Tapada da Ajuda

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Tapada da Ajuda

A Tapada da Ajuda ocupa uma área de cerca de 100 hectares, localizada na Freguesia de Alcântara, em Lisboa, cercada pelos seus muros que fazem fronteira com a malha urbana e o Parque Florestal de Monsanto, A Norte e Este (Gomes 1935). Uma tapada é “[...] um terreno murado, uma mata dentro da qual se cria caça e gado e se aproveita o mato e a lenha [...]” sendo um privilégio exclusivo da realeza (Cardoso 1992, p. 16). A manutenção destes locais ao longo dos séculos teve um papel muito importante na defesa e conservação da natureza pois permitiu preservar algumas das paisagens “naturais” existentes nesses locais até aos dias de hoje (Cardoso 1992). Esta situação verificou-se fundamentalmente nas tapadas associadas a palácios e com maior proximidade aos meios urbanos, como é exemplo a Tapada de Ajuda, a Tapada de Mafra, das Necessidades e de Queluz (Castro Rego 2001).

No final do século XX a tapada passou a ter a Oeste o Pólo Universitário da Ajuda onde se foram instalando várias faculdades e onde foi aberto um portão que faz a ligação entre esta nova zona poente da cidade e o antigo terreno de caça real que constituía a Tapada. Num manuscrito do Tombo da Real Tapada d’Ajuda (Lisboa, 1849) tapada situa-se “na extremidade de uma das ramificações da serra de Monsanto, em terreno muito acidentado, que se deprime muito rapidamente de norte para o sul, até se banhar nas águas do Tejo, abaixo da foz da ribeira de Alcântara, sendo a sua maior elevação o alto da Casa Branca [...]” (Alarcão-e-Silva 2002, p. 41).

Apesar da inexistência de vestígios nos dias de hoje, no lugar do atual Largo do Calvário, erguia-se nas proximidades da Tapada da Ajuda, a Real Quinta de Alcântara e o Paço de Alcântara, ambos construídos no reinado de D. Filipe II de Portugal, em 1603 (Alarcão-e-Silva 2002). Deste modo, verifica-se que no início do séc. XVII, a coroa possuía na zona de Alcântara o sistema Palácio – Quinta – Coutada, garantindo três funções essenciais: habitação, alimentação e recreação (Coutinho 2014). A Tapada da Ajuda como hoje a conhecemos, corresponde, total ou parcialmente à antiga Coutada de Alcântara (Alarcão-e-Silva 2002).

Apesar das várias evidências históricas, para muitos autores o início da fundação da tapada ocorreu posteriormente, no reinado de D. João IV, com a escritura, compra e expropriação de terrenos, em 1645, que viriam a constituir o núcleo principal da Tapada Real (Gomes 1935). Nesse mesmo ano, o rei mandou murar estes terrenos batizando o local de “Tapada de Alcântara” (Costa 1959). 

No reinado de D. José I, foram realizadas várias obras e plantações na Tapada de Alcântara, motivo pelo qual muitos autores defendem que a tapada tenha surgido por iniciativa do Marquês de Pombal, que criou este local para entretenimento e gosto do rei (Costa 1959). Após o terramoto de 1755 e a mudança de residência da família real para o Alto da Ajuda (inicialmente na Real Barraca e posteriormente no Palácio da Ajuda), verificou-se um abandono gradual do Palácio de Alcântara e da tapada (Coutinho 2014) mas devido à sua função de Coutada Real, a Tapada Real destacava-se de Monsanto pela sua vegetação arbórea e mata climácica, que contrastavam com o coberto arbustivo de Monsanto com mato e terrenos sem vegetação. Contudo, no séc. XIX, os novos usos da tapada conduziram a uma alteração significativa da paisagem (Pereira 1995), com a substituição das matas por produções agrícolas, emparcelamento de terras, com a construção de muros (Gomes 1935).

Apesar dos novos usos, a Real Tapada continuava a ter uma função nobre. A sua produção agrícola era utilizada para abastecer várias quintas e palácios reais, como o Palácio das Necessidades, o Palácio de Belém, Cascais, Sintra e Queluz, garantindo simultaneamente a alimentação dos animais das várias quintas do Calvário (Alarcão-e-Silva 2002). A intensificação da agricultura permitiu aumentar a importância da tapada no mercado agrícola (Gomes 1935) extinguindo com a prática de atividades cinegéticas por volta de 1841 (Costa 1959).

No final do séc. XIX o caracter da tapada volta a alterar-se, verificando-se uma maior intensificação no seu uso, devido a três acontecimentos distintos que marcaram percurso da sua história: a construção do Observatório Astronómico, a 3ª Exposição Agrícola e a instalação do Instituto Superior de Agronomia (Gomes 1935).

Por ordem do Rei D. Pedro V, em 1861, foi inaugurado o Real Observatório de Lisboa, conferindo ao local um estatuto de investigação e de excecionalidade, que há muito tinha perdido (Gomes 1935).Treze anos mais tarde, em 1884, a tapada abriu os seus portões à 3ª Feira Agrícola de Lisboa. As edições anteriores tiveram lugar nas arcadas do Terreiro do Paço (1852) e nas terras do Desembargador em Belém (1864), no entanto estes locais não eram adequados para a realização de uma exposição de grandes dimensões. Deste modo, o Rei D. Luís, mandou construir na tapada um edifício de grandes dimensões, que reunisse todas as condições necessárias para a realização da feira - o Edifício de Exposições (Costa 1959).

A Real Tapada da Ajuda tornara-se assim num importante centro de atratividade para a corte e palco de várias exposições, paradas, procissões, festas, quermesses, bazares e leilões. Recuperou-se novamente a atividade cinegética e novos desportes como o tiro aos pombos. Passaram a ser praticados passeios a cavalo, concursos de hipismo, esgrima e ténis; atividades fomentadas por serem muito apreciadas pela família real que frequentava e organizava com frequência eventos na Tapada Real (Costa 1959) que ficaram documentados em várias gravuras, poemas, sonetos e músicas (Costa 1959). Foi um período áureo para a Real Tapada da Ajuda que terminou com o regicídio e a implantação da República pois as várias propriedades e posses da coroa portuguesa ficaram ao abandono, aguardando por novas funções e proprietários (Castro Rego 2001).

Em 1910, foi decretada a atribuição da Tapada da Ajuda e do Jardim Botânico ao Instituto Superior de Agronomia (Decreto-lei de 12 de Dezembro de 1910, publicado em Diário da República a 6 de Dezembro). Era nesta altura Ministro do Fomento o Dr. Manuel Brito Camacho (Coutinho 2014).

O terceiro momento que marca fortemente a história da tapada foi a construção do Instituto Superior de Agronomia dentro dos seus limites em 1910. O ensino agrícola em Portugal surgiu muito anteriormente, no reinado da Rainha D. Maria II, tendo como ministro da coroa Fontes Pereira de Mello. De modo a adaptar a tapada a um local de ensino, foi construído o atual edifício Principal, pelo traço do arquiteto Adães Bermudes, e o edifício foi inaugurado no dia 18 de Novembro de 1917 (Coutinho 2014). 

Neste período a paisagem da tapada volta a sofrer alterações com a abertura para produção da ‘Terra Grande’ “[...] uma das melhores terras de semeadura para cultura cerealífera ou forraginosa [...] noutros terrenos foram plantadas vinhas, pomar, olival e hortas e vários núcleos florestais (Gomes 1935).

Simultaneamente verificou-se uma diminuição da área da tapada, com a construção de edifícios independentes ao Instituto, de que são exemplo a Escola Primária e o Pavilhão Gimnodesportivo; como também a expropriação de terrenos para assentar um dos pilares de suporte da Ponte 25 de Abril (Cardoso 1992).

Hoje em dia, “A instalação do Instituto Superior de Agronomia na tapada e o seu reconhecimento no domínio das ciências agrárias atraem para o local várias outras entidades externas, com atividades sobretudo ligadas à investigação e experimentação na área agrícola (Coutinho 2014, 21).

A Tapada da Ajuda é atualmente um campus universitário no qual entram e saem todos os dias milhares de alunos, docentes e investigadores. A maior parte dos edifícios do campus encontra-se na zona mais baixa da Tapada numa encosta virada a Sul e ocupa cerca de 1/4 da Tapada. Nesta zona os edifícios foram sendo construídos sem que os espaços entre edifícios não fossem matéria de plano diretor que lhes conferisse unidade e funcionalidade. No entanto a beleza do pinhal que envolve o edifício principal, o mais antigo edifício, a presença da vinha e pomares, adicionam um carácter rural que se sobrepõe em naturalidade ao urbano e lhe dá o valor de uma raridade que sobreviveu ao espalhar da construção urbana.

A nascente desta mancha de edifícios, é construído em 1943 o anfiteatro pelo traço do professor Francisco Caldeira Cabral, aquando do I Congresso de Ciências Agrárias. O anfiteatro destinava-se a três tipos de eventos: conferências e debates; representações de teatro e bailado e espetáculos de música. Na época, “tratando-se de um teatro ao ar livre optou-se por um carácter marcadamente vegetal como envolvência do palco” e reforçaram-se as plantações já existentes. Quando é construído o pilar da ponte e retirados terrenos à Tapada o anfiteatro perde estas funções pois o ruído exterior não permite a qualidade acústica para espetáculos. O jardim abaixo do anfiteatro e através do qual corre um ribeiro é um projeto do século XIX de valor paisagístico sobretudo por conter espécies vegetais exóticas; um núcleo de palmeiras onde se salienta a Brahea armata S. Watson e a Livistona chinensis (Jacq.) R. Br. ex Mart. Da Macaronésia, destaca-se também uma Dracaena draco (L.) L. (dragoeiro). Da flora continental, o Fraxinus angustifolia Vahl. (freixo), a Olea europaea L. subsp.europaea var. sylvestris (Mill.) Lehr. (zambujeiro), o Laurus nobilis L. (loureiro) e a Ceratonia siliqua L. (alfarrobeira). Pela sua diversidade botânica, este espaço merece especial atenção de restauro e de preservação.

Subindo do polo de edifícios do campus, a Tapada oferece uma visão rural única em Lisboa; a Terra grande, terreno de semeadura com 5 hectares onde todos os anos se assiste à sementeira, crescimento e corte das grandes searas de trigo cevada ou aveia. No topo da Terra grande destaca-se o edifício cilíndrico do observatório e disfruta-se de uma das melhores vistas de Lisboa. A Terra Grande está de facto virada para o Estuário do Tejo e desce em declive suave para o Vale de alcântara vendo-se ao longe o casaria da Zona de Santos o Velho e os campanários das suas igrejas.

Da estrada que contorna a Terra passa-se em transição para o Jardim da Rainha, dedicado à rainha Santa Isabel e ao Milagre das Rosas, onde três bancos com azulejos com a imagem do milagre das rosas, de D. Diniz a caçar e de D. Isabel a dar aos pobres ilustram o tema (fabricados pela Cerâmica Lusitânia de Lisboa em 1940). Um busto sobre pedestal indica a memória do engenheiro agrónomo João Coelho da Motta Prego, que desenvolveu as tecnologias extrativas de óleos a nível industrial. Destaca-se neste jardim a Jubaea chilensis (Molina) Baill. nativa do Chile, da família das Arecaceae, conhecida por palmeira-do-chile. O seu tronco cinza-claro pode chegar aos 30 metros e atingir um diâmetro igual ou superior a 1 metro. Este exemplar tem 9,6 metros de altura e 4,2 metros de perímetro medido É a palmeira com distribuição mais a sul, e cultivada em regiões quentes temperadas do mundo como espécie ornamental.

Continuando para nascente por caminhos entre bosques chega-se ao Jardim da Parada, espaço dedicado às paradas militares da guarda da rainha durante o reinado de D. Maria I (1777-1816). Pelo caminho passamos por lago de rebordos rocaille e atingimos uma zona de merendas com apoio de grelhadores e torneiras. Pinheiros, eucaliptos, freixos e zambujeiros de grande porte coabitam neste espaço que mantem um caracter florestal e os vários caminhos ladeados por arvoredo fazem o visitante descobrir quatro pequenos lagos, um labirinto, um parque de merendas e um roseiral mas o mais surpreendente é a chegada ao enorme pavilhão de exposições, edifício de ferro e vidro, da autoria do arquiteto Pedro d’Ávila inaugurado em 1884 pelo rei D. Luís I, sendo considerado um dos ex-libris da tapada. Construído para a III Exposição Agrícola de Lisboa, procurou “ombrear com os seus pares” da arquitetura do ferro a nível nacional, nomeadamente com o Palácio de Cristal do Porto (1865), ou a nível internacional, com o Palácio de Cristal de Hyde Park de Londres (1851) e o Trocadéro de Paris (1878). Ladeando simetricamente o pavilhão, encontram-se dois chalés típicos da época. A nascente a Vacaria, com um relógio no tímpano e campanário. A poente a Abegoaria, igualmente com um campanário contendo um barómetro.

Mais tarde, em 1889, é construído o chalé para residência do almoxarife-chefe, o qual se tornou posteriormente a residência do diretor do Instituto Superior de Agronomia. No presente é utilizado pelo Instituto Superior de Agronomia, como espaço de gabinetes e salas de reuniões.

Continuando pela estrada passa-se pela Lagoa Branca, uma enorme área cimentada que infelizmente já não tem água e pela estrada das oliveiras que nos leva á encosta virada a poente donde se vê a barra do Tejo. Esta área é sobretudo ocupada por campos de rugby onde treina a equipe de agronomia, e também tem um lago chamado pateira por servir de ponto de nidificação de bandos de patos de várias espécies.

A parte mais alta da Tapada é plana e nela a cidade desaparece por inteiro e o sentimento de se estar no campo marca a grande área de pastoreio os garranos vivem há já algumas gerações. Velhos freixos ladeiam a estrada e em alguns pontos velhíssimos sobreiros lembram as grandes planícies alentejanas. Estão instalados na Tapada viveiros que produzem plantas da flora autóctone e dão a esta encosta poente um carácter de produção e conservação.

O reconhecimento do valor patrimonial da Tapada da Ajuda conduziu à sua classificação como Imóvel de Interesse Público (conjunto intramuros) encontrando-se sob um regime de proteção de acordo com o Decreto n.º 5/2002, Diário da República n.º 42 de 19 fevereiro de 2002.

Texto de Inventário: Maria Portugal Ramoa – 2019.

Adaptação: Cristina Castel-Branco – 2020.

Tapada da Ajuda

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