Parque de Santa Cruz ou Jardim da Sereia
Centro | Coimbra
Parque de Santa Cruz ou Jardim da Sereia
O Jardim de Santa Cruz, mais conhecido por Jardim da Sereia, é hoje um jardim público no centro da cidade de Coimbra com entrada pela Praça da República. No século XVIII foi uma mata, criada por D. Gaspar da Encarnação para recolhimento e meditação dos monges de Santa Cruz no cimo da cerca, a 800 metros do que ficou hoje dos edifícios da ordem religiosa - a Igreja de Santa Cruz, o Claustro da Manga, os edifícios onde funcionam hoje a câmara municipal, o café Santa Cruz, os correios e o mercado.
Com vista à transformação urbana desta zona da cidade e antevendo a importância que a cerca do Mosteiro de Santa Cruz detinha, o município adquire a cerca em 1885 e convida o engenheiro Adolfo Portela e Júlio Henriques, diretor do Jardim Botânico de Coimbra, para elaborarem um ‘Plano de Melhoramentos da Quinta de Santa Cruz’. Este plano prevê a reutilização de edifícios desocupados pela ordem religiosa, mas também a afetação de grande parte da cerca para a criação de avenidas e ruas, edifícios e espaços de feira, e também a transformação de uma ampla zona verde correspondente à mata dos monges crúzios em jardim público.
Uma década antes da transformação urbana da Quinta de Santa Cruz, na obra ‘Portugal Antigo e Moderno’ (1873), Pinho Leal apresenta o estado em que a cerca ficou depois da extinção das ordens religiosas: ‘Depois da extinção das ordens religiosas, tem-se praticado n’esta quinta vandalismos inauditos. Grande parte dos seus gigantescos arvoredos foram cortados ou arrancados, e muitas ruas destruídas, com o fim d’alargarem a cultura dos cereaes, por mais alguns metros de terreno.’ Mas, apesar destes atos de vandalismo, refere que ainda resta muito que admirar e convida a visitar a cerca dos crúzios, descrevendo-a do seguinte modo: ‘Algumas ruas largas e extenças, toldadas de frondoso arvoredo; o celebrado largo circular, orlado por altas paredes de cedro; o grandioso terreiro do jogo da bola, com os seus trez lindos arcos, coroados pelas estatuas da Fé, Esperança e Caridade, com a sua lindíssima cascata e com os colloçaes e copados arvoredos que o assombram; as magestosas escadarias, entremeiadas de vistosos repuchos; a paragem encantadora da Fonte da Nogueira, ete. etc. Também ainda restam algumas arvores seculares, que causam pasmo por sua corpolencia, principalmente os loureiros, dos quaes disse o célebre botânico Link na sua Voyage en Portugal. – ‘si l’on desire voir des lauriers des Indes, de Goa (laurus indica) dans toute leur magnifieence, cest ici quon doit se rendre.»’.
Muitos dos elementos estruturantes do jardim que Pinho Leal convida a visitar no último quartel do século XIX, mantém-se hoje no jardim. É exceção, de acordo com o referido por Cristina Castel-Branco na obra ‘Jardins de Portugal’ (2014), a vegetação que certamente era o enlevo dos frades. E refere, como exemplo de elementos vegetais que desapareceram, a sebe alta de ciprestes com arcos plantada em redor do lago, vendo-se ainda os cepos dos ciprestes cortados.
No que respeita à configuração do jardim, destaca-se o cariz cenográfico que se encontra presente na grande maioria dos seus espaços. A entrada no jardim é feita pela Praça da República, através de um pórtico triunfal de três arcos, apoiados em pilastras e decorado por três esculturas representando a Caridade, a Fé e a Esperança. O pórtico é ladeado por dois torreões de planta quadrada, com ornamentos de estilo barroco, decorados com pintura mural, os quais terão sido mais elevados pois acedia-se ao parque através de uma escadaria de treze degraus, entretanto desaparecida. Ao pórtico segue-se o recinto do Jogo da Péla, ladeado por muros baixos com bancos decorados com azulejos, dividido no sentido do comprimento por muretes marcados nas extremidades por pilares com urnas. Este recinto desemboca numa cascata de três corpos que tem ao centro a escultura de Nossa Senhora da Conceição e, em plano mais recuado, dois grandes medalhões de azulejo figurativo e esculturas representativas de ‘Sara e Agar no Deserto’ e o ‘Profeta Eliseu lançando sal nas águas de Jericó’. Deste terreiro parte um escadório com diversos patamares marcados por tanques de água com repuxos, ladeados por bancos de pedra com o encosto de azulejos representando paisagens, animais e motivos alusivos à água. No último patamar localiza-se a Fonte da Nogueira ou da Sereia, com uma espécie de gruta ao centro, abrigando a figura de um tritão com barbas abrindo a boca a dois golfinhos e a quem chamaram sereia, o que explica a designação popular de ‘Jardim da Sereia’. O jardim é atravessado por um circuito de percursos que cruzam a mata, culminando num grande lago de forma circular. Esta peça é o ponto vital do jardim que alimenta o sistema de repuxos das escadarias e da grande cascata.
Teresa Portela Marques (2009) refere que, em finais da década de 1920 ou no início dos anos de 1930, o parque teve uma intervenção da autoria de Jacintho de Mattos. Anos depois, em 1956, volta a ser alvo de uma intervenção do arquiteto paisagista António Viana Barreto, onde se procedeu à limpeza do material vegetal do parque e à correção de caminhos.
No jardim foram distribuídos diversos monumentos em homenagem a figuras emblemáticas. São exemplos o busto em bronze do poeta conimbricense, Camilo Pessanha, da autoria do escultor Cabral Antunes, que se encontra próximo da entrada principal, inaugurado em 1967, por ocasião do primeiro centenário do nascimento do poeta, e a instalação artística de Rui Chafes intitulada ‘O Mundo fica em Silêncio’, datada de 2004, composta por 4 cenários, num total de 7 esculturas espalhadas pelo jardim.
Imóvel de Interesse Público, Decreto nº 251/70, DG, 1ª série, n.º 129, de 03 junho 1970
Inventário: Ana Catarina Antunes em março de 2020
inserido na ROTA DO LITORAL CENTRO
Parque de Santa Cruz ou Jardim da Sereia
(consultada em março de 2020)
http://www.monumentos.gov.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=1017
http://www.patrimoniocultural.gov.pt/pt/patrimonio/patrimonio-imovel/pesquisa-do-patrimonio/classificado-ou-em-vias-de-classificacao/geral/view/73923
https://www.cm-coimbra.pt/areas/visitar/ver-e-fazer/parques-e-jardins/parque-de-santa-cruz
ALARCÃO, Jorge de - A evolução urbanística de Coimbra: das origens a 1940. Actas do I Colóquio de Geografia de Coimbra, N.º Especial de “Cadernos de Geografia”, 1999.
CASTEL-BRANCO, Cristina - Jardins de Portugal. Lisboa: CTT Correios de Portugal, 2014.
DUARTE, Marco Daniel - Contemplar o Paraíso – O Jardim de Santa Cruz de Coimbra. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2017.
LEAL, Augusto Pinho - Portugal antigo e moderno : diccionario geographico, estatistico, chorographico, heraldico, archeologico, historico, biographico e etymologico de todas as cidades, villas e freguezias de Portugal e de grande numero de aldeias. Vol 1. Lisboa: Mattos Moreira, 1873.
MARQUES, T. Portela - Dos jardineiros paisagistas e horticultores do Porto de Oitocentos ao modernismo na arquitectura paisagista em Portugal. Tese de Doutoramento, Instituto Superior de Agronomia, Universidade Técnica de Lisboa, 2009.