Casa de Santa Clara / Quinta de Santa Clara

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Casa de Santa Clara / Quinta de Santa Clara

A casa de Santa Clara, também conhecida como Quinta de Santa Clara e Parque de Santa Clara, é uma antiga quinta de recreio localizada na estrada da Ameixoeira, no cimo de uma encosta virada a poente que cai a pique sobre o vale da Ameixoeira, com amplas e desafogadas vistas que se prolongam do planalto acima da Calçada de Carriche até às serras para além do vale de Loures.

Pouco se sabe sobre a origem da Quinta de Santa Clara, mas é certo que em 1694, sob o nome de Quinta Nova, era habitada pelo juiz desembargador Miguel Nunes de Mesquita. A quinta mantém-se nessa família de José Nunes durante as gerações seguintes, até que, em 1835, o então proprietário da quinta, António da Costa Brandão de Brito e Mesquita, Capitão-Mor de Oliveirinha, a vende a Dr. António Mascarenhas Calheiros. Em 1883, a quinta é novamente vendida, desta vez ao negociante José Joaquim Vieira da Silva, que por sua vez a vende em 1917 a Eduardo Jorge, conhecido como o "Chora", dono dos transportes puxados por cavalos que faziam a ligação entre Belém e o Intendente, ficando a quinta conhecida como Quinta do Chora. Em 1926 a quinta é comprada pelo banqueiro Augusto Carreira de Sousa, que manda fazer profundas obras de remodelação na casa, dotando-a da aparência faustosa que possui hoje em dia. O novo palacete, concluído em 1932, segue o traço de João Eugénio Duarte e de Fiel Viterbo e pretendia reproduzir um palácio do séc. XVIII.

Para a remodelação do jardim, Augusto de Sousa chama o jardineiro paisagista Jacintho de Mattos, que, tirando partido da estruturação do espaço e respeitando a compartimentação e o terraceamento pré-existente, transforma uma parte da quinta num parque, com uma extensa área de jardins formais, como demonstra o levantamento de Lisboa de 1949 o qual indicia, igualmente, uma intervenção formal, de Jacintho de Manos, numa aparente área de produção.

A 28 novembro de 1933, morre Augusto de Sousa ficando a quinta na posse da sua esposa, D.ª Aida Ferreira do Amaral Carreira de Sousa, que toma especial interesse pelas obras do jardim e lhes dá continuidade. São dessa época os bancos forrados a painéis de azulejo assinados por H. Rita e Amaral mandados instalar no jardim por D. Aida em 1941, e as figuras de convite instaladas em 1963 no pátio de recepção, ambas obras da fábrica de Sant'Ana.

Do jardim de Jacintho de Mattos analisa-se a planta de 1949, apesar da destruição de uma parte significativa da quinta impedir a sua total confirmação em terreno. Jacintho de Mattos refere-se, no catálogo n° 50 (1938?), aos 'jardins estilo século XVIII' que corresponderão aos jardins formais que se organizam ao longo de um eixo central longitudinal, desde o conjunto edificado até à extremidade sul, ocupando uma área significativa da propriedade. Estes jardins desenvolvem-se ao longo de quatro níveis distintos, separados uns dos outros por muros e balaustradas em 'cimento armado'. No patamar superior estes elementos mantêm-se bem conservados, com pintura dos paramentos, evidenciando uma riqueza cromática e formal, reforçando o carácter revivalista da intervenção.

O patamar superior estava dividido em dois canteiros longitudinais. Um informal que poderá ter, na sua origem, o interesse em conservar as plantas que existiriam no jardim naturalizado da Quinta Nova, anteriormente à intervenção de Jacintho de Mattos. Outro, formal, aparentemente um labirinto. A sul, este patamar seria delimitado por dois canteiros transversais, em cujo centro estaria uma cica, tendo em conta os exemplares desta planta ainda hoje existentes e a sua posição no local, e por dois pavilhões de onde se obteriam vistas particulares sobre os terraços inferiores.

O segundo patamar, em forma de meia-laranja, é um jardim com canteiros delimitados por sebes e arbustos podados, fechado por muro com balaustrada que se abre, através de um lanço de escadas, sobre o terceiro socalco onde se desenvolve um tanque-espelho de água de grandes dimensões, com formas clássicas, de inspiração renascentista, idênticas às do espelho de água da Quinta de N. Sra. da Paz. É provável que os canteiros tenham acolhido flores ou uma coleção de rosas, formando um roseiral.

Apesar das alterações que o lugar foi sofrendo, nomeadamente ao nível do traçado, ainda subsistem elementos suficientes para o entendimento de características particulares do lugar, nomeadamente a grande taça, em 'cimento armado', do espelho de água, vegetação original, designadamente os evónimos de significativo porte formando alinhamentos ou assumindo posições de destaque na proximidade do lago e que terão constituído elementos de topiária. Outros elementos característicos do trabalho de base classicista de Jacintho de Mattos encontram-se, também, neste jardim nomeadamente um banco com revestimento azulejar encastrado num pequeno muro rematado com volutas, localizado em posição central em relação ao espelho de água. Do mesmo modo, também as 'taças em cimento' sobre colunas que ornamentam este conjunto são reveladores de um padrão de ornamentação característico da obra deste jardineiro paisagista.

Este socalco é, igualmente, delimitado por balaustrada, encimada por taças, na qual se abre um lanço de escadas para o quarto e último patamar desta sucessão de jardins formais, hoje de traçado muito modificado. Pela análise da cartografia de 1949, cremos que este socalco terá acolhido um campo de jogos, numa opção idêntica à tomada para o caso do court de ténis da vizinha Quinta de N. Sra. da Paz.

Para sudeste desta sucessão de terraços cremos que se desenvolvia a parte da propriedade que Jacintho de Mattos designou de `parque', hoje toda urbanizada. A análise da cartografia de 1949 revela a existência de um alinhamento nordeste-sudoeste que corresponde à alameda de plátanos, ainda hoje existente, embora sem os detalhes da composição original registada na planta de 1949. Seria esta estrutura linear que estabelecia a distinção entre os jardins formais e o parque, no qual dominavam as linhas curvas regulares, seguindo um tipo de geometria desenvolvida pelos jardineiros paisagistas para os parques pitorescos de Oitocentistas.

Um lago naturalizado e um regato sinuoso estariam entre os elementos principais da composição do parque devendo-se, provavelmente a este manancial de água a alimentação do grande espelho de água classicista do jardim formal. Esta utilização de pequenas linhas de água, conduzidas através de canais de formas naturalizadas.

Os lagos de formas clássicas constituem uma referência na obra de Jacintho de Mattos, estando associados a uma composição formal com relvados e vegetação de grande interesse para o reforço do carácter formal da composição, quer crescendo livremente, como as palmeiras e cicas, quer condicionadas por podas tomando formas particulares, como no caso de buxos e evónimos que ainda hoje se encontram nesses jardins, quer formando açafates, rosáceas e bordaduras que acolhiam, também, herbáceas de flor ou folhagem coloridas.

Hoje em dia, sobrevivem ainda os quatro patamares do jardim formal e o palacete com o seu logradouro, parte do Instituto Superior de Gestão, tendo a zona do antigo `parque' sido vendida para construção na década de 70. O jardim formal de Jacintho de Mattos continua a fazer as delícias de quem o visita sob a forma de um simpático jardim público conhecido como "Parque de Santa Clara", aberto ao pela primeira vez ao público em 1983 após algumas obras de modificação e adaptação.

O parque encontra-se parcialmente incluído na Zona de Proteção da Igreja de Nossa Senhora da Encarnação, localizada junto à Casa de Santa Clara.

Autor: Adaptado da tese de doutoramento de Teresa Marques, ‘Dos jardineiros paisagistas e horticultores do Porto de Oitocentos ao modernismo na Arquitetura paisagista em Portugal’, apresentada no Instituto Superior de Agronomia em 2009.

Adaptação: Guida Carvalho – 2020.

Revisão: Cristina Castel-Branco – 2020.

Casa de Santa Clara / Quinta de Santa Clara

(Consultada em 2009 e abril de 2020)

CONSIGLIERI, Carlos – Pelas freguesias de Lisboa. O termo de Lisboa: Benfica, Carnide, Lumiar, Ameixoeira, Charneca. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa, 1993.
MARQUES, Teresa Dulce Portela – Dos jardineiros paisagistas e horticultores do Porto de oitocentos ao modernismo na arquitectura paisagista em Portugal. Lisboa: ISA, 2009. Tese de Doutoramento em Arquitectura Paisagista.
SANTO, Eugénio do Espírito – Ameixoeira: um núcleo histórico. Lisboa: Edição do autor, 1997, pp.161-173.
http://www.monumentos.gov.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=23906

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