Jardins do Palácio de Queluz
Lisboa | Sintra
Jardins do Palácio de Queluz
Situada no concelho de Sinta a cerca de 15 minutos de Lisboa, o Palácio Nacional de Queluz é dos grandes edifícios do estilo rococó erguidos em Portugal. A sua história começa em 1746, na velha Casa de Campo de Queluz, quando começaram as obras do jardim e palácio. O Infante D. Pedro, último filho de D João V, tendo herdado a Casa do Infantado, decide encomendar a Jean Baptiste Robillon - um ourives que, agigantado com tal desafio, passa a arquiteto chefe revelando sensibilidade, bom gosto e sabedoria, deixando-nos uma pérola que marca a história da arte de jardins em Portugal.
D. João V havia terminado o palácio-convento de Mafra em 1740. O contraste de Queluz com Mafra é grande, apesar de ambos terem sido desenhados por ourives; Mafra, com João Frederico Ludovice, ganha em dimensão o que perde em charme, afirma-se com a imponência da fachada mas para trás, para o interior mais íntimo, esquece o jardim que nunca foi feito, deixando esta cópia barroca de Versailles como um girino com a imensa cabeça do palácio, mas sem o corpo do jardim. Em Mafra falta água e as nascentes do Sunível, na Tapada de Mafra, não chegavam para abastecer um jardim à dimensão do palácio, apesar do aqueduto projetado pelo Engenheiro Manuel da Maia que veio a fazer também o sistema hidráulico de Queluz.
D. Pedro, mais tarde príncipe consorte ao casar com D. Maria I, sua sobrinha, conseguiu em Queluz uma obra completa, com palácio e jardim de grande qualidade no traçado, na decoração, na proporção e no encanto, coisa que a enorme obra de seu Pai em Mafra nunca conseguiria atingir, deixando-nos o palácio sem jardim, suspenso num eixo inacabado. O Engenheiro aprendeu a lição da falta de água em Mafra e em Queluz explorou todas as formas de captação de água: uma cisterna para onde correm minas subterrâneas, aquedutos que transportam água para o grande tanque do Miradouro no ponto mais alto do jardim, poços, recolha em galerias e ainda um canal que transformou o Rio Jamor, com uma comporta fixando um plano de água como um lago entre muros revestidos a azulejos.
Uma vez estudada a água que permitiu a construção deste jardim e conhecido o seu Mestre, a história e o registo do projecto de Queluz muito devem aos estudos de Simoneta Luz Afonso e Ângela Delaforce (Afonso et al., 1989, p. 16), que trouxeram dados novos relativos à estatuária, aos planos do jardim, às plantas importadas e que permitem agora perceber quem contribuiu para esta obra paisagística nas suas várias fases. A identificação de duas plantas do projeto dos jardins de Queluz, descobertas por Simoneta na Biblioteca de Rio de Janeiro, é um episódio emocionante que nos permite hoje analisar uma espécie de anteprojeto de meados do séc. XVIII atribuível a Robillon, enquanto a segunda planta, de c. 1795, foca sobretudo a arquitetura e a ampliação do palácio, possivelmente da autoria do Arquiteto Mateus Vicente de Oliveira.
Esta planta é também o levantamento dos dois terraços de buxo na altura já completos e por onde entramos hoje, no ponto da mais íntima relação entre a arquitetura e o jardim. Nela se vê com precisão os eixos, o desenho dos buxos, dos lagos e das fontes, permitindo que o recente restauro impulsionado pela atual Diretora do Palácio, Isabel Cordeiro, pudesse ser mais fiel à traça original.
Nos jardins de Queluz, devemos dar muita atenção à estatuária recentemente limpa e restaurada, que é imponente. Não temos outro jardim em Portugal com tão boa escultura. Não sabemos quem escolheu a estatuária e quem esculpiu as peças de cantaria das fachadas decoradas que envolvem o melhor do jardim, mas conhecem-se os autores de França, Itália e Inglaterra que esculpiram as estátuas. John Cheere (1709-1787) fez para Queluz grande quantidade de estátuas que se podem admirar no jardim, hoje com a cor do chumbo mas que os inventários descrevem como tendo sido pintadas de cores vivas. As estátuas representam temas mitológicos: Minerva e Marte no Lago dos Dragões, um Sansão matando um Filisteu, junto à sala do trono, o Rapto das Sabinas, cópias em chumbo das famosas peças de Giovanni da Bologna. À volta do Lago do Tritão, desenhado por Robillon, o Tritão ostenta um búzio por onde jorra água, sobre uma cascata de pedra tosca (brutesca) e uns macacos mascarados de bobos ornamentam os lagos laterais. Três estações do ano mantêm-se em redor do Lago onde estão também Pomona e Vertmuno, Atalanta e Meeléago. Ao longo da balaustrada que circunda o jardim de Neptuno uma coleção de estátuas italianas de mármore mantém-se na mesma posição e divide o espaço manuseado ao pormenor e domesticado, que contracena com o bosque deixado livre, só cortado por alamedas de passeio. O próprio Robillon executou as bordaduras de lagos, verdadeiras peças de ourivesaria, merecendo ser bem apreciado o Lago das Medalhas que joga com o nível da água e o recorte de pedra do lago, de forma única.
A peça mestra de Robillon, que merece uma visita cuidada, é a escadaria feita no ângulo dos dois edifícios virados para o canal: resolvendo uma diferença de nível para o jardim, liga com um efeito cenográfico magnífico a grande varanda do palácio com a ponte do canal, mais parecendo um cenário de ópera em pedra.
O Jardim de Malta (D. Pedro foi Cavaleiro da Ordem de Malta), por onde hoje entramos, teve também um “escultor” próprio, mas de buxo e murta: o jardineiro-botânico holandês Geraldo Van den Kolk (Afonso etal., 1989, p. 16), que chega a Queluz em 1755 acompanhando enormes encomendas de árvores (800 tílias, castanheiros, ulmeiros e arbustos topiados). Os parterres de buxo podado mantêm parte do seu desenho inicial, mas é já impossível dar-lhes o efeito de “broderie” ou seja de bordados em buxo que o holandês atingiu na plantação inicial e que vimos na planta do Rio de Janeiro.
Teremos também que imaginar que a festa nestes jardins era permanente e todos os anos se representavam óperas, fazendo os sons parte da beleza do jardim, como prova a Casa da Música no meio da ponte que atravessa o canal. É preciso imaginar o jardim com música, com lanternas de papel à noite e com balões de ar quente que subiam para divertimento da corte. Havia também o jogo da Péla como em Mafra e em Caxias, uma espécie de ténis que os homens da corte jogavam muito. Andava-se ainda de barco no Canal, como em Versailles no Grand Canal, e havia um picadeiro para os jogos equestres da época.
É certo que Queluz se serviu de Versailles como inspiração, aliás como tantos outros jardins pela Europa fora, e a uma escala reduzida usou a mesma composição geométrica dividindo o espaço em terraços, revestindo-os de buxos em topiária, ponteando os cantos com estátuas, rematando o espaço com balaustradas, centrando os lagos e as suas esculpidas fontes que espalhavam água, resolvendo com magníficas escadarias as diferenças de altura dos vários patamares mas, ao contrário de Versailles, os arquitetos em Queluz tinham um terreno acidentado, uma ribeira seca no Verão e transbordante no inverno, uma tradição islâmica em que os azulejos faziam parte do jardim, e um clima quase sem geada que permitia citrinos todo o ano em espaço exterior.
Nos jardins de Versailles entramos e vimos de um só golpe o grande eixo barroco prolongando-se por cinco quilómetros: a grande invenção de Le Notre, o jardineiro do Rei Sol; mostrar, tal como Descartes, que o espaço num jardim é infinito, e a obra humana consegue que a natureza lhe obedeça em linhas retas. Em Queluz, para quem entra no jardim, o eixo dos dois terraços é quebrado, e o eixo que se dirige para a cascata a Sul não se consegue alcançar de um só olhar porque o terreno desce e o eixo desaparece. Pode afirmar-se que Queluz segue o ornamento e o aparato de Versailles mas falha na composição, preferindo seguir um traçado e uma proporção mais humana, mais portuguesa, mais discreta, que só a faz ganhar em charme e em conforto.
O canal é então a peça mais original do jardim; em vez de ser obrigado a conter-se entre paredes retilíneas, é deixado contornar o jardim em curva natural. Armazenar a água no Inverno, servindo-se da sua beleza como espelho e da sua frescura no Verão, levando-a para rega depois para a quinta. O canal separa e funde o jardim de aparato com a quinta de produção e quem se passeia de barco vê por perto as copas do laranjal, os pomares e hortas onde a água termina o seu ciclo. Seguindo a linha da tradição de jardins portugueses como a Bacalhoa e Fronteira, Queluz fez então deste canal o grande espelho de água onde se refletem os azulejos que não podiam faltar neste jardim português que tem como traço próprio saber entrançar com subtileza os estilos e a criatividade das outras culturas.
Monumento Nacional, Decreto de 16-06-1910, DG, 1.ª série, n.º 136 de 23 junho 1910 / Zona "non aedificandi", Portaria, DG, 2.ª série, n.º 200 de 24 agosto 1968.
Texto de Inventário: Cristina Castel-Branco, 2013.
inserido na ROTA DA GRANDE LISBOA
Jardins do Palácio de Queluz
(Consultada em 2013)
ARAÚJO, Ilídio de – Arte Paisagista e Arte dos Jardins em Portugal. Lisboa: Centro de Estudos de Urbanismo, 1962. p. 156.
AFONSO, Simonetta Luz; DELAFORCE, Angela. – Palácio de Queluz: Jardins. Lisboa: Quetzal Editores e Instituto Português do Património Cultural, 1989.
CARITA, Hélder; CARDOSO, António Homem – Tratado da Grandeza dos Jardins em Portugal: ou da originalidade e desaires desta Arte. [S. l.]: Edição dos Autores, 1987. pp. 171-197.
CASTEL-BRANCO, Cristina – Jardins de Portugal. Lisboa: CTT Correios de Portugal, 2014, p. 182-185.
GUIA de Portugal: Generalidades Lisboa e Arredeores I. Lisboa [S.l.]: Fundação Calouste Gulbenkian, 1979. Vol. 1. pp. 479-488.
SAPIECHA, Nicolas (fot.). – Esculturas dos Jardins de Queluz: Sculptures in the garden of Queluz. Queluz: Co-edição IPPAR, Quetzal e Scala Books, 1997.
http://europeangardens.eu/inventories/pt/ead.html?id=PTIEJP_Lisboa&c=PTIEJP_Lisboa_J26&qid=sdx_q59
http://www.monumentos.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=24040
http://www.patrimoniocultural.pt/pt/patrimonio/patrimonio-imovel/pesquisa-do-patrimonio/classificado-ou-em-vias-de-classificacao/geral/view/70181/