Tapada de Mafra (inclui Jardim do Celebredo e Jardim do Cerco)
Lisboa | Mafra
Tapada de Mafra (inclui Jardim do Celebredo e Jardim do Cerco)
Localizada em Mafra, sobre uma paisagem de relevo muito acidentado entre os 80m e os 358m de altitude, com uma geologia muito peculiar de calcários e afloramentos de basalto, a Tapada de Mafra foi criada anexa ao Palácio e convento de Mafra segundo a tradição das grandes tapadas reais para caça. “[...] os 23 quilómetros de muros da Tapada Real de Mafra, criada em 1747 com 1.179 hectares […]” (Rego, 2001, p. 13) surge sob a batuta de D. João V em decreto que a consigna “Por quanto, com a obra do convento de Nossa Senhora e Santo António junto a Mafra, cerca do mesmo e Tapada que na vizinhança dele mandei fazer; se tem ocupado muitas terras [...] para se comprarem por seu justo preço” (Santos, 1936, p.275).
Este emparcelamento de terras com vista à criação de um terreno de caça para o Rei veio a determinar uma das paisagens mais bem preservadas, como terreno natural nos arredores de Lisboa, até aos dias de hoje. O muro alto de cerca e 3m que a envolve não permitiu invasões urbanas ao longo dos últimos quase três séculos, e os animais de caça que a povoam foram sendo os únicos habitantes desta paisagem parada no tempo. As caçadas foram mantidas com o objectivo de evitar o sobrepovoamento de veados, gamos, javalis, coelhos e raposas e as populações de animais foram sendo controladas através de caça seletiva e controlada.
O habitat para vida selvagem é um atributo de excelência da Tapada de Mafra que no final do século XX, viu nidificar no seu coração uma das espécies mais exigentes da fauna bravia: a Águia de Bonelli, indicador da qualidade dos processos ecológicos e da biodiversidade da Tapada de Mafra onde vivem muitas espécies de animais em liberdade.
A Tapada encontra-se dividida em três secções independentes. A primeira Tapada tem uma área de 360 hectares, e está afeta à Escola Prática de Infantaria e Centro Militar de Educação Física e Desportos, servindo esta área para exercícios físicos e treino militar. Esta área liga-se ao palácio-convento através do jardim do Cerco. A segunda Tapada ou Tapada do Meio e a 3º Tapada ou Tapada de Fora têm em conjunto 820 hectares que constituem o que hoje se designa por Tapada de Mafra, acima descrita.
Durante as invasões francesas foram aqui construídos dois fortes da 2º Linha de Torres, o do Sonível e o da Milhariça, cujos vestígios ainda hoje se podem observar. Em 1840, por iniciativa de D. Fernando é instalada a real coudelaria de Mafra para os poldros das reais manadas de Alter do Chão aí completarem a sua criação e manteve-se na Tapada até 1859. Em 1848 é criado o real Colégio Militar em Mafra dando início à presença militar na Tapada, reforçada em 1887 pela criação da Escola Prática de Cavalaria e Infantaria. Nos reinados de D. Luís e de D. Carlos a Tapada Real de Mafra conheceu um período áureo como parque de caça tendo-se investido no seu repovoamento e reflorestação. É então construído o Pavilhão de Caça no Vale do Celebredo que ainda hoje se conserva em bom estado de utilização. Em 1941 com a entrega da segunda e terceira tapadas à Direção Geral dos Serviços Florestais e Agrícolas e sob a administração de Segismundo Saldanha deu-se início a um novo período, agora como Tapada Nacional de Mafra, servindo como parque nacional de caça, e investindo-se na construção de várias casas de guardas, no calcetamento de caminhos, na construção de tanques a servirem de bebedouro para a fauna bravia e na reparação do património construído.
Em 1975 a Tapada Nacional de Mafra é aberta ao público, o que deu origem a uma excessiva carga humana. Com o grande incêndio 1981 a tapada é definitivamente fechada ao público até 1989, quando foi criada a Zona de Caça Nacional da Tapada de Mafra com o objectivo de gerir e explorar racionalmente a população cinegética aí existente. Desde 1996 a tapada passou a ser gerida por uma Régie-Cooperativa criando condições para atividades como a investigação, o ecoturismo, a educação ambiental, o turismo rural e a caça. Apesar de parecer contraditório, na Tapada de Mafra o exercício da caça é imprescindível para o correto ordenamento cinegético pois tratando-se de uma população fechada dentro de muros onde não há predadores naturais que corrijam a densidade e selecionem a população animal tende para um aumento excessivo com sérios inconvenientes ao nível de doenças, alimentação, e degradação do coberto vegetal. Assim durante os meses de Outubro e Fevereiro eram efectuadas caçadas aos veados e gamos, na medida justa que permitia o controlo das populações animais sobretudo da caça grossa.
Para além da qualidade ecológica deste parque há ainda a destacar a qualidade cénica; do Sonível, ponto mais alto da Tapada, vê-se o mar e a costa do Cabo da Roca a Peniche, e ao contrário do resto da paisagem envolvente em que o povoamento é disperso e ocupa todos os ângulos de vista a Tapada é uma mancha verde contínua onde a presença humana é muito discreta.
No coração da Tapada, escondido num dos pequenos vales “[...] há um palacete denominado o Celebredo, que serve para o rei descansar nos dias de caçada. Assente no fundo de um valle, entre duas montanhas que se elevam a uma altura excessiva, no meio de um maciço de verdura, banhado por estreita ribeira.” (Gomes, 1866, pp. 60-61) <br/> este palacete ainda se conserva, construído junto à ribeira do Codaçal, com pontes que o ligam ao terreiro e ao chalet que servia de sala de banquetes e ainda hoje conserva a mobília, a decoração e a memória dos jantares de caça dos Reis.
A partir deste vale uma rede de caminhos permite o acesso a Sul, à parte mais elevada e menos florestada da Tapada onde pontuam cinco casas de guardas e os seus respetivos portões: do Muro Seco, do Sonível, da Milhariça, da Abrunheira, do Valério. A nascente encontra-se a casa do Vale da Guarda com portão e a Norte os portões do Gradil e do Codaçal, este ultimo aberto para o grande público e a visitação controlada e paga da Tapada.
Em vários pontos se encontram tanques e fontes, pontes e caminhos calcetados mas a marca mais forte da Tapada é a sua vegetação que marca os festos com linhas de pinheiros mansos que preenche os vales com a ramagem clara dos choupos ou cobre as encostas de sobreiros antigos. Foi classificado como árvores excepcional o enorme sobreiro que cresce desde há 300 anos na estrada da Bela Vista na encosta virada a Norte da elevação do Sonível.
A beleza destes quase novecentos hectares tem sido pouco valorizada estando a Tapada mais vocacionada para o estudo dos valores florístico, faunísticos e cinegéticos, mas a sua qualidade cénica merece ser referida como um atributo que se vem adicionar à riqueza e diversidade da vida selvagem e à história já longa da Tapada de Mafra.
Destaca-se desta história o grupo de construções de apoio às caçadas reias que se encontram no Vale do Celebredo, junto a uma linha de água, a ribeira do Codaçal que desce até uma represa à qual se encosta um pequeno e recatado jardim de caminhos sinuosos, rematados a pedra tosca irregular com fontes recobertas a azulejos, degraus irregulares, e estátuas trazidas do jardim do Cerco. Sabe-se que Jean Baptiste Bonnard, o jardineiro do Rei D. Fernando que trabalhou nas Tapada das Necessidades em Lisboa trabalhou também para Mafra e a localização do jardim criado num terraço sobre a ribeira mostra uma mestria grande do aproveitamento da linha de água para embelezar o jardim. Admite-se também, que o jardim tenha sido reformulado na altura das intervenções de Sigesmundo de Bragança a meio do século XX com azulejos e estátuas, no entanto o ambiente volta a recordar os jardins românticos de D. Fernando nos quais a parte plana do jardim se liga à encosta abrupta, e o visitante é convidado a subir por caminhos e degraus rematados por pedra tosca, entrando no mundo misterioso da floresta podendo de alguns pontos altos admirar a clareira iluminada e plana, onde na Primavera se cumprem exuberantes florações.
Outro jardim já referido e dentro deste conjunto Tapada-Palácio é o jardim do Cerco, sob tutela da Câmara Municipal de Mafra. Os cerca de 8 hectares deste jardim são ocupados por uma grande mata, canteiros, relvados, alamedas de grandes árvores, largos caminhos, tanques e uma nora setecentista, cumprindo hoje em dia a função de jardim publico municipal.
Na sua origem foi Horto dos Frades do convento de Mafra, organizado junto à Botica nas fachadas Norte e Este do Convento, com vista ao cultivo, separação, classificação e armazenamento das essências sabiamente extraídas com referido nos documentos da botica “para nada se perder da força destas plantas que curam”.
Para recolher para o convento as nascentes de água da Real Tapada, D. João V encomenda ao engenheiro Manuel da Maia a construção de um aqueduto de 4 Km que se inicia no Sonível e atravessa as íngremes colinas até ao jardim do Cerco onde uma cisterna, ainda hoje, recebe a água que serve para irrigação.
O Plano Diretor de Restauro do Jardim do Cerco – Mafra (ISA-CEABN,1997) recuperou segundo as regras de restauro do jardins históricos (Carta de Florença- ICOMOS, 1981) os elementos históricos, relocalizou um parque infantil sob o copado existente, restaurando a grande nora e tanque elíptico, reforçou o eixo central do jardim, os pavimentos os muros de suporte e propondo a recuperação do jogo de pela também melhorou os caminhos da mata. Ainda tentando reforçar os elementos que dignificassem a relação com as fachadas Nascente e Norte do convento, o Plano Diretor de Restauro propõe que seja substituída por um parterre simples a enorme pista de asfalto e sejam demolidas as oficinas militares substituindo-as por planos de água ou vegetação, reduzindo assim a falta de um verdadeiro jardim barroco ao eixo do convento.
Em 2018, as entidades tutelares da Tapada de Mafra, jardins e Palácio submeteram à lista de Património Mundial o conjunto Palácio, Tapada e Jardim do Cerco para integrar a lista do Património Mundial segundo o Critério IV sob o qual se classificam as propriedades submetidas para avaliação do seu Valor Universal Excepcional como sendo "um exemplo excecional como edifício, conjunto arquitetónico ou tecnológico ou paisagem que ilustra estádios significativos da história da humanidade.” Em 2019, na 43 sessão do Comité do Património Mundial a candidatura do Palácio de Mafra, jardim do Cerco e Tapada foram considerados como conjunto uno e inscritos na Lista do Património Mundial. A nível Nacional, a Tapada é parcialmente incluída na Zona Especial de Proteção do Convento de Mafra (v. IPA.00006381).
Texto de Inventário: Cristina Castel-Branco – 2020.
inserido na ROTA DA GRANDE LISBOA
Tapada de Mafra (inclui Jardim do Celebredo e Jardim do Cerco)
(Consultada em Fevereiro de 2020)
CARITA, Hélder; CARDOSO, António Homem – Tratado da Grandeza dos Jardins em Portugal : ou da originalidade e desaires desta Arte. [S. l.] : Edição dos Autores, 1987. pp. 148, 217.
CARTA DE FLORENÇA sobre a salvaguarda de jardins históricos. Florença: ICOMOS, 1981.
CASTEL-BRANCO, Cristina. Félix de Avelar Brotero - Uma Historia Natural. Coimbra: Livros Horizonte, 2007. pp. 143-172.
CASTEL-BRANCO, Cristina. Jardins de Portugal. Lisboa: CTT Correios de Portugal, 2014, p.200-205
CASTEL-BRANCO, Cristina, et. al. - Plano Director de Restauro do Jardim do Cerco. Lisboa-Mafra: Câmara Municipal de Mafra e Centro de Ecologia Aplicada Prof. Baeta Neves do Instituto Superior de Agronomia, 1997.
CASTEL-BRANCO, Cristina. RIBAS, Carlos. - O Jardim do Cercoe a Tapada Real. In Dossiê: O Monumento de Mafra. Lisboa: Monumentos, Novembro 2017, 35. CASTEL-BRANCO, Cristina. - O lugar da Ajuda». In Jardim Botânico da Ajuda. ed. C. Castel-Branco. Lisboa: Jardim Botânico da Ajuda, 1999.
CASTEL-BRANCO, Cristina; REGO, Francisco. - O mundo das plantas e a ciência. In Jardim Botânico da Ajuda. ed. C. Castel-Branco. Lisboa: Jardim Botânico da Ajuda, 1999.
CONCEIÇÃO, Frei Cláudio da. Gabinete Histórico. tomo VIII. Lisboa: Imprensa Régia, 1820.
GOMES, Joaquim da Conceição, 1829-? - O monumento de Mafra: descripção minuciosa d’este edificio : idea geral de sua origem e construção e dos objectos mais importantes que constituem esse grande todo / Joaquim da Conceição Gomes. Mafra: Typ. Mafrense, 1866, p.60-61.
REGO, Francisco C. – Florestas Publicas. Lisboa: Direcção Geral de Florestas, 2001, p. 13.
SANTOS, Rogério Marques Caldeira. – Tapada de Mafra: Alguns subsídios para o seu estudo. Lisboa: Intituto Superior de Agronomia, 1936. Relatório de estágio de curso de engenheiro silvicultor, apresentado ao Instituto Superior de Agronomia, texto policopiado.
http://europeangardens.eu/inventories/pt/ead.html?id=PTIEJP_Lisboa&c=PTIEJP_Lisboa_J2&qid=sdx_q6
http://www.monumentos.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=7002