Parque de Monserrate
Lisboa | Sintra
Parque de Monserrate
Implantado a meia-encosta na vertente norte da Serra de Sintra situa-se uma das mais icónicas criações do jardim paisagista em Portugal: o Parque e Palácio de Monserrate. Testemunha ímpar do sincretismo arquitetónico do século XIX, o Palácio de Monserrate combina influências góticas, árabes e sugestões acentuadamente orientais com predominância da influência hindu, bem como motivos exóticos e vegetalistas que se prolongam harmoniosamente para o jardim no exterior.
A origem do seu nome remete a uma ermida dedicada à Virgem Negra de Montesserrat, que em tempos ali existiu. A capela foi mandada edificar em 1540 por Gaspar Preto, superior do Hospital de Todos os Santos em Lisboa, após uma peregrinação à Catalunha aquando terá ficado devoto à Santa (Ramalho, 2011).
No início do século XVII, a quinta é já vulgarmente conhecida por Quinta de Monserrate e é aforada à família Mello e Castro, que a compra em 1718, pela mão de Caetano de Mello e Castro, “Comendador de Cristo” e vice-rei da India. Em 1790 Gerad DeVisme, um rico comerciante inglês que conseguira do Marquês de Pombal o monopólio do comércio das madeiras do Brasil, arrenda a quinta à família Mello e Castro, e aí manda construir o primeiro palacete acastelado de inspiração neogótica. Com esse objetivo, Devisme, derruba o que sobrou das ruínas da ermida e casas pré-existentes, na época já arruinadas pelo terramoto de Lisboa em 1755, e constrói em seu lugar um palácio acastelado.
Quatro anos depois, em 1794, DeVisme subaluga Monserrate a William Beckford, um rico aristocrata inglês conhecido pelas suas muitas viagens, excentricidades e extravagâncias, e parte para Inglaterra. Beckford não chegou a ficar na Quinta dois anos, partiu para Inglaterra e depois voltou a Portugal, em 1798. É a partir da sua terceira estadia em Portugal que Beckford renova o contrato de sublocação e permanece em Monserrate por um período ininterrupto de nove anos. Detentor de uma grande fortuna e famoso pela sua extravagância como construtor e colecionador, Beckford, foi responsável por várias alterações à arquitetura do palácio e pelo traçado de um jardim paisagista, o primeiro em Portugal, na sua envolvente, tendo mandado construir uma cascata, um lago e um falso cromeleque.
Em 1797, DeVisme morre em Inglaterra. Carl Israel Ruders que visitou a quinta de Monserrate pouco tempo depois (1798-1802) conta-nos “ (…) Esta quinta deve as suas belezas ao falecido comerciante «de Visme», homem célebre em toda a Europa, tanto pelo seu gosto como por não olhar a despesas em coisas desta índole [...]Lá tudo quanto se via era um testemunho irrefragável do génio inventivo desse homem que soube transformar um dos sítios mais rústicos desta redondeza no lugar mais atraente para residência de homens cultivados.” (Ruders, 2002).
O Lord Byron (1788-1824), famoso poeta Inglês, visitou a propriedade em 1808 elogiando a sua beleza no poema “Peregrinação de Childe Harold”, o que o tornou uma curiosidade para o povo britânico e atraiu muitos viajantes à propriedade. Por morte de DeVisme e retirada definitiva de Beckford para Inglaterra em 1799, a propriedade ficou totalmente votada ao abandono, tornando-se numa ruína romântica, com o telhado caído e a vegetação a crescer desordenada por todo o lado.
São testemunhas deste estado de abandono James Edward Alexander e Marianne Baillie, ambos conhecidos viajantes de origem britânica, ele um militar e ela uma poeta. Alexander que visitou Monserrate em 1834 conta-nos: “Passando pela Penha Verde — quinta do famoso João de Castro, vice-rei da índia — situada no seu planalto imponente, cheguei á antiga residência do autor de Vathek [William Beckford]. Não era possível ter escolhido melhor sítio para esta residência outrora luxuosa, agora tão silenciosa e abandonada! Situada num contraforte da montanha, ocupa a extremidade de uma colina verdejante, sobranceira a uma planície fértil e ao vale de Colares com as suas vinhas e laranjais, onde lhe chega o rugido afastado do oceano, trazido pela brisa que vem de oeste.
Monserrate é constituída por duas torres circulares nas extremidades de um centro quadrado, que a ele se ligam através de galerias. A primeira torre é o átrio de entrada, a torre mais afastada é a sala de música. As portas estavam sempre abertas, as janelas e os telhados tinham sido demolidos, os raios de luz abriam caminho enquanto o vento varria com cadência melancólica os aposentos vazios e fazia rodopiar folhas de arbustos e de árvores dentro e fora da desolada habitação.” (Alexander, 2003).
Em 1856, a propriedade, ainda em ruínas, é arrendada e posteriormente comprada à família Mello e Castro por Francis Cook, um milionário inglês que tinha feito a sua fortuna no comércio de têxteis (Ramalho, 2011), mais tarde nomeado Visconde de Monserrate por D. Luís I. Cook contratou o arquiteto James Knowles para restaurar e modificar a casa. Knowles aproveitou as antigas estruturas do palacete de DeVisme e mantendo as áreas da primitiva construção. Seguindo a tendência da época e, inspirando-se nos jardins do seu país de origem, Inglaterra, Cook mandou vir do Reino Unido os paisagistas William Stockdale, o botânico William Nevill e os mestres jardineiros James Burt e Walter Oates que transformaram a Quinta num dos mais belos parques da Europa onde existem cerca de 3000 espécies botânicas. Aí, Francis Cook mandou também colocar inúmeras peças por ele adquiridas em diversas viagens, de forma a criar diferentes cenários e ambientes, nomeadamente um arco indiano que fazia parte do espólio de guerra de uma revolta de marajás (monumentos.pt). Concluído o edifício, o palacete passou a ser uma das residências do casal Cook, que aqui passa a residir dois a três meses por ano.
Querendo manter o seu isolamento, Cook compra a maior parte das quintas vizinhas, incluindo o Convento dos Capuchos e as suas matas. “A situação da quinta é, quanto pode ser, magnifica.” Conta-nos Lady Jackson em 1883, “Assenta em planura que domina um ponto de vista horizontado largamente pelo vale de Colares, mar e serras. Ao pé de casa enverdecem vastas pradarias, já planas, já declivosas, para as quais vos conduz um caminho arborizado. Bracejam carvalheiras e cedros seculares, ao lado de pomares de laranjas e tangerinas. Há tanques, fontes e uma cascata que engrossada pela chuva se despenha estrondosamente do topo da serra às profundezas do vale. Fetos de raríssimas espécies, jardins graciosamente recortados, bosques, campinas à semelhança de parques, constituem os atractivos da quinta de Monserrate. Consta-me, porém, que é difícil coisa lá entrar.” (Jackson, 2007).
Durante a construção do Jardim, e seguindo ideias românticas, Francis Cook mandou retirar o telhado da capela edificada por DeVisme no local da antiga ermida da Virgem Negra de Montesserrat, destruir as paredes interiores, plantar trepadeiras e abrir uma gruta no local, criando um cenário de ruína romântica. Aí terá mandado colocar um dos três sarcófagos etruscos por ele adquiridos em Roma em 1860.
Hans Christian Andersen visitou a propriedade de Monserrate em 1866 conta-nos “[...] e fomos até Monserrate, propriedade dum inglês riquíssimo que aí apenas reside dois meses na Primavera. No jardim cresce livremente uma imensidade de plantas tropicais. Vi um bosquete com as mais notáveis espécies de fetos, desde os mais pequenos aos mais desenvolvidos em viço e grandeza, lado a lado com palmeiras. Grandes campainhas brancas pendiam duma árvore, bagas perladas cor-de-rosa de outra. Frutos sumarentos que não conhecia e flores de vivo colorido exibiam-se em cima, e em baixo sobre um belo relvado de verde-veludo murmurava a água cristalina da fonte, para aí canalizada a fim de que não faltasse frescura à erva. [...] O sol ia descendo no jardim que tomou tons de rosa e parecia estender-se e avolumar-se, luzindo com mágico brilho nas paredes e decorações de branco mármore e fazendo chamejar os vidros grandes das janelas como espelhos de cristal. O ambiente era tão cálido, tão penetrado do odor das flores que nos sentimos transportados para fora da realidade e arrebatados, só voltamos a nós próprios quando penetramos no umbroso sobral próximo." (Andersen, 2007).
O conflito mundial de 1914-18 e os pesados impostos do pós-guerra, bem como os efeitos da grande depressão do final dos anos 20 abalaram os negócios da família Cook, que acabou por vender as suas propriedades por volta da década de 40. Depois de longas negociações e especulações, os Capuchos e Monserrate acabam por ser comprados pelo Estado em 1949. Hoje em dia, tanto o palácio como o parque são geridos pela empresa ‘Parques de Sintra – Monte da Lua’ e são visitáveis todos os dias das 10:00 às 19:00. A entrada é feita por um portal enquadrado por colunas molduradas, sendo a da direita coroada por uma estátua de um cão alado.
Este jardim tem a peculiaridade de ter o primeiro relvado regado por um sistema de rega canalizado. Para o descrever evocamos as palavras de Jaime Cortesão no Guia de Portugal, “Entra-se no Parque por uma espécie de átrio, vasto e majestoso, enquadrado pelos troncos e as copas de ciprestes altíssimos. E logo rompe a grande voz das águas, que nunca mais deixa de ouvir-se. Seguindo a rua que do pontal vai dar ao palácio, o olhar hesita entre o tumulto das frondes e das águas, para a esquerda — caos florido, onde se advinha um universo vegetal, e à direita a aberta alada do horizonte, grave, e austera. Duma pequena ponte colhe-se à esquerda um efeito surpreendente pela sucessão das perspetivas. […] Sigamos agora pela esquerda por qualquer dos carreiros que vão dar ao vale. A breve trecho entramos num abismo verde, a espaços mal alumiado, como cripta enorme. Tudo é musgoso, revestido, atapetado; do alto pendem cortinas flutuantes de ramos, de lianas e flores; e antros e maciços serrados, como nas espessuras tropicais. De súbito, numa curva da vereda, abre-se urna clareira, e a voz das águas despenhadas soa num mais alto fragor, que logo a pouco e pouco se amortece […]” (Guia, 1979, p. 544-551).
O palácio de Monserrate é considerado Imóvel de Interesse Público segundo o Decreto n.º 95/78, DR, 1.ª série, n.º 210 de 12 setembro 1978. Está também incluído na Área Protegida de Sintra - Cascais (v. IPA.00022840).
Texto de Inventário: Guida Carvalho – 2020.
inserido na ROTA DA GRANDE LISBOA
Parque de Monserrate
(Consultada em fevereiro de 2020)
ALEXANDER, James Edward. – Um esboço de Portugal durante a Guerra Civil de 1834. Lisboa: Livros Horizonte, 2003.
ANDERSEN, Hans Christian. – Uma visita a Portugal em 1866. [S.I.]: Feitoria dos Livros, 2015.
BAILLIE, Marianne. – Lisboa nos anos de 1821, 1822, e 1823. Lisboa: Biblioteca Nacional, 2002.
BINNEY, Marcus. Country Manors of Portugal. Lisboa: Difel, 1987. pp. 46-51.
CARITA, Hélder; CARDOSO, António Homem – Tratado da Grandeza dos Jardins em Portugal: ou da originalidade e desaires desta Arte. [S. l.]: Edição dos Autores, 1987. pp. 291-295.
FREITAS, João Sande de (pela Associação dos Amigos de Monserrate). - Parque e Palácio de Monserrate – Guia oficial. Sintra: Parques de Sintra e Scala Publishers, 2010.
GUIA de Portugal: Generalidades Lisboa e Arredeores I. Lisboa. [S.l.]: Fundação Calouste Gulbenkian, 1979. Vol. 1. pp. 544-551.
JACKSON, Lady. – A Formosa Lusitânia: Portugal em 1883. [S.l.]: Caleidoscópio, 2007.
JUROMENHA, Visconde de. – Cintra Pinturesca. Sintra: C.M. Sintra, 1989, pp. 79-84
PEREIRA, Artur D.; CARDOSO, Felipa Espírito Santo; CORREIA, Fernando Calado. – Sintra e suas Quinta. Sintra: Edição dos Autores, 1983, p. 46-47.
RAMALHO, Margarida de Magalhães; BORDINO, Giorgio (fot.). – Escrever sobre Sintra. Sinta: Parques de Sintra - Monte da Lua e Turismo de Portugal, 2011.
RUDERS, Carl Israel. – Viagem em Portugal: 1798-1802. Lisboa: Biblioteca Nacional Portugal, 2002.
http://www.monumentos.gov.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=22672
https://www.parquesdesintra.pt/parques-jardins-e-monumentos/parque-e-palacio-de-monserrate/descricao/
http://www.patrimoniocultural.gov.pt/pt/patrimonio/patrimonio-imovel/pesquisa-do-patrimonio/classificado-ou-em-vias-de-classificacao/geral/view/72839/