Jardins do Palácio Nacional de Sintra
Lisboa | Sintra
Jardins do Palácio Nacional de Sintra
O Palácio Nacional de Sintra conhecido por Palácio da Vila, é um marco na paisagem de Sintra. O edifício a meia encosta eleva-se sobre um vale cavado, olhando a pequena vila mesmo em frente, o mar à distância para Oeste e o castelo dos mouros no cimo da Serra. O seu valor histórico, arquitetónico e artístico é inquestionável e reflete-se no traçado dos seus pátios, no revestimento azulejar, nos jardins e incomparáveis vistas.
As primeiras referências a estruturas palacianas em Sintra remontam ao geógrafo árabe Al-Bakrî que já no século XI refere a existência de dois castelos em Sintra, um situado no cimo da serra, que ainda hoje é chamado Castelo dos Mouros, e um segundo “castelo” com componente residencial implantado mais perto do povoação da encosta, no local onde hoje se encontra o palácio de Sintra (Sintra: Roteiro Turístico do Património Mundial, 2016). A antiga designação do ‘Jardim dos Príncipes’, então jardim de Lindaraya, certamente alude a esta época. Da edificação moura são prova “a alvenaria das paredes […] os azulejos que formam o mosaico do pavimento da capella […] a guarnição de azulejo que circunda uma pequena porta da Sala das Sereias ou da Galé, […] os azulejos de padrão geométrico que existem n'esta sala [… assim como] a parede do fundo da cozinha, que pela sua argamassa e maneira como os tijolos se acham sobrepostos indica, segundo o communícou Haupt, a origem mourisca.” (Conde de Sabogosa, 1903)
O palácio terá sido conquistado aos mouros por D. Afonso IV de Castella em 1093 e, depois de perdido, reconquistado pelo Conde D. Henrique de Borgonha em 1109. As principais campanhas de obras, já na posse da coroa Portuguesa, foram promovidas pelos reis D. Dinis (1279-1325), D. João I (1385-1433) e D. Manuel I (1495-1521), entre finais do século XIII e meados do século XVI, legando ao palácio a essência da sua atual configuração e silhueta que lhe confere a honra de ser dos poucos Palácios da Idade Média, que chegou praticamente intacto até aos nossos dias.
Deve-se a D. Dinis, a fundação da Capela Palatina com a invocação do Espirito Santo, pensa-se, sobre uma antiga mesquita. O seu pavimento cerâmico e o teto de madeira são dos mais antigos exemplos de trabalho mudéjar em Portugal. As grandes transformações e alargamentos do Palácio datam do período de D. João I, sob direção de João Garcia de Toledo. Espaços como o pátio central, a Sala dos Cisnes (principal espaço de aparato), a Sala das Pegas, a sala das Sereias, a sala de Júlio César, a Sala dos Árabes já existiriam, ainda que com outras funções, sendo que as divisões mais afastadas da Sala dos Cisnes seriam as mais restritas e íntimas. D. Manuel I será responsável pelas campanhas de embelezamento do Palácio (janelas manuelinas e decorações de azulejos), destacando-se o corpo Manuelino (aposentos de D. Manuel) e a Torre junto ao Jardim dos príncipes em cujo topo se pode encontrar a Sala dos Brasões.
O palácio organiza-se em altura, adaptando-se ao terreno. Ligando as várias divisões, vão surgindo pequenos pátios interiores a céu aberto com as suas fontes, azulejos e estatuária, onde o som da água corrente é uma melodia que nos acompanha. Á medida que nos aproximamos da periferia do palácio, a vegetação vai-se tornando mais abundante e o caracter intimista dos pátios dá lugar a jardins mais amplos que nos convidam a espreitar as vistas. Daqui, por entre patamares e namoradeiras, podemos observar o casario da vila de Sintra mesmo em frente, e à distância, por entre a mata e o relevo vigoroso, podemos descobrir o castelo dos mouros, a Vila Sassetti, a Quinta da Regaleira, o palácio de Seteais, abrindo-se as vistas mais longínquas para noroeste até ao oceano enquadradas por janelas em arco abertas nos muros dos jardins.
Atualmente entra-se no palácio por uma escadaria de pedra irregular, que dá acesso a um terraço com balaustrada, e um tanque com fonte no meio. “Este tanque tem no centro uma concha, encimada por um castello de cantaria, que é rematado por uma esphera de metal. Este castello é o que figura nas armas da villa. Da parte superior corre a água continuamente por quatro fontes, em forma de golphinho, para uma concha, e d'esta para o tanque circular” (Conde de Sabugosa, 1903). As águas seriam excedentes da fonte da Sabuga e não seriam próprias para consumo. A praça em frente ao palácio, foi em tempos um pátio rodeado por edificação, onde segundo o conde de Sabugosa “[…] em varias epochas se correram touros, se jogaram as cannas, e houve torneios, — festas a que assistia a Corte espalhada pelas janellas do Palácio—[…]” (Conde de Sabugosa, 1903).
Dos pátios interiores destaca-se logo à entrada o pátio central, ao redor do qual D. João I organizou os seus aposentos, com funções diversas. Este pátio, também conhecido como pátio dos Esguichos, é coroado por uma pequena “Gruta de Banhos” materializada numa casa de frescos com azulejos e estuque do séc. XVIII. Sobre esta casa de frescos diz-nos António Coelho Gasco que “Ente outras muito grandes [coisas] que tem, há huma caza de agoa, que em se metendo huma pessoa nella sahem tantos esguichos, que se vê toda coberta della n’hum momento.” O conhecimento hidráulico que esta complexa construção de esguichos indica tem origem na arquitetura islâmica de jardins transmitida no início do Renascimento para o Sul de Itália tornando-se numa prática de divertimentos que o nome indica: igiochi, jogos de água. Surgem mais tarde nos jardins do palácio Fronteira e revelam um grande conhecimento hidráulico. (Castel-Branco, 2008).
Este pátio de planta aproximadamente quadrangular tem pelo lado sul, um tanque sobrelevado comprido com uma pequena bica onde o som de água corrente e a presença do tanque refrescam o espaço. Segundo Castro e Sousa, conta a tradição que este tanque foi mandado construir por D. João I, por volta de 1429, para acomodar dois cisnes brancos enviados por Filipe III, Duque de Borgonha, à Infanta D. Isabel, sua futura esposa, aquando da embaixada que trouxe a Portugal o seu pedido de casamento. “Vendo ElRei seu Augusto Pai o grande apreço que d’elles fazia a Infanta, mandou logo construir um pequeno tanque, para n’elle os verem banhar-se, no pavimento da primeira janella da sala, que diz para o terraço, onde está o lago, que ainda hoje alli se conserva; e quando a sua filha, a Infanta D Isabel partio para os seus Estados de Flandres no anno de 1430, os fez imitar bem ao natural no tecto da sala, pelo seu pintor Alvaro de Pedro […]” (Souza, 1834).
O pavimento deste pátio é feito em lajes de pedra quadrangulares dispostas num xadrez de contraste leve e as paredes são guarnecidas por uma faixa de azulejo branco e verde com desenho árabe. No centro do pátio encontra-se uma espécie de pelourinho de pedra encimado por um grupo de meninos nus. Diz-se que esta peça também possui um repuxo oculto que confirma a ideia dos jogos de água (giochi) pois em tempos costumava repuxar “água num esguicho, que se espalha por todo o recinto e molha as pessoas que vêem fugindo da sala de banho” (Conde de Sabugosa, 1903). Tal como os pátios islâmicos o pavimento tem uma caldeira com uma árvore que traz sombra e conforto ao espaço.
Passando por salas e quartos, chegamos ao pequeno pátio de Diana, onde o interesse recai sobretudo na fonte que representa a Deusa caçadora, e que se desenvolve entre dois lances da escada bipartida. O espaço é pequeno mas agradável e decorado com azulejaria.
Deste pátio desce-se por uma escadinha para um pátio inferior, conhecido como pátio do Leão. Este é bastante maior que o anterior, e deve o seu nome de uma cabeça do leão que deita água para um lago. Segundo o conde de Sabugosa “Este lago não tem bordas. A sua agua escoa- se para o Jardim da Preta, e mais tanques que lhe estão inferiores. Todo elle é revestido de azulejos, bem como trez bancos e dois alegretes que estão encostados á parede do lado do norte. Entre os bancos a meio da parede encontra-se uma carranca de pedra, esculptura grosseira […] Parece indicar ter sido antigamente também fonte, porém não existe o tanque, bacia ou concha, que recebia a água” (Conde de Sabugosa, 1903). O autor dá-nos uma ideia da complexidade do sistema hidráulico.
Daqui têm-se acesso à horta por uma porta lateral ou ao jardim da Preta, descendo-se por umas curiosas escadas e entrando numa porta à direita. Este jardim, composto essencialmente por canteiros de buxo topiado, e algumas árvores antigas, é rodeado para o lado da vila por alegretes e namoradeiras de onde a vila se observa de cima. No centro do jardim, encontramos novamente uma espécie de pelourinho que lembra o do pátio dos esguichos. O nome, Jardim da Preta, advém de um pequeno tanque de lavar com pedra de ensaboar junto á parede do fundo, junto do qual foi pintado em relevo, quase em tamanho real, a figura de uma mulher de cor com traje dos fins do século XVII, e ao seu lado, com ar divertido, um rapaz com um casaco vermelho. Daqui se sobe, por um lance de escadas, para o patamar do jardim da araucária, também ele um jardim de buxo topiado com alegretes e namoradeiras. Dois patamares acima, encontra-se a horta, onde um antigo canal levava a água por gravidade de um pequeno tanque lateral aos canteiros de produção. Faz ainda parte deste conjunto uma comprida latada de vinha alguns degraus acima, de onde a vista é mais ampla e se pode descobrir toda a vila e o castelo.
Voltando ao interior do palácio, entre a sala das Galés e a Sala dos Brazões, encontramos um belíssimo jardim murado com uma fonte ao centro. É este o Jardim dos Príncipes, informando-nos o conde de Sabugosa que este seria um nome moderno na época, e que o seu nome original seria Jardim de Lindaraya, uma reminiscência da origem mourisca do palácio, dizia-se na altura que “que a elle vinham as mouras, ao sair do banho, respirar a frescura do ar” (Conde de Sabugosa, 1903). É este um jardim de buxo topiado organizado em quatro canteiros com um lago no centro e um repuxo sob a forma de um grupo de quatro golfinhos. Um muro a poente e norte protegem dos ventos dominantes mas nele foram abertas quatro janelas de pedra que abrem o jardim para a vista esplêndida da várzea de Colares e o mar ao fundo.
Daqui se passa por uma porta para o pátio dos Tanguinhos cuja fachada aberta imita a do jardins dos príncipes. Hoje em dia sem vegetação, pensa-se que talvez tenha sido em tempos o antigo laranjal (Conde de Sabugosa, 1903). Aqui encontramos duas janelas largas com os seus assentos de pedra conhecidas como namoradeiras e típicas do jardim Português, uma virada para o nordeste e outra para o norte. Os tanques mesmo sem água mantêm a beleza da pedra antiga manchada pela idade. A um canto do pátio se desce por uma rampa para os jardins inferiores, dando depois acesso ao antigo pátio do jogo da Pélla e cavalariças. Das janelas com namoradeiras do pátio dos tanguinhos, e citando uma descrição antiga de António Coelho sobre o terreiro de Meca este contíguo, “se descobre todo o horizonte que he huma das fermosas vistas que se podem ver, porque delle se representa hum paraizo terreal pintado que faz a frescura daquelas fermosas quintas e verdes pumares, descobrindo até o rio das maças, e horizonte de huma nunca vista primavera. E voltando os olhos ao mar se vê muitas legoas delle cauzando tambem com suas agoas saudades na alma.” (Lacerda, 1838).
Este palácio é considerado Património Mundial pela UNESCO por estar incluído na Paisagem Cultural de Sintra. É também classificado como Monumento Nacional pelo Decreto de 16-06-1910, DG, 1.ª série, n.º 136 de 23 junho 1910 e incluído na Área Protegida de Sintra - Cascais (v. PT031111050264).
Texto de Inventário: Guida Carvalho – 2020.
Revisão: Cristina Castel-Branco – 2020.
inserido na ROTA DA GRANDE LISBOA
Jardins do Palácio Nacional de Sintra
(Consultada em Setembro de 2019)
ARAÚJO, Ilídio de – Arte Paisagista e Arte dos Jardins em Portugal. Lisboa: Centro de Estudos de Urbanismo, 1962. p. 53.
CASTEL-BRANCO, Cristina – Os jardins dos Vice-Reis. Alfragide: Oceanos, 2008.
GUIA de Portugal: Generalidades Lisboa e Arredores I - Lisboa [S.l.]: Fundação Calouste Gulbenkian, 1979. Vol. 1. pp. 498-511.
JUROMENHA, Visconde de. – Cintra Pinturesca. Sintra: C.M. Sintra, 1989, pp. 33-54.
SABUGOSA, Conde de. - O Paço de Sintra. Apontamentos históricos e Archeologicos. Desenhos de Dua Magestade A Rainha A Senhora Dona AMELIA. Lisboa: Imprensa Nacional, 1903.
SOUSA, A. D. de Castro e. - Descrição do Palacio Real na Villa de Cintra, que ali Teem os S.res Reis de Portugal. Lisboa: Typographia de A. S. Coelho, 1838.
PARQUES DE SINTRA – MONTES DA LUA, S.A. - Parques e Monumentos de Sintra. Sintra: Parques de Sintra, 2012.
http://www.monumentos.gov.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=6135
https://www.parquesdesintra.pt/parques-jardins-e-monumentos/palacio-nacional-de-sintra/
http://www.patrimoniocultural.gov.pt/pt/patrimonio/patrimonio-imovel/pesquisa-do-patrimonio/classificado-ou-em-vias-de-classificacao/geral/view/69856