foi herdado pela irmã de Júlia Petronilha, Laura Pereira Leitão de Carvalho, que casou em segundas núpcias com Alfredo Infante Pessanha, senhor de larga fortuna, que conferiram grande valor aos jardins e mata da quinta. José Marques Loureiro, o célebre horticultor e proprietário do Horto das Virtudes publicou em 1889, no XX volume do Jornal de Horticultura Prática uma notícia sobre a sua visita a Vale de Abraão, sendo então propriedade de Laura e Alfredo. Marques Loureiro extasia-se com o lugar – o panorama e a ‘encantadora vivenda’ - e com as ‘formosíssimas e variadas plantas que ali se encontram’ sendo que algumas tinham sido por si oferecidas em 1888. Deixa-nos uma interessante descrição dizendo que abaixo do patamar do jardim, que ele classifica de jardim tropical por causa dos fetos arbóreos e das palmeiras que ali se encontram, se seguem ‘dois grandes tratos de terreno divididos por dois grandes muros coroados por pedras toscas, em bicos, formando ameias’. Refere ainda que a divisão dos canteiros é feita pelo mesmo sistema e que estes tinham sido ‘reformados e povoados com variadíssimas plantas” e acrescenta que ao lado dos jardins há um grande pomar ajardinado “onde a par das bellas arvores fructíferas e magnificas hortaliças se encontram ainda muitas outras plantas de ornamento’. Sem descendência direta, Vale Abraão foi deixado a sua sobrinha Maria Serpa Leitão Pimentel, a filha mais velha de José Freire de Serpa Pimentel e de Júlia Petronilha, que aqui morreu sem descendência com 102 anos de idade. Maria era irmã de José́ Freire de Serpa Leitão Pimentel que, em 1903, tinha comprado a Quinta da Pacheca, na freguesia vizinha de Cambres a cerca de 3km de Vale Abraão, para se dedicar à produção de vinho. As duas quintas foram herdadas por seu filho Eduardo de Mendia Freire de Serpa Pimentel (1913-2003) engenheiro agrónomo, dedicado à viticultura e que foi Presidente do Instituto do Vinho do Porto. Casou com a sua prima Luísa Maria Van Zeller Pereira Palha de Serpa Pimentel que sempre cuidou dos jardins e da mata da quinta.

Vale Abrão tornou-se um lugar icónico no panorama da cultura portuguesa quando Agustina Bessa Luís publicou o romance Vale Abraão (1991) mais tarde, em 1993, levado ao cinema por Manoel de Oliveira. No entanto, em 1997 houve um incêndio na casa que atingiu ainda os jardins e a mata. A família Serpa Pimentel vendeu a propriedade e, em 2007, na quinta abriu o Hotel Aquapura Douro Valley. Para adaptação a hotel, foram feitas transformações significativas, unindo-se a casa a vários edifícios rurais construindo novas áreas e mantendo-se a armação do terreno introduzida no século XIX. A entrada da quinta levava o visitante diretamente à entrada da casa e hoje não é assim. A receção do hotel, é feita numa cota superior na parte de trás da casa.

O projeto de restauro e reabilitação dos jardins foi da responsabilidade do atelier JARDINS DO PAÇO – Arquitectura Paisagista SA e data de 2007. O atelier TOPIARIS - Estudos e Projectos de Arquitectura Paisagista Lda assumiu em 2015, uma nova fase de beneficiação dos jardins existentes mantendo a estrutura original dos jardins a poente e a sul da casa, armados em socalcos suportados por muros de pedra de xisto. A partir de 2016, a IMUNU - Arquitectura Paisagista Unip. Lda, em estreita colaboração com a equipa de manutenção do hotel, iniciou o projeto de recuperação da mata ajardinada, incluindo o inventário e a intervenção no património arbóreo existente e a requalificação de percursos, elementos de água e zonas ajardinadas e introduziu também a vertente produtiva na mata através do projeto - Floresta Produtiva.

A mata, apesar de todas as vicissitudes por que passou, continua a ser o ex-libris da quinta, deixando na paisagem uma marca distinta sobre os vinhedos do Douro. Ela foi instalada numa vertente virada a norte, sobre o rio Douro quando a vista do rio era significativamente diferente daquela que a albufeira da barragem de Carrapateio nos proporciona hoje. É atravessada por uma rede de caminhos particularmente bem lançada, conduzindo-nos a diferentes destinos, miradouros e perspetivas num constante efeito de surpresa. A mata apresenta-se em todos os estádios de desenvolvimento, predominam carvalhos, medronheiros, aceres, cedros, píceas e abetos, juntando espécies autóctones e exóticas e constituindo uma notável mata ajardinada centenária representativa de outras que existiram no Douro e que tem vindo a desaparecer.

A entrada da casa fazia-se pela parte central da fachada poente, num pátio recuado onde se encontra uma fonte com um gigante que segura uma enorme cobra, de cuja cabeça brota água. A casa assenta num patamar com um varandim que se liga por escadas a um estreito terraço ao longo das fachadas nascente e norte, onde se mantem os canteiros de buxo com flores de estação. Daqui avista-se a paisagem duriense com os seus montes cobertos de vinha e pontuam aglomerados populacionais e diversas edificações. Este patamar articula-se com um novo patamar que outrora foi ocupado por laranjeiras e que, por sua vez, leva a novo patamar das antigas hortas. Hoje, nestes espaços encontram-se as atuais hortas biológicas e a piscina do hotel. Do lado norte da casa, existe um amplo relvado e um caminho conduz à mata. O acesso à mata pode também ser feito a partir da receção.

O Hotel Aquapura Douro Valley fechou em 2014, depois de ter sido comprado pela Explorer Investments em 2013 e foi entregue ao grupo Six Senses em 2015, que explora o espaço até ao momento. A filosofia do grupo Six Senses, assente nos valores da sustentabilidade, muda a forma como se mantém, conduz e intervém nos espaços exteriores do Vale Abraão. Foi impulsionada a criação de espaços mais produtivos e multifuncionais, que para além da produção de alimentos para consumo do hotel, constituem-se como espaços de lazer, conservação e valorização ambiental, numa lógica de beneficiação assente em intervenções com vista a sua preservação e enriquecimento em que a condução e manutenção dos diversos espaços é baseada nos princípios e técnicas da agroecologia.

Inventário: Teresa Andresen - outubro de 2019.

inserido na ROTA DO DOURO

Quinta de Vale Abraão

(consultada em janeiro de 2020)
BRANDÃO, Francisco M. Ponces de Serpa – Família Serpa Pimentel e a carreira política e académica de Manuel de Serpa Machado - Instituto de Genealogia e Heráldica da Universidade Lusófona do Porto, 2012
CHAMBEL, Teresa – Vale de Abraão. In CASTEL.BRANCO, Cristina – Jardins com História. Edições INAPA. 2002 pp 54-57
LOUREIRO, José Marques - Uma visita à Quinta de Valle de Abrahão, Douro. Jornal de Horticultura Prática. Vol. XX, 1889 pp39-40
http://www.monumentos.gov.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=10309

Quinta Vale de Abrão, Samodães