Quinta das Lágrimas
Centro | Coimbra
Quinta das Lágrimas
O primeiro registo onde surge uma referência à Quinta das Lágrima data de 1326 e a quinta então conhecida por Quinta do Pombal é descrita na margem esquerda do rio Mondego, em frente da colina onde desde tempos imemoriais nasceu a cidade de Coimbra.
A quinta é formada por uma encosta muito íngreme que rodeia a terra fértil enriquecida pelas frequentes inundações do Mondego e a formação geológica da encosta é principalmente calcária, o que confere a este local a sua singularidade: uma abundância invulgar de água doce que brota no sopé da encosta e desce de três nascentes permanentes que foram sendo transformadas em fontes e canais ao longo dos séculos. Com a proteção dos ventos dominantes garantida pela colina, a água abundante e o solo rico, a vegetação encontra aqui condições excepcionais de crescimento e algumas espécies subtropicais desenvolvem-se como no seu habitat original. Encontramos exemplares descomunais de Ficus macrophylla, Podocarpus, ou Cinamomun camphora, a par de outras cujo crescimento é tambem notável, como a Sequoia sempervirens, o Cedrus libani, o Cedrus atlantica, o Cupressus lusitanica, a Araucaria bidwilli, a Lagerstroemia indica, e o Liquidambar styraciflua. São estas espécies que formam a coleção botãnica do jardim à volta do qual se eleva a encosta declivosa, armada em socalcos nas zonas menos íngremes e coberta com uma densa mata de loureiros cujas camadas inferiores da vegetação cresceram livremente, criando um espesso maquis mediterrânico. A casa, assento de lavoura e depois os jardins foram construídos à cota mais alta da plataforma plana de forma a evitar as frequentes inundações do Mondego. A subida das águas era, e continua a ser, um acontecimento regular que invade a quinta e as aluviões férteis depositados pelo rio são bem-vindos para melhorar as terras e as produções agrícolas. É por tudo isto que a característica mais importante desta paisagem sempre foi a água, nascendo do fundo da encosta, inundando anualmente a propriedade, com o rio Mondego a cercar a casa, deixando para trás um lago com a casa situada numa ilha e as árvores refletindo-se como num espelho. Essas qualidades naturais da paisagem imprimem a singularidade do lugar e a notável qualidade da quinta.
Durante a Idade Média, a propriedade pertencia a uma Ordem monástica, os monges da Santa Cruz, e o local era conhecido por Quinta do Pombal, situada a sul do Convento de Santa Clara. O pombal continua a ser um dos edifícios mais antigos da quinta, construído em 1314, e depois entregue à Rainha Santa Isabel, mulher do rei Diniz. A Rainha decidiu ampliar o convento em 1326 e foi nessa altura que surgiu o primeiro registo da Quinta e a descrição do Cano dos Amores, peça única deste jardim pela sua antiguidade e por ser uma obra régia que ainda hoje funciona levando água através da propriedade, ao longo de um muro. No século XIV, a quinta foi o cenário dos amores do príncipe herdeiro D. Pedro e da aia de sua mulher, Inês de Castro, foi o paraíso deste amor que depressa se transformou em tragédia e morte. Por razões políticas, em 1355, o rei D. Afonso IV mandou matar Inês e o Príncipe enfurecido entrou em guerra contra o Pai. Cinco anos depois, o Rei morreu, o príncipe D. Pedro ascendeu ao trono e logo se vingou dos matadores de Inês e celebrou a sua Inês como Rainha de Portugal desenterrando-a do convento de Santa Clara e levando-a para a igreja do Mosteiro de Alcobaça. Um enorme cortejo com o corpo da Rainha morta desfilou entre cortesãos de joelhos, curvando-se à passagem do andor até Alcobaça. Aí na igreja gótica da abadia Cisterciense, D. Pedro mandou esculpir o túmulo de Inês em pedra que deveria ser mantido em frente ao seu próprio túmulo, onde uma rosácea conta a vida de Inês e onde se lê como símbolo de amor eterno a divisa: “Até ao fim do mundo”. Os amores de Pedro e Inês passaram a ser um tema cantado por muitas gerações de poetas, pintores e dramaturgos e no século XVI, Luís de Camões, nos " Lusíadas”, cantou os amores de Inês e a sua tragédia, imaginando que a nascente que brota da rocha fora o resultado das lágrimas que toda a natureza chorou quando a Inês, amante do príncipe, foi morta .”Lágrimas são água e o nome amores”, escreveu Camões. A forte imagem transmitida pela associação da água natural às lágrimas fora já inventada por Ovídio e Camões adaptou-a para lamentar em versos a perda de um amor tão imenso. A palavra Lágrimas tornou-se o nome certo para a Fonte e dela para o sítio desta grande emoção cantada por Camões e assim a Quinta do Pombal passa a “Quinta das Lágrimas”. Durante o século XVII assistiu-se a muitos avanços tecnológicos, nomeadamente nos sistemas hidráulicos, e um novo canal passou a trazer água de um grande tanque de rega que é abastecido pela água da Fonte das Lágrimas transportando-a para acionar o veio e a roda de um grande lagar junto da casa. A produção agrícola é a fonte de financiamento desta quinta que, em 1730, foi vendida à família dos atuais proprietários. Em 1813, o Duque de Wellington foi recebido na Quinta das Lágrimas, a convite de seu assistente de campo, António Maria Osório Cabral de Castro, então proprietário da quinta e para comemorar o acontecimento, foram plantadas duas sequoias e uma tabuleta com a inscrição da famosa estrofe de “Os Lusíadas” referindo o amor de Pedro e Inês foi colocada junto à Fonte das Lágrimas. No século XIX, foram realizadas grandes obras que aumentaram a vetusta casa original e a transformaram num solar onde vários monarcas (D. Pedro, Imperador do Brasil, o Rei D. Miguel de Portugal) pernoitaram passando assim à designação de Palácio. Por volta de 1860 ficou documentada a criação de um jardim romântico encomendado por Miguel, filho de António Cabral de Castro, na parte plana em redor do palácio com lagos sinuosos e árvores exóticas e raras que, dois séculos depois, prosperam no microclima excepcional da quinta. Na encosta íngreme virada para Coimbra foi desenhado e plantado um jardim pitoresco marcado por grandes cedros do Líbano, cedros do Buçaco, sequoias pinheiros do Alepo e onde os caminhos e degraus nos levam a pontos de paragem que permitem descobrir as vistas sobre o Mondego e sobre Coimbra. Pouco depois, D. Duarte de Alarcão Velasquez Sarmento Osório, sobrinho de D. Miguel mandou erguer uma porta em arco e uma janela neogótica junto à entrada da mina que a Rainha Santa Isabel havia construído no seculo XIV. A partir desta entrada na mata, onde pontua a famosa Fonte dos Amores, junto a uma gigantesca árvore Ficus macrophyla penetra-se no mundo mais sombrio da mata que se pode percorrer através dos caminhos recentemente recuperados do antigo traçado pitoresco do século XIX. No século XX o palácio foi transformado pelo descendente dos proprietários atrás referidos, no Hotel Quinta das Lágrimas reabilitando em 1995 todo o assento de lavoura e o Palácio num Hotel de 4 estrelas. Em 2004, o arquiteto e vencedor do prémio da Académie des Beaux Arts de Paris Gonçalo Byrne foi convidado a projetar a nova ala do Hotel que levou ao aumento do jardim. Em 2006, a arquiteta paisagista Cristina Castel-Branco iniciou uma remodelação dos jardins da Quinta das Lágrimas a qual incluiu o desenho de uma interpretação do jardim medieval, junto ao Cano dos Amores, e submeteu também um projeto, de traço contemporâneo, do anfiteatro Colina de Camões (Prémio de Arquitetura Paisagista em 2008) para servir de cenário a um festival de música ao ar livre que acontece todos os anos no verão. Este projeto otimizou também os problemas de drenagem de águas e foi financiado pelo Programa EEAGrant da Noruega sob coordenação da então chamada Associação Portuguesa de Jardins e Sítios Históricos, hoje AJH – Associação Portuguesa dos Jardins e Sítios Históricos e permitindo que se desse o primeiro impulso para a recuperação dos muros de suporte da mata, dos caminhos ao longo da encosta, do miradouro e degraus que hoje permitem desfrutar de toda a área de quinta. Em 2007 foi construído um jardim japonês num claustro do Hotel e todos esses elementos, vieram trazer nova vida a uma quinta já com sete séculos de história na qual as fontes históricas podem ser vistas nos seus lugares originais, e apreciadas como componentes autênticos e íntegros de uma jardim vivido e visitado por milhares de pessoas durante vários séculos.
Imóvel de Interesse Público - Decreto n.º 129/77, DR, I Série, n.º 226, de 29-09-1977
Inventário: Cristina Castel-Branco (fevereiro 2020)
inserido na ROTA DO LITORAL CENTRO