Avenida da Liberdade (antigo Passeio Público)

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Avenida da Liberdade (antigo Passeio Público)

Inicialmente desenhado pelo arquiteto Reynaldo Manuel e inaugurado pelo Marquês de Pombal em 1764, este primeiro Passeio Público surgiu como parte do Plano Pombalino de reconstrução da cidade após o terramoto de 1755. Em 1836, a rainha D. Maria II confere à Câmara Municipal de Lisboa a administração do Passeio Público, começando uma nova fase de remodelação do traçado e da vivência deste espaço que em 28 de Abril de 1886 é inaugurado como uma das mais luxuosa avenida lisboeta na sua essência de boulevard. “Até 1836, o Passeio constava unicamente de um bosque cercado por grossos muros revestidos pela parte interior com buxo e louro, tendo de cada lado 15 janelas com grades de ferro e assentos. A frente era um tapume de madeira com cancela, situação esta provisória, que se manteve até à altura em que o município arranca com a ampliação e conclusão do passeio” (Do Passeio à Avenida, 1998, p.18). Depois do terramoto de 1755, Sebastião José de Carvalho e Melo, conde de Oeiras — futuro marquês de Pombal —, em conjunto com o seu irmão, Paulo de Carvalho e Mendonça, presidente do Senado da Câmara Municipal de Lisboa, tornaram-se os grandes impulsionadores da criação do Passeio Público seguindo o modelo de Jardins públicos de Londres, sendo o projeto inicial da autoria do arquiteto Reinaldo Manuel dos Santos. Os terrenos do futuro Passeio Público incluíam as Hortas da Cera e da Mancebia, diversas quintas e terrenos de cultivo.

A contribuição da rainha D. Maria e do rei D. Fernando passa pela cedência do jardineiro Bonnard para colaborar na reestruturação do Passeio Público, ao qual se procurava dar nova vida. É assim que em 1848 surge um desenho de Bonnard para um novo projeto, uma proposta romântica que procura conciliar o traçado barroco existente com o estilo paisagista. Nessa proposta Bonnard inclui estufas para plantas tropicais, coretos, pavilhões, candeeiros a gás, taças ornamentais e fontes com um traço ao gosto da época. O vereador Ayres de Sá Nogueira (colaborador da Sociedade de Flora e Pomona) contribuiu fortemente para a remodelação do Passeio Público, pelo que "esse cenário botânico do Passeio Público passou a identificar-se, a partir de 1850, com a ação do vereador Sá Nogueira que ofereceu a título simbólico, raízes e sementes de plantas exóticas. A reorganização da área pressupunha uma ligação entre os aspetos de lazer e de exposição, nomeadamente de plantas e flores raras, regulamentado por Sá Nogueira, o que trouxe para o Passeio um espaço cénico inovador” (Do passeio, 1998, p. 43). Quando o vereador Ayres de Sá Nogueira esteve responsável pelas obras do Passeio Público, o jardineiro-chefe responsável pelas plantações era João Francisco que, numa carta de dezembro de 1852 dirigida a Sá Nogueira, recomenda como fornecedores de plantas para o Passeio Público “Bento António Alves, Bonnard Pai e Filho e Mer..Je. Leroy Waigel” (Arquivo do Arco do Cego).

Depois da remodelação do jardim no séc. XIX D. Fernando passa a frequentar o Passeio Público com a sua família, tornando-se este uma moda (França, 1998, p. 311). O sucesso do Passeio Público vem expresso na literatura de Eça de Queiroz, como em O Primo Basílio, publicado em 1878: “[…] queria enlaçar uma cinta fina e doce, ouvir na casa o frufru de um vestido! Decidiu casar. Conheceu Luíza, no Verão, à noite, no Passeio. A sua alegria era ir aos domingos para o Passeio Público, e ali com a orla do vestido erguida, a cara sob o guarda-solinho de seda, estar a tarde inteira na poeira, no calor, imóvel, feliz — a mostrar, a expor o pé! Àquela hora D. Felicidade e Luiza chegavam ao Passeio. Era benefício; já de fora se sentia o bruhaha lento e monótono, e via-se uma névoa alta de poeira, amarelada e luminosa. Entraram. Logo ao pé do tanque encontraram Basílio” (Eça de Queiroz, citado por Matos, 1976).

Em 1851 tem lugar o primeiro espetáculo noturno com as célebres iluminações do Passeio Público, surpreendentes pelo seu efeito monumental e inovador. Também aí se realizou, nos dias 12, 13 e 14 de Maio de 1854, a primeira exposição de flores e plantas da Sociedade de Flora e Pomona. Os vogais do júri, o qual era presidido por el-rei regente D. Fernando II, eram: marquês de Ficalho, barão de Castelo de Paiva, Caetano Ferreira da Silva Beirão, Duarte Cains e o doutor Bernardino António Gomes. D. Fernando distinguiu os premiados com medalhas de ouro e prata cunhadas para este evento pela Casa da Moeda. Os pavilhões expostos no Passeio Público foram concebidos pelo arquiteto e cenógrafo italiano Giuseppe Cinatti (1808-1879), em colaboração com o jardineiro real Bonnard que coordenou a organização botânica da exposição. O incentivo ao cultivo de plantas ficava assim completo com o estabelecimento de um prémio, e consequentemente de uma competição entre jardins e jardineiros para a produção de belas plantas. Para dar o exemplo e mostrar o seu empenho, o rei também contribuía com as suas plantas mais raras: “Vieram do jardim das Necessidades para a exposição do Passeio, magnificas collecções de palmeiras, musaceas e pandanaceas. A magnífica collecção de palmeiras do rei D. Fernando excitou a admiração. Até da Abyssinia possuia el-rei sementes de palmeiras, que mandou plantar nas Necessidades. Maravilhosas cycadeas das collecções do rei D. Fernando estiveram também expostas no Passeio” (Coelho, 1878, p. 154).

Na sequência do vendaval de 1858 o vereador municipal Levy Maria Jordão chama seis técnicos a dar parecer sobre o Passeio Público: são eles: Bonnard, o jardineiro Real; J. Leroy Waigel, horticultor com estabelecimentos hortícolas em Angers (França) e em Lisboa que fornecia plantas para as Necessidades; o jardineiro francês Pierre Maurier, que trabalhava na Quinta das Laranjeiras para o conde de Farrobo; Fernando Silva, jardineiro municipal; o jardineiro Jacob Weiss (Viterbo, 1906, p.114), que depois de ter estado a trabalhar no Jardim de Plantes em Paris veio para Portugal ao serviço dos duques de Palmela; e Diogo Manuel Ribeiro de Araújo, diretor-chefe de trabalhos do Instituto Agrícola. Todos os técnicos consultados foram da opinião de que o arranque total do arvoredo fosse efetuado com uma surriba do solo e uma plantação de árvores novas.

O passeio Público encerrava poucos anos após 1879 quando se iniciam as obras para a abertura da Avenida da Liberdade, projeto do engenheiro Ressano Garcia, que denota a influência francesa do boulevard de Haussman. Esta obra não surgiu sem polémica, nas palavras de Ramalho Ortigão que já em 1874 protestava nas Farpas: “Que é um boulevard aberto em semelhante ponto da cidade comunicando uma das extremidades dela com um dos seus subúrbios? É uma necessidade de viação? Uma criação de novo bairro? Um fim de comércio, de indústria, de civilização, de higiene, de recreio? Não. Este boulevard, segundo o critério municipal, é um luxo. Contudo, a Avenida toma um pouco o lugar do Passeio.” (Lisboa em Movimento 1850-1920, 1994, p. 357).

A avenida é então inaugurada em 1886, a par do monumento aos Restauradores. Em 1924, a avenida é já considerada “a mais larga e desafogada artéria de toda a cidade, (...) uma esplêndida alameda arborizada e ajardinada, que vais desde a Praça dos Restauradores à do Marquês de Pombal, num comprimento de 1500 metros e 90 metros de largura. Não tem decerto o encanto e magnificência dos Campos Elísios de Paris, mas não deixa de ser uma das mais belas avenidas da Europa. (...) Na Avenida abrem-se uma larga rua central e duas laterais, separadas por placas arborizadas. Cada um dos talhões tem a sua arborização especial: ulmeiros, plátanos, olaias, lódãos, acácias, palmeiras, amoreiras da China. São sobretudo notáveis pela rica pompa de vegetação e emaranhado do arvoredo os talhões que medeiam entre a R. das Pretas e o Largo da Anunciada do lado este e a calçada da Glória e a praça da Alegria do lado Oeste. No começo da primavera é um belo espetáculo o das olaias floridas, que se cobrem então de lindos cachos róseos. No princípio da Avenida vê-se ao alto o Jardim de São Pedro de Alcântara, cujas palmeiras destacam no azul intenso do céu as suas cabeças emplumadas. E de toda a extensão das suas ruas laterais se desfruta a vista panorâmica dos montes de Santana e S. Roque. A avenida tem fraca ornamentação arquitetónica e poucos jogos de água, no primeiro talhão dois lagos; no segundo duas cascatas em que figuram, aproveitadas do antigo Passeio Público duas estátuas que representam os rios Douro e Tejo. (...) Na altura da R. de Alexandre Herculano, do lado Este., um coreto, e, nos topos dos talhões, as estátuas das quatro partes do Mundo (Europa, Ásia, África e Oceania) que deviam circundar o monumento à Rainha D. Maria I que está no Museu do Carmo. (...) Finalmente, no extremo Norte dessa longa artéria, como remate da cidade moderna, abre-se o diadema da Rotunda (Praça do Marquês de Pombal), de pavimento em empedrado lisboeta, com letreiros e desenhos alusivos à ação reformadora do estadista, plantada de acácias do Japão (Sophora japonica), e de onde a vista se enfia através da Avenida e as Ruas da baixa até morrer nos montes azuis da Outra Banda.» (Guia de Portugal, 1924, pp.248-50).

Em 1955, o Arquiteto Paisagista Gonçalo Ribeiro Telles, “elabora uma proposta intitulado ‘Avenida da Liberdade. Projeto de Remodelação de Arborização e Ajardinamento’. O projeto é posteriormente revisto no ano seguinte pelo próprio em colaboração com o Arquiteto Paisagista Francisco Caldeira Cabral. Esta proposta é parte integrante do ‘Projeto de Remodelação da Avenida’, coordenado pelo engenheiro Luís Guimarães Lobato, e executado por Francisco Caldeira Cabral e o engenheiro Magalhães de Figueiredo. “Este projeto tem em vista a adaptação da avenida às novas exigências do seu tempo. Estas modificações têm por base necessidades tais como: a regeneração do arvoredo que apresenta então francos sinais de decrepitude, um alargamento das vias central e laterais para fazer face a um aumento significativo do volume de trânsito que circula e, finalmente, a instalação de uma linha do metropolitano, ao longo desta avenida” (monumentos.pt). Em fevereiro de 1957 a nova avenida é visitado pela Rainha Isabel II, durante a sua visita a Portugal. Nesta época, apenas as placas do lado poente entre a Praça Marquês de Pombal e a Avenida Alexandre Herculano, se encontravam concluídas. Ao longo desse ano e no seguinte o novo desenho da avenida da liberdade torna-se polémico e recebe duras críticas na imprensa. Carlos Duarte, em outubro de 1957, na revista Arquitetura nº 60 comenta "(…) desejamos esclarecer que - ao contrário de muitos críticos do projeto - cremos que hoje não seria aceitável, mesmo se possível, refazer integralmente o que existia antes das obras. Uma cidade não é um museu." Não obstante, as críticas da imprensa e da câmara Municipal mantêm-se ilustradas pela opinião do vereador Francisco Ribeiro Ferreira que defende que a nova avenida tinha "aspeto demasiadamente informal", já que ambicionava ver aqui "ajardinamentos formais geométricos e definidos (…)". Em 1960, França Borges, na qualidade de novo Presidente da CML propõe a Ribeiro Telles, repor a situação inicial da avenida. Este recusa a tarefa, o que levou a um desentendimento com o Presidente, e à sua demissão. A obra de reposição prosseguiu no mesmo ano pela mão de Frederico Ressano Garcia. Anos mais tarde, “Caldeira Cabral escreveu uma carta ao novo Presidente da Câmara e seu amigo, o engenheiro agrónomo Fernando Santos e Castro, num desabafo em que assumiu ter sido um dos períodos mais penosos da sua vida profissional, ver destruir a sua obra que ‘(…) ia crescendo e se ia afirmando, inteiramente de acordo com o que nós os autores tínhamos sonhado, e também com aquilo que o público, não prevenido pela campanha jornalística, afinal desejava. O último resto de todo esse sonho era a Rotunda. Aí as árvores que tinham deixado atingiam agora já o seu pleno desenvolvimento.’ ” (monumentos.pt).

Hoje em dia, após quase três seculos de história, a Avenida da Liberdade, continua a ser uma das mais impressionantes avenidas de lisboa. Na sua periferia encontramos inúmeros hotéis, restaurantes e as principais lojas de grife da cidade, onde turistas e Lisboetas fazem as suas compras, sob a frescura de algumas das mais frondosas árvores de Lisboa.

A Avenida da Liberdade é Conjunto de Interesse Público, Portaria n.º 385/2013, DR, 2ª série, n.º 115 de 18 junho 2013. 

Inventário: Cristina Castel-Branco – 2002; Guida Carvalho – 2020.

Revisão: Cristina Castel-Branco – 2020.

inserido na ROTA DA GRANDE LISBOA

Avenida da Liberdade (antigo Passeio Público)

(Consultada em 2002 e dezembro de 2019)
BETTENCOURT DA CÂMARA, Maria Teresa P. M. C. M. – Do Passeio Público ao Alto do Parque: Contributo para o estudo da evolução do conceito de espaço público. Lisboa: Universidade Técnica de Lisboa, Instituto Superior de Agronomia, 2000. Relatório do Trabalho de Fim de Curso em Arquitetura Paisagista.
CASTEL-BRANCO, Cristina [ed.] – Necessidades: jardins e cerca. Lisboa: Livros Horizonte, 2002.
COELHO, F. J. – Contemporaneos Illustres: D. Fernando II de Portugal. Lisboa: Imprensa Nacional, 1878, p.154.
DO PASSEIO à avenida: Os originais do Arquivo Municipal de Lisboa. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa, 1998.
FRANÇA, José-Augusto. – 28: Crónica de um percurso. Lisboa: Livros Horizonte, 1998.
LISBOA em Movimento 1850-1920. Lisboa: Livros Horizonte, 1994.
CARITA, Hélder; CARDOSO, António Homem – Tratado da Grandeza dos Jardins em Portugal : ou da originalidade e desaires desta Arte. [S. l.]: Edição dos Autores, 1987. p.208.
MATOS, A. Campos. – Imagens do Portugal Queirosiano. Lisboa: Terra Livre, 1976.
VITERBO, Sousa. – A Jardinagem em Portugal. Coimbra: [s.e.], 1906, p.114.
GUIA de Portugal: Generalidades Lisboa e Arredeores I. Lisboa [S.l.]: Fundação Calouste Gulbenkian, 1979. Vol. 1. pp. 246-252.
http://www.cm-lisboa.pt/equipamentos/equipamento/info/avenida-da-liberdade
http://www.monumentos.gov.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=5972

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